31 de março de 2019

Um Kristoff de raiva que não se deixa abater

(Fotografia: © BettiniPhoto/UAE Team Emirates)
Mais do que nunca, aquele gesto de celebração e aquela expressão com dentes cerrados deixou transparecer alguma (provavelmente até muita) libertação de raiva e frustração, demonstrando tudo o que vai na alma de Alexander Kristoff. Desde que venceu dois monumentos em 2014 e 2015 que o norueguês tem estado constantemente a ter de provar que é um ciclista de topo e que merece ser um líder. Porém, tem revelado a capacidade de, por mais que as coisas lhe corram mal, conseguir aparecer com pelo menos uma grande vitória todas as épocas. Pode não ganhar muito nas principais corridas como outrora, mas ao juntar a Gent-Wevelgem deste domingo ao seu currículo, a lista é de respeito e deixa claro que mantê-lo como lançador de Fernando Gaviria será injusto.

A sua saída da Katusha foi inevitável, depois de ter tantas dificuldades em manter o nível que tinha demonstrado. Nunca deixou de ganhar, mas começou a vencer menos e parecia estar sempre a ver as costas dos principais rivais. Em 2015 chegou a somar 20 triunfos, tendo conquistado a Volta a Flandres, um ano depois de ter sido o mais forte na Milano-Sanremo e em duas etapas no Tour. Estava no topo, mas a queda (e a quebra) foi grande. Chegou ao ponto de ser acusado de estar gordo! Aguentou toda a desconfiança, tentando não se deixar afectar e desconfiar dele próprio. Na UAE Team Emirates reencontrou quem lhe oferecia tudo para ser líder, mas acabou por ser só durante 2018.

Não foi uma época fantástica, mas vencer nos Campos Elísios é o ponto alto de qualquer sprinter. Kristoff, então o campeão europeu em título, deixou novamente a mensagem que não estava acabado, mas, aos 31 anos, não conseguiu transmitir toda a confiança aos responsáveis de uma equipa com cada vez mais dinheiro e que agarraram a oportunidade de contratar Fernando Gaviria. O norueguês foi-se resignando ao facto de ter de ser um lançador e até já desempenhou e bem o papel, com o colombiano a elogiá-lo. Contudo, não estava, nem era possível alguma vez estar, satisfeito com essa quebra de estatuto.

Na Gent-Wevelgem, uma das mais importantes corridas do pavé, Kristoff admitiu que tinha de preparar o sprint para o companheiro. Era este o plano da UAE Team Emirates. Foi Gaviria quem lhe disse para tentar a sua sorte, já que não se sentia no seu melhor, depois de ter sido segundo na Driedaagse Brugge-De Panne, onde foi batido categoricamente por Dylan Groenewegen (Jumbo-Visma).

O norueguês aproveitou, mas já antes tinha mostrado quilómetros antes que não queria ser o número dois. Atacou, tentou apanhar a frente da corrida onde estavam, entre outros, Peter Sagan (Bora-Hangrohe) e Matteo Trentin (Mitchelton-Scott), demonstrando logo ali uma força e uma vontade de raiva de lutar por uma vitória que a chegada de Gaviria à equipa não lhe permite.

Foi então um esforço inglório, é certo, mas ficaram forças para um sprint aos bons velhos tempos de Kristoff. Numa corrida de 251,5 quilómetros, feitos a uma velocidade louca - a média ficou nos 46,2 quilómetros/hora, mas chegou a ultrapassar os 51 -, era difícil não haver uma perna cansada nos que conseguiram chegar à recta da meta na frente. Mas foi Kristoff que deixou desta vez todos a verem as suas costas.

Foi a segunda vitória do ano - menos uma do que Gaviria -, depois de uma etapa na Volta a Omã, onde desde 2014 vence sempre. Kristoff precisa de mais se quer sair da inconfortável posição em que ficou com a chegada de Gaviria. Ir ao Tour como líder do sprint é uma ilusão, em circunstâncias normais. No entanto, se conseguir manter o nível, talvez tenha aberto uma porta para mais oportunidades, sem ter o colombiano a limitá-lo. E estando em final de contrato, se o seu pensamento estiver em procurar, outra vez, uma equipa que lhe dê o estatuto de líder para o sprint e clássicas, então é este Kristoff da Gent-Wevelgem que tem de aparecer mais vezes e não apenas numa grande vitória por ano.

A concorrência é forte, as opções para contratar são muitas, mas este Kristoff vale a pena não deixar cair para segundo plano. Nesta altura precisa de consistência e tem de se mostrar nos monumentos que se aproximam. Daqui a uma semana é a Volta a Flandres, seguindo-se no domingo seguinte, 14 de Abril, o Paris-Roubaix.

