8 de abril de 2018

Se era para ganhar assim, então valeu a pena esperar para ver Sagan conquistar Roubaix

(Fotografia: © BORA-Hansgrohe/Bettiniphoto)
Entre azares, tácticas falhadas, falta de companheiros de equipa, o Paris-Roubaix simplesmente parecia não querer nada com Peter Sagan. Ou talvez fosse vice-versa... ou um misto dos dois. Com uma carreira brilhante, aos 28 anos, ter apenas um monumento sabia a pouco para a grandeza deste ciclista. Um fora de série, sem dúvida, a quem faltava conquistar o Inferno do Norte e assim começar a consolidar o seu estatuto de lenda. E, de repente, tudo o que se disse, o que se escreveu, o que se fez, foi apenas o caminho que Sagan teve de percorrer para ganhar em Roubaix. Valeu a pena esperar, pois eis uma daquelas edições que ficarão para a história. O campeão do mundo, perdão, o tricampeão do mundo foi simplesmente sublime.

No final, a forma como Sagan admitiu que estava mais fresco após cortar a meta do que em anos anteriores até resumia grande parte da sua corrida. Não houve furos, avarias, recuperações desgastantes, ataques e contra-ataques... Por uma vez saiu tudo perfeito ao eslovaco que entra no lote daqueles que a mais de 50 quilómetros jogaram a sua cartada e conquistaram Roubaix. Ao contrário de Fabian Cancellara ou Tom Boonen, por exemplo, Sagan deixou o grupo de favoritos sozinho, mas foi buscar companhia à frente. Foi forte, determinado e habilidoso. Sim, aquele penúltimo sector de pavé deve ter provocado alguns sobressaltos à sua equipa, já que por duas vezes ameaçou cair. Sagan sentia que estava perto. E já era um sentimento que transcendia os pavés do norte de França.

(Fotografia: © BORA-Hansgrohe/Bettiniphoto)
No meio de uma corrida caótica, na qual raro foi aquele que não sofreu qualquer tipo de problema - infelizmente alguns bem graves -, Sagan teve mesmo a estrelinha de campeão e fez por isso. Ele e a sua equipa. Finalmente a Bora-Hansgrohe esteve à altura do seu líder. Marcus Burghardt foi gigante, de tal forma que Daniel Oss até teve um dia mais calmo, dentro do possível no Paris-Roubaix, claro.

A BMC de Greg van Avermaet foi-se auto-destruindo logo na primeira metade da corrida, a Trek-Segafredo bem trabalhou, mas Jasper Stuyven acabou só e com pouca capacidade para ir além de mais um top dez (o que é sempre bom). E desta vez a Quick-Step Floors falhou. Alguma vez tinha de ser.

Jogou Philippe Gilbert muito cedo e Zdenek Stybar também se precipitou num ataque inconsequente e que só serviu para lhe tirar forças que fizeram falta mais tarde. Yves Lampaert foi um dos azarados do dia. Niki Terpstra esteve bem melhor, mas não foi com Sagan, ainda que tenha feito um dos seus famosos arranques, que este ano já lhe deram duas vitórias, a última na Volta a Flandres. Este domingo valeu o terceiro lugar, ele que venceu Roubaix em 2014.

(Fotografia: © BORA-Hansgrohe/Bettiniphoto)
Porém, o dia é de Peter Sagan. Foi ele que a 54 quilómetros da meta resolveu atacar. Tom Boonen acusou-o de ser ele quem ficava na roda e que deveria estar calado e não acusar os adversários de não colaborarem. Que grande resposta de Sagan!

O eslovaco olhou para trás e ninguém o seguia. Estranho! Sagan terá pensado: "Ok, vou eu!" E lá foi cumprir um destino que há muito parecia ser o dele. 

Conquistou o Inferno do Norte e talvez mais importante do que a vitória poderão ser as consequências para o futuro. Sagan sabe agora que consegue ganhar como alguns daqueles que se tornaram mitos destas clássicas. Sim, é forte no sprint, mas também sim, sabe arrancar de longe e dosear o esforço que é multiplicado por muito ao ter-se empedrado e um pouco de lama à mistura pela frente. Agora não interessa os monumentos perdidos na linha de meta ou lá porque razão foi. Agora é tempo de retirar as ilações de uma corrida perfeita e lutar por mais. Mas atenção que não o fez sozinho em Roubaix e também não o fez só por causa da sua equipa.