E no início do ponto alto das clássicas do pavé - a Através da Flandres realiza-se na quarta-feira - Kristoff e Oliver Naesen (AG2R) são duas das principais figuras pela forma que estão a apresentar. Quem diria! O belga fez pódio na Milano-Sanremo e foi agora terceiro na Gent-Wevelgem. Não está fácil confirmar as expectativas criadas há dois anos, mas este Naesen promete. Já Peter Sagan e Greg van Avermaet (CCC), os eternos favoritos, levantam muitas dúvidas quando ao estado de forma. Ambos precisam de um bom resultado. E sim, a Deceuninck-QuickStep pode ser derrotada. Essa foi uma das lições da Gent-Wevelgem.

Pode ver aqui a classificação completa da 81ª edição da Gent-Wevelgem neste link, via ProCyclingStats.

Na corrida feminina, a holandesa Kirsten Wild (WNT-Rotor Pro Cycling) está a mostrar-se imbatível neste terreno, vencendo novamente, depois de ter conquistado a Driedaagse Brugge-De Panne. A portuguesa Daniela Reis (Doltcini-Van Eyck Sport) continua a fazer uma boa campanha de clássicas, terminando na 44ª posição, integrada no pelotão (resultados completos neste link).
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30 de março de 2019

Froome, o "super gregário" de Bernal, a precisar de resultados

(Fotografia: Twitter Chris Froome)
O estatuto de Chris Froome está a alterar-se dentro da Sky, Ineos a partir de 1 de Maio. O britânico está a fazer um dos piores arranques de temporada da sua carreira, mas mostrou que pode ser um bom gregário... depois das corridas. A brincadeira de dar boleia a Egan Bernal é provavelmente o momento de que mais se falou de Froome em 2019. O apuramento da forma não está fácil e talvez por isso o ciclista pondera acrescentar mais uma corrida ao seu calendário.

Começando pelo momento de descontracção e que arranca sempre uns sorrisos ao ver-se as fotografias, Froome e Bernal foram notícia, não por uma aliança na Volta a Catalunha, mas porque o britânico foi um bom companheiro. Na etapa de sexta-feira, o colombiano teve um problema mecânico na bicicleta nos últimos metros e até cortou a meta a pé. Faltava a caminhada até ao autocarro, mas eis que aparece Froome para dar uma boleia. O britânico "ofereceu" o seu guiador a Bernal. Ou seja, o colombiano foi ali sentado.

"Isto é o que se chama um super gregário", escreveu Froome no Twitter. A equipa também recorreu às redes sociais para brincar com a situação. "Não se preocupem, Bernal teve uma boleia para o autocarro", lê-se. E toda a ajuda era bem-vinda, já que o colombiano tem de poupar força para a decisiva etapa de domingo, já que está a 17 segundos do líder da Volta a Catalunha, o compatriota Miguel Ángel López (Astana), isto depois de ter ganho o Paris-Nice.

Quanto a Froome a nível competitivo, chegou à corrida espanhola com o objectivo de testar a sua forma, adoptando o discurso que iria ajudar Bernal. Caiu na segunda etapa e ficou numa situação que há muito não se via. A Sky não se preocupou em ajudar o britânico, concentrando-se em Bernal, o número um da equipa na Catalunha. Froome reiterou que iria ajudar o companheiro depois de perder mais de 14 minutos, mas pouco se tem visto do britânico.

Já na Volta à Colômbia, Froome esteve longe de ser um candidato seja ao que fosse e, apesar do seu objectivo ser a Volta a França, estando muito a tempo de melhorar, pondera acrescentar a Volta ao Alpes (de 22 a 26 de Abril) ao seu calendário, antes de ir até Yorkshire (de 2 a 5 de Maio). Esta corrida deverá marcar a estreia da equipa como Ineos.

Aos 33 anos, Froome vê a sua liderança cada vez mais ameaçada. Já não é só por Geraint Thomas, mas o aparecimento da nova geração, principalmente de Bernal, deixa o britânico a precisar de um bom resultado, por mais que não seja para se libertar de alguma pressão. Thomas também quer o Tour, o que se percebe já que o venceu em 2018. E não se apresenta disposto em ceder para deixar caminho livre para Froome igualar o recorde histórico de cinco conquistas na Volta a França.

Bernal vai ao Giro e a expectativa é enorme. Independentemente do resultado do colombiano, não restam dúvidas que se está perante um excelente voltista que tem tudo para, em pouco tempo, ser o número da equipa. A renovação de contrato, no ano passado, até 2023 comprova que é essa a intenção dos responsáveis.

Não é atípico Froome começar "devagar" a temporada e com poucas corridas. Tem sido uma tendência em anos recentes. Porém, quando aparecia, por norma acabava por alcançar algum resultado relevante. De Froome fala-se pouco neste 2019, com Thomas também a andar mais "escondido". É Bernal a estrela e cada vez mais a figura da Sky.

Froome vai vendo o seu tempo de líder indiscutível chegar ao fim e já está também a ver como vai ser substituído. Não tem nada a provar, mas se quiser continuar ainda mais algumas temporadas com algum tipo de objectivo importante, começa a ficar claro que não pode falhar em 2019, mesmo que tenha de combater a concorrência interna no Tour por parte de Thomas.

Bernal, para já, mantém-se noutro caminho que, inevitavelmente acabará por cruzar-se com o de Froome, numa mais que esperada passagem de testemunho.

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29 de março de 2019

Valverde marca despedida. Mas não é preciso entrar já em modo saudosista

(Fotografia: © Bettiniphoto.net/Movistar Team)
O inevitável está a chegar para Alejandro Valverde. O espanhol anunciou quando pensa retirar-se. É um "em princípio", mas o discurso do espanhol demonstra como até já vai pensando no que fará quando deixar o ciclismo, como atleta. Contudo, não é preciso entrar já em modo saudosista, pois ainda haverá muitas corridas com o ciclista, muitas vitórias por conquistar, com os Jogos Olímpicos a ser um dos principais objectivos (provavelmente o principal) nesta recta final da sua carreira.

Portanto, teremos Valverde até 2021. Já era conhecida a vontade de seguir até pelo menos 2020, para marcar presença nos Jogos Olímpicos de Tóquio, mas o ciclista pretende continuar por mais um ano, talvez para competir como campeão olímpico... Com a conquista de um título mundial que parecia não querer nada com ele - seis pódios e nenhum primeiro lugar até 2018 -, houve a tentação de se pensar que o espanhol poderia terminar a carreira este ano, despedindo-se como campeão do mundo. No entanto, Valverde sente-se demasiado bem para deixar tão cedo. Está perto dos 39 anos (celebra-os a 25 de Abril), mas quer a continuar a disputar as corridas com ciclistas que estão nos seus vintes, mostrando como a idade é um número que afinal pode demorar mais tempo do que se pensava a ter o seu peso.

Apesar de esta época estar num ritmo bem diferente quanto a vitórias, Valverde garante não sente uma baixa de forma. Apenas venceu uma etapa nos Emirados Árabes Unidos, algo que contrasta e muito com anos recentes. Em 2018, por exemplo, no final de Março somava nove triunfos. Já segundos lugares são seis. "Estar desde os 23 anos até aos 39 ao máximo nível é muito complicado", salientou ao El Periódico. Referiu ainda que se não estivesse bem, não estaria a lutar por vitórias, mesmo admitindo que a nova geração "aperta muito".

Valverde esteve doente após a Volta aos Emirados Árabes Unidos, com uma febre a obrigá-lo a mudar um pouco o seu calendário, falhando a Strade Bianche. Na Volta à Catalunha, que se está a disputar, tem estado longe do seu melhor, mas não daremos Valverde como um ciclista em fase descendente, mesmo que até diga que está a sentir os efeitos da chamada "maldição do arco-íris", ou seja, quem veste a camisola de campeão do mundo tem dificuldades em ganhar.

Não deverá ser preciso ir à bruxa, pois Valverde apenas sofre do que acontece com qualquer ciclista que vence muito: há momentos de quebra, seja pela idade, ou simplesmente porque o pelotão está recheado de corredores de talento e igualmente fortes. E é por isso que não vale a pena falar já de Valverde no passado, só porque marcou a despedida ou porque está numa fase menos ganhadora. As duas épocas e meia que teremos de Valverde, não serão certamente para andar a passear nas corridas. Será um quarentão à procura de sair em grande, a querer deixar uma última marca que o cimentará ainda mais na história do ciclismo.

Em Espanha vai passando aos poucos o pânico de não existirem sucessores para Valverde, Alberto Contador ou Joaquim Rodríguez. Eles existem, mas ainda estão no processo de amadurecimento. Se vai haver um novo Valverde? Não. Tal como nunca houve, nem haverá um novo Eddy Merkcx na Bélgica (quantas ciclistas já foram apelidados do novo Merckx?). Não haverá um novo Valverde porque este corredor é único, como todos os grandes o são. São mais de 100 vitórias, com quatro Liège-Bastogne-Liège, cinco Flèche Wallonne, uma Volta a Espanha, pódio no Tour e Giro e claro, aquele Mundial que tanto lhe custou a conquistar. 

Haverá tempo para recordar a carreira de Valverde, mas, para já, há que continuar a escrever os seus feitos, pois estranho seria se ficasse por aqui quanto a vitórias. Depois, lá para 2021, Valverde dirá adeus... talvez: "Em princípio, em 2021, retiro-me. Algum ano tinha de ser. Farei mais uma temporada após os Jogos Olímpicos de Tóquio. Creio que assim estará bem", afirmou. O pós-ciclismo deverá passar pela continuidade na modalidade, ou na equipa de jovens que criou ou então num papel dentro de uma estrutura cuja história recente se confunde com a de Valverde, pois desde 2005 que é leal ao director Eusebio Unzué na actual Movistar.

Começou em 2002 na Kelme, pelo que serão quase 21 anos de carreira se se retirar em 2021. Quase porque em 2011 esteve afastado devido à suspensão após o envolvimento no caso conhecido como Operação Puerto, com os resultados de 2010 a serem anulados.

No imediato, a sua história passará pela Volta a Flandres, onde fará a sua estreia e aposta em chegar e vencer, antes de regressar às suas queridas Ardenas. Depois regressará ao Giro e apostará na Vuelta. E ainda teremos 2020 e 2021. Então sim, ficar-se-á com saudades.

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28 de março de 2019

Rui Costa está bem após acidente e a pensar no próximo objectivo

(Fotografia: © BettiniPhoto/UAE Team Emirates)
Vida difícil para os ciclistas portugueses. Depois de Domingos Gonçalves ter sofrido uma queda na Volta à Catalunha, fracturando a clavícula e omoplata, foi Rui Costa quem apanhou um valente susto. O ciclista da UAE Team Emirates chocou contra um camião durante um treino, em Braga, e foi transportado para o hospital. Tanto a equipa como o corredor já informaram que está tudo bem e depois de algum descanso, será altura de começar a concentrar-se no próximo objectivo.

O campeão do mundo de 2013 está a realizar uma temporada muito positiva, tendo recentemente terminado no 10º lugar do Tirreno-Adriatico, depois de ter começado a época com essa posição na Volta à Comunidade Valenciana, um quarto posto na Volta a Omã e um 17º na dos Emirados Árabes Unidos. Só a presença na Strade Bianche não correu tão bem, tendo abandonado.

O ciclista chocou contra a parte lateral de um camião, não havendo mais informação sobre o acidente. Nas redes sociais, Rui Costa escreveu que "foi só chapa", com os exames a mostrarem que não sofreu qualquer fractura. Disse ainda que apenas precisa de descansar e que voltará mais forte. A equipa garantiu que o ciclista estará pronto para as corridas em que aponta sempre procurar bons resultados: a semana das Ardenas.

A Amstel Gold Race realiza-se a 21 de Abril, a Flèche Wallonne a 24 e o monumento Liège-Bastogne-Liège a 28. Esta última corrida é uma das preferidas do português e em 2016 foi terceiro.



As boas notícias sobre o estado de saúde de Rui Costa terão deixado os responsáveis da equipa aliviados. Com a confirmação que Fabio Aru vai estar fora de combate durante algum tempo, falhando inclusivamente a Volta a Itália, o ciclista português, de 32 anos, ganha novo fôlego no destaque dentro da equipa. Ainda sem grandes voltas anunciadas para o seu calendário, fica a questão se não poderá ser aposta para o Giro, dada a ausência forçada de Aru.

Daniel Martin tem o Tour na mira e o poveiro gostaria de regressar a essa grande volta, a que mais aprecia. Conta com três vitórias de etapas, todas na sua passagem pela Movistar. Em 2018, Rui Costa não esteve em nenhuma das provas de três semanas, falhando a Volta a França devido a uma lesão no joelho que o limitou durante grande parte da época, resultado de uma queda no Paris-Nice.

Em 2017, Rui Costa estreou-se na Volta a Itália, numa corrida algo agridoce. Fez três segundos lugares em etapas, terminando na 27ª posição na geral. Para já, a UAE Team Emirates tem publicamente escalado para a competição italiana (de 11 de Maio a 2 de Junho) os sprinters Fernando Gaviria e Juan Sebastián Molano e o italiano todo-o-terreno Diego Ulissi.


Aru saiu da lista. Incapaz de atingir o seu melhor nível, que o levou a vencer a Vuelta em 2015, ano em que foi segundo no Giro, o ciclista soube agora que sofre de uma obstrução na artéria ilíaca na perna esquerda, o que lhe impede a correcta circulação do sangue. Uma intervenção cirúrgica é a escolha para tratar do problema. Segundo o médico da equipa, Jeroen Swart, o corredor terá de ficar em repouso durante um mês, regressando depois progressivamente aos treinos. A competição poderá fazer parte do seu programa talvez dentro de três a quatro meses.

"Esta condição relativamente rara é detectada em ciclistas profissionais dada a posição adoptada nas bicicletas, que assim pode desenvolver-se progressivamente ao longo de um período de vários anos", explicou. Joe Dombrowski (EF Education First) e a bicampeã do mundo de contra-relógio Annemiek van Vleuten (Mitchelton-Scott) são dois exemplos recentes de ciclistas que sofreram do mesmo problema.

»»Movistar com quase toda a equipa em final de contrato««

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Atirou bicicleta de outra ciclista para longe. A resposta: "Pelo menos atira na minha direcção!"

(Imagem: print screen)
A Driedaagse Brugge-De Panne (ou Três Dias de De Panne, versão um dia) volta a ter um vídeo em destaque que não é o sprint final. Um dia depois de na corrida masculina ter havido um excelente exemplo de companheirismo, na feminina houve um exemplo de exactamente o contrário. Foi "no calor do momento", justificou Elisa Longo Borghini, mas atirar a bicicleta de outra ciclista para longe após uma queda não foi um gesto nada bonito. A resposta não se fez esperar.

A italiana da Trek-Segafredo caiu juntamente com Lizzy Banks (Bigla Pro Cycling). As bicicletas ficaram entrelaçadas e Borghini teve dificuldade em separá-las. Banks estava uns metros mais atrás, ainda a tentar recuperar. Borghini lá conseguiu o que pretendia e foi a bicicleta da ciclista da outra equipa que saiu primeiro e a opção da italiana foi atirá-la para fora da estrada, longe de onde estava Banks. "Pelo menos atira a bicicleta na minha direcção, eh", escreveu a britânica no Twitter, explicando que regressou à corrida na sua bicicleta suplente, mas acabou por abandonar dada a incapacidade de reentrar no grupo da frente.

Borghini, uma das melhores ciclistas do pelotão feminino, também recorreu ao Twitter para admitir o erro. "Peço desculpa pelo atirar da bicicleta. Foi feito no calor do momento e eu estava muito frustrada porque as bicicletas não se desemaranhavam. Foi inaceitável e eu sinto mesmo muito. As minhas desculpas à Bigla Pro Cycling. Eu nunca intencionalmente causaria danos em alguém ou na sua propriedade", escreveu.


A italiana terminou a corrida na 82ª posição, a 23 segundos da vencedora Kirsten Wild (WNT-Rotor Pro Cycling). De referir que a portuguesa Daniela Reis (Doltcini-Van Eyck Sport) foi 43ª, a oito segundos.

Borghini talvez consiga entrar na lista dos melhores "lançamentos de bicicleta" e perante o que a italiana fez, torna-se irresistível recordar um dos mais memoráveis. É que se tentasse fazer de propósito, Bradley Wiggins, recuando a 2013 ao Giro del Trentino, nunca teria conseguido fazer isto...




»»O gesto de companheirismo no meio do caos««

»»Mais um incidente depois da meta a provocar a queda de ciclistas««

27 de março de 2019

O gesto de companheirismo no meio do caos

(Imagem: print screen)
Dia de vídeos no ciclismo. Ainda estamos a tentar recuperar o fôlego depois de ver Niccolo Bonifazio (Direct Energie) descer a mais de 85 quilómetros/hora na Milano-Sanremo, mas esta quarta-feira mais dois vídeos estão a chamar muita atenção. Um mais do que outro, mas vamos começar pelas imagens que demonstram o que de bom pode ter o ser humano, antes de se falar de um acto de insensibilidade total.

Na Driedaagse Brugge-De Panne (conhecida por Três Dias de De Panne, mas que agora é só um dia) um estreitamento de estrada provocou o caos a pouco mais de dez quilómetros para a meta. Vários ciclistas foram ao chão, até se vê uma bicicleta a voar. Entre a confusão, Pascal Ackermann (Bora-Hansgrohe) chamou a atenção por ser um dos afectados, já que era uma dos candidatos à vitória. Vê-se o alemão a tentar levantar-se, enquanto por baixo dele estava outro ciclista, da Israel Cycling Academy. E uma bicicleta no meio de ambos.

Não há aqui qualquer crítica a Ackermann. Já se sabe que quando um ciclista cai, normalmente a primeira coisa que pensa é em seguir caminho o mais rapidamente possível. Há que destacar o que se vê pouco depois. Enquanto o alemão tenta regressar à corrida, um corredor da Mitchelton-Scott encosta a sua bicicleta e vai ajudar o homem da Israel Cycling Academy. É que além de Ackermann, tinha então uma bicicleta em cima do seu corpo. O atleta da equipa australiana não só tira a bicicleta, como dirigi-se ao companheiro de profissão.

Nas imagens só se voltou a ver o ciclista da formação israelita já levantado. A equipa e o corredor que estava no chão ajudaram a perceber o que aconteceu, aproveitando no Twitter para agradecer o gesto de Michael Hepburn, o ciclista da Michelton-Scott. Zak Dempster, o corredor da Israel Cycling Academy, tem em comum com o seu "salvador" ser australiano... e tê-lo como amigo.

"Heppy é um dos meus bons amigos e eu estava como que um pouco estranhamente preso debaixo da minha bicicleta e sem fôlego. Eu só o ouvi perguntar 'estás bem' e depois começou a tirar as bicicletas de cima de mim. Foi muito simpático por parte do Michael e é por isso que é dos meus melhores companheiros", afirmou um agradecido Dempster.

No Twitter, a Israel Cycling Academy partilhou o vídeo, agradecendo o gesto e afirmando que não ficou surpreendida. Aqui ficam as imagens.


De referir que esta Driedaagse Brugge-De Panne teve outra imagem que vale a pena ver, que é Dylan Groenewegen (Jumbo-Visma) a ganhar ao sprint com tanta autoridade que parecia que Fernando Gaviria (UAE Team Emirates) ia devagar!

Quanto ao outro vídeo, esse tornou-se mais viral e envolve o português Domingos Gonçalves. O ciclista da Caja Rural sofreu uma aparatosa queda na primeira etapa da Volta à Catalunha e um homem que assistia à descida filmou o incidente. Até aqui tudo bem. O que está a provocar muito desagrado é a reacção: riu-se e até brincou que lhe ia roubar a bicicleta.

Domingos Gonçalves partiu a clavícula e a omoplata. Poucas razões para sequer sorrir, certamente. A reacção do homem está a sofrer fortes críticas nas redes sociais e nos sites espanhóis que noticiaram esta atitude insensível para com o ciclista que ainda se ouve a gemer com as dores que as lesões lhe estavam a provocar.

Mas para terminar antes com um exemplo do que de bom esta modalidade tem - o espectáculo desportivo que pode proporcionar -, aqui fica a alucinante descida de Bonifazio na Milano-Sanremo de sábado.


»»Milano-Sanremo o monumento dos sprinters? A tradição já não é o que era««


»»Movistar com quase toda a equipa em final de contrato««

26 de março de 2019

Movistar com quase toda a equipa em final de contrato

(Fotografia: © Movistar Team)
Com a situação da Sky resolvida, não haverá um mercado de transferências louco como se antecipava, caso a equipa britânica não encontrasse um novo patrocinador. A Ineos resolveu essa situação, o que não significa que não haja muitos e bons ciclistas no último ano de contrato. Ainda falta para que se possa começar a oficializar transferências - 1 de Agosto -, mas os movimentos de bastidores já vão acontecendo, como por exemplo com Vincenzo Nibali. Porém, da lista, destaca-se a Movistar. Não só tem os seus três líderes livres para negociarem o futuro, como praticamente toda a equipa está nessa situação. É mais fácil dizer que apenas dois ciclistas têm vínculo além deste ano. Entre os portugueses no World Tour, cinco procuram definir a próxima época.

Nelson Oliveira é um deles. O ciclista da Movistar consagrou-se como um homem importante na estrutura da equipa, apesar de nas últimas temporadas o Paris-Roubaix teimar em estragar-lhe parte da época. Este ano deverá ficar afastado da corrida francesa para assim tentar regressar ao Tour, por exemplo. Os tais dois corredores que estão descansados quanto ao futuro são os espanhóis Marc Soler (até 2021) e Carlos Verona (até 2020).

Ciclistas como Imanol Erviti e José Joaquín Rojas fazem parte da espinha dorsal da estrutura de Eusebio Unzué, com Alejandro Valverde à cabeça. Aos 38 anos, a um mês de completar 39, o campeão do mundo não dá mostras de se querer reformar sem pelo menos ir aos Jogos Olímpicos de Tóquio no próximo ano. É o título que lhe falta. Só não fica na Movistar se não quiser. Já os outros dois ciclistas do famoso "tridente", como lhe chamam, estão longe de ter continuidade garantida.

Nairo Quintana conseguiu encontrar uma harmonia em ter de partilhar a liderança com Valverde, principalmente quando o espanhol tirou o Tour dos seus objectivos. Porém, entrou Mikel Landa e o colombiano não faz segredo que prefere ser o único líder. Os últimos dois anos não foram fáceis na Movistar e uma saída já é um assunto a ser falado há alguns meses. O colombiano mantém-se em silêncio, concentrando-se apenas em estar em condições de disputar a Volta a França.

Se sair não será uma surpresa, mas também poderá esperar para perceber a posição de Landa. O espanhol, o antigo amor de Eusebio Unzué que o trouxe finalmente para a equipa há um ano, não deu garantias de renovação. Não tem sido feliz na Movistar, marcado também por quedas e já se percebeu que não tem problemas em saltar de equipa em equipa. Após o fim da Euskaltel-Euskadi, foram dois anos na Astana, outros tantos na Sky e agora vai no segundo da Movistar.

Soler é visto como o próximo líder, assim como Richard Carapaz, o equatoriano a quem não deve faltar interessados, mas a Movistar não deverá querer perder um ciclista com tanto potencial. Já Carlos Betancur (29 anos) ou alcança algo de extraordinário, ou poderá ficar sem mais oportunidades. Winner Anacona (30) e Andrey Amador (32) são mais dois corredores essenciais na estrutura da formação espanhola. Mas será que se sentirão tentados a procurar uma possibilidade de liderança que pouco têm na Movistar?

A equipa que mais se aproxima da espanhola em termos de ciclistas de final de contrato é a super ganhadora de 2019 Astana. Dos nomes destacam-se Jakob Fuglsang, Luís Leon Sánchez, Omar Fraile e Pello Bilbao. Apesar de não serem dos mais novos do pelotão, são todos ciclistas que ficam bem em qualquer equipa. Há ainda Jan Hirt, o checo que muito se mostrou na CCC, mas que ainda não assumiu um maior protagonismo na Astana. Ainda vai a tempo!

Olhando para a lista, percebe-se como se há alguém a querer fazer uma equipa nova do World Tour, então, com um orçamento bem simpático (muito mesmo) poderá ter um plantel sensacional. Só na Deceuninck-QuickStep pode tentar seduzir o homem do momento Julian Alaphilippe, Philippe Gilbert, Elia Viviani e Zdenek Stybar. Há ainda um dos ciclistas que está no topo das preferências para muitos: Enric Mas. Talvez o espanhol seja um que possa mesmo sair, já que a equipa não tem uma estrutura forte para as grandes voltas. Contudo, o director Patrick Levefere prometeu mudar isso se Mas renovar. Quanto aos outros ciclistas é melhor lembrarem-se: quem sai da formação belga tende a ter dificuldades em encontrar o caminho das vitórias...

A Bora-Hansgrohe poderá não segurar o sprinter Sam Bennett, já que o está a excluir das grandes voltas, algo que o irlandês não gosta. E porque não juntá-lo a Sonny Colbrelli da Bahrain-Merida? Claro que desta equipa o destaque vai para Vincenzo Nibali, um alegado desejo da Trek-Segafredo para 2020. Domenico Pozzovivo e Matej Mohoric são mais dois ciclistas em final de contrato.

Em circunstâncias normais, Marcel Kittel seria o corredor mais pretendido. Porém, se os resultados não começarem a aparecer, o futuro do alemão da Katusha-Alpecin apresenta-se como incógnita, até porque é dos mais bem pagos do pelotão. Na equipa de José Azevedo, o outro líder também está nos últimos meses do seu vínculo. Ilnur Zakarin demora em confirmar as expectativas. O Giro poderá ser importante para definir um novo contrato.

Daniel Martin e Alexander Kristoff (UAE Team Emirates), John Degenkolb (Trek-Segafredo), Michael Matthews (Sunweb), Wout Poels (Sky), Johan Esteban Chaves e Matteo Trentin (Mitchelton-Scott), Tiesj Benoot (Lotto Soudal) e George Bennett (Jumbo-Visma) são mais alguns dos muitos ciclistas à espera de um novo contrato. E uma das grandes dúvidas chama-se Mark Cavendish. A Dimension Data não deixou cair o sprinter que deu muita notoriedade à equipa quando esta subiu ao escalão World Tour e renovou o seu contrato por mais um ano. No entanto, o britânico demora em aparecer numa forma que justifique a aposta e o ordenado, muito devido ao problema de saúde (vírus Epstein-Barr).

Quanto aos portugueses, Rui Costa (UAE Team Emirates) volta a entrar na lista já que no final de 2018 só recebeu uma proposta de renovação por uma temporada. José Gonçalves (Katusha-Alpecin) está nos últimos meses dos dois anos de contrato, contudo, dá indicações de cada vez mais ser um homem com quem José Azevedo conta. O companheiro, Ruben Guerreiro, foi contratado por esta equipa para 2019, mas tem estado a bom nível. Amaro Antunes (CCC) fará tudo para agarrar o lugar que ganhou no World Tour. Um bom Giro poderá ser decisivo para uma renovação.

25 de março de 2019

"Se esperava ganhar já uma corrida? Não"

Há pouco mais de um ano, João Rodrigues era um jovem muito feliz no pódio da Volta ao Algarve, ao vestir a camisola da montanha após a primeira etapa. Estava a competir em casa, pelo que o momento teve um lado ainda mais emocional. Foi apenas um dia, mas foi o primeiro sinal que este era um ciclista que estava a num excelente processo de evolução e que comprovou durante toda a época. Agora foi até ao Alentejo vestir uma camisola amarela como o vencedor de uma corrida: "Se esperava ganhar já uma corrida? Não."

João Rodrigues nem hesitou na resposta, mas também não hesitou em acrescentar: "O que é certo é que tenho vindo a trabalhar muito bem, com a ajuda dos meus colegas, do meu preparador, do meu director desportivo. Neste início de época tinha o objectivo de entrar bem na Volta ao Algarve e consegui um top dez com os melhores do mundo, o que foi bastante motivante." Foi nono na Algarvia e na Clássica da Arrábida foi novamente aposta, com Raúl Alarcón (que esta segunda-feira celebrou 33 anos) sempre próximo. Aliás está a ser assim este início de temporada. Alarcón e Rodrigues numa dupla que na Volta a Portugal demonstrou poder ser de muito respeito e que está a ganhar força em 2019.

Mas estaremos perante uma sucessão nas próximas épocas? "Não sou um sucessor do Alarcón. Isso é quase impossível. Ele é um atleta impressionante. O ciclismo em Portugal é pequeno para ele. Merecia estar numa equipa World Tour, sem dúvida. Ele é impressionante", salientou ao Volta ao Ciclismo. Porém, fica claro como o jovem de 24 anos tem um papel de maior destaque dentro da equipa em 2019 e está a agarrar a oportunidade.  Ainda assim, afirmou como não terá maior responsabilidade, nem depois de vencer a Volta ao Alentejo, pois considera que só vestir o equipamento que enverga já traz toda a responsabilidade: "Só por representar esta equipa temos um peso grande. Esta camisola pesa muito."

Desde 2016 na equipa liderada por Nuno Ribeiro depois da estreia como profissional no Tavira em 2013, João Rodrigues recordou a sua evolução na W52-FC Porto: "Para alguns andei um pouco escondido no início de carreira, mas de ano para ano tenho vindo sempre a evoluir. No primeiro ano só trabalhava para a equipa. No segundo comecei discutir camisolas das metas volantes, autarquias, classificações secundárias, o que me motivava. Eu sempre quis ser um atleta ganhador e viram que eu tinha essa capacidade. De ano para ano tenho vindo a evoluir e chegou o meu momento."

"Não me sinto superior a nenhum [ciclista] na equipa, nem me sinto um chefe-de-fila. Longe disso! Sou mais um na equipa, para ajudar no que for preciso"

E chegou na Volta ao Alentejo, corrida de categoria internacional e das mais importantes em Portugal. Rodrigues podia até não esperar ganhar já a prova, mas não escondeu que pensou que o contra-relógio lhe assentava bem e foi naqueles 8,4 quilómetros de Castelo de Vide que foi buscar por três segundos a camisola amarela que estava com o vencedor de 2018, Luís Mendonça (Rádio Popular-Boavista). E mais, foi mesmo ganhar a etapa, a sua primeira vitória como profissional. Quem diria, já que o esforço individual nunca foi o seu forte, o que o levou a trabalhar intensamente a vertente. Os primeiros sinais de melhoria foram dados em 2018. Em 2019, foi decisivo. "Não esperava de todo que a minha primeira vitória fosse num contra-relógio. É uma disciplina que tinha de melhorar e tenho trabalhado bastante. Para vencer uma corrida por etapas não é só ser bom na montanha ou ser um bom descedor. Tem que se fazer um bom contra-relógio. O trabalho está a dar frutos", referiu.

Apesar de estar a ser um ciclista em destaque, com papel de liderança e inclusivamente ter um Raúl Alarcón, duas vezes vencedor da Volta a Portugal, a ser o seu escudeiro, não há nada - nem a vitória na Alentejana - que faça Rodrigues sentir-se num pedestal. "Nas últimas corridas tenho sido um corredor mais protegido, é verdade. Mas não me sinto superior a nenhum [ciclista] na equipa, nem me sinto um chefe-de-fila. Longe disso! Sou mais um na equipa, para ajudar no que for preciso. Todos temos oportunidades, todos temos muita qualidade. Eu sou só mais um para ajudar a equipa a alcançar os objectivos", afirmou.

O primeiro foi alcançado, com a W52-FC Porto a estrear-se a vencer como formação Profissional Continental. Um pouco de história que ficará com o nome de João Rodrigues gravada e que deixa o algarvio feliz. Mas o pensamento já está no próximo objectivo. "Não vou parar porque quero aproveitar este momento de forma. Vou agora fazer um estágio em altitude para preparar a Volta à Turquia [de 16 a 21 de Abril], uma corrida World Tour. Quem sabe se é a única corrida World Tour que faço na minha carreira e quero aproveitar para estar no melhor nível e testar-me frente aos melhores mais uma vez", realçou.

João Rodrigues quer concentrar-se no presente e na W52-FC Porto, mas apesar da declaração de poder ser "única corrida World Tour" que fará, não significa que não tenha a ambição de ir mais longe no ciclismo mundial. "Eu sonho em ir para uma equipa World Tour, claro! Mas tudo a seu tempo. Agora vou desfrutar desta vitória e trabalhar para ter mais momentos como este." 

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»»"No ciclismo nunca se sabe quando será a última oportunidade"««

24 de março de 2019

João Rodrigues, o próximo líder da W52-FC Porto?

De forma calma e minuciosa João Rodrigues tem sido preparado para um lugar de destaque. Com apenas 18 anos chegou a uma equipa profissional, pela mão do Tavira, e aos 21 estreou-se na Volta a Portugal. Na W52-FC Porto não passou despercebido o potencial deste jovem algarvio e foi contratado em 2016. Começou discreto e de ano para ano ia tendo uma ou outra oportunidade. Evoluiu na montanha e em 2018 ficou claro como o contra-relógio se tinha tornado em algo essencial no seu treino. Rodrigues tomou de assalto uma Volta a Portugal ganha por Raúl Alarcón, mas que foi inevitável falar do excelente trabalho que este ciclista tinha. De revelação a confirmação. Rodrigues já não está mais preso apenas a trabalho de gregário. É mais uma aposta que, aos 24 anos, já tem uma Volta ao Alentejo no currículo. Será ele o sucessor de Alarcón?

Com o espanhol a ter o estatuto de líder para a Volta a Portugal, esta equipa tem como génese não apostar apenas num ciclista durante toda a temporada. Praticamente todos têm a sua oportunidade. Em 2019, João Rodrigues entrou nesse lote e não é por acaso. A W52-FC Porto tem vindo a prepará-lo para assumir cada vez mais responsabilidade sem, no entanto, colocar demasiada pressão. Mesmo nesta Volta ao Alentejo, Alarcón estava ali, preparado para disputar a vitória e fechou em terceiro. Mas o contra-relógio ditou Rodrigues como líder e, nas suas próprias palavras, a equipa fez uma bolha à sua volta na derradeira etapa, para o fazer chegar a Évora de amarelo em segurança.

Em Castelo de Vide ganhou então o contra-relógio, a sua primeira vitória como profissional. Em Évora, este domingo, conquistou a sua primeira corrida por etapas. E para continuar