(Fotografia: © BORA-Hansgrohe/Bettiniphoto)
Há um nome que poderá ficar esquecido, pois é a sina dos segundos classificados. Por mais glorioso que tenha sido o resultado e a exibição, não venceu. Ainda assim Silvan Dillier (AG2R) merece o seu momento de destaque. Eis um ciclista que não se escondeu, que não pensou que estar com Sagan era o mesmo que dizer "trabalha tu que és a estrela". Não. Dillier teve a atitude que distingue aqueles que adoram o ciclismo e que não só querem ganhar, como querem ter o seu papel no espectáculo, dos que fazem tudo por uma vitória, mesmo que o brilho seja menor. Talvez Sagan tenha razão, ganhar não é tudo e Dillier deverá partilhar dessa mentalidade.

Peter Sagan encontrou o parceiro que tanto procurava. Dillier perdeu, é certo. Se calhar há quem diga que deveria ter-se poupado mais. Mas para quê, se assim garantiu estar numa posição em que discutiu a vitória, algo que provavelmente não sonhava quando partiu para a corrida. Afinal o líder da equipa era Oliver Naesen, ele apenas teve liberdade de ir para a fuga, se calhar para mais tarde ajudar o belga. Arriscou ao trabalhar com Sagan, pois tudo poderia acontecer. Ficou em segundo, mas o próprio eslovaco reconheceu como Dillier teve o seu papel em tornar ainda mais memorável o seu enorme triunfo.

A festa de Sagan foi efusiva. Até se emocionou, pois nunca escondeu que Roubaix era o seu sonho. Houve tempo para uma vénia ao público que o aplaudiu no velódromo de Roubaix e também para Sagan ser... Sagan. O melhor é ver o vídeo em baixo de quando o eslovaco recebeu o pedregulho de 15 quilos.


Que caos!

Lamentou-se que não tenha sido uma edição chuvosa, algo que há muito não se vêm no Paris-Roubaix. Mas a corrida foi emocionante. É raro não ser, mas há sempre um ano melhor do que outro e 2018 confirmou as enormes expectativas criadas, algo que não tinha acontecido com a Volta a Flandres, por exemplo.

Mal chegou o primeiro dos 29 sectores de pavé a corrida ficou lançada. Primeiro porque as quedas começaram a suceder-se, depois os furos e as avarias decorreram a ritmo elevado. Foi raro o sector que se pudesse considerar calmo. Também não são suposto ser. Avermaet ficou para trás e recuperou, o mesmo aconteceu com Oliver Naesen (AG2R), Wout van Aert (Vérandas Willems-Crelan), sentiu o que é ter um azar já perto do fim - ainda assim foi 13º -, se alguém não sabia a razão de se chamar o Paris-Roubaix o Inferno do Norte, não demorou muito a perceber.

Metade do pelotão abandonou, o que nem foi das edições piores. Entre os que não concluíram está Nelson Oliveira. Já é azar a mais para o ciclista português. Terceiro ano consecutivo a abandonar por queda. Desta feita, o resultado foi uma clavícula partida.. O outro português da Movistar, Nuno Bico, foi 91º, a 17:41 de Sagan.

A maior preocupação chama-se Michael Goolaerts. O belga de 23 anos apareceu numa rápida imagem na televisão estendido no chão, num dos sectores de pavé. Mais tarde surgiria a confirmação que teve de ser reanimado. As notícias sobre o seu estado de saúde ficam, para já, por aí. A Vérandas Willems-Crelan aguarda por novidades sobre o seu ciclista, que foi transportado de helicóptero para o hospital.*

Aqui fica o Paris-Roubaix em 30 segundos, mas fica a garantia que valeu bem as quase seis horas frente à televisão! Cumpriu plenamente com as expectativas de ser um dos grandes momentos do ano.


E assim termina a fase da temporada marcada pelas clássicas do pavé. Agora vem aí a semana das Ardenas, que começa no próximo domingo, numa espécie de passagem de testemunho para as grandes voltas que se aproximam, com o Giro a arrancar a 4 de Maio.

(*NOTA: Já depois de publicado este texto foi confirmada a pior das notícias. Goolaerts faleceu na sequência da queda sofrida no Paris-Roubaix. Pode ler aqui)

Classificação via ProCyclingStats:


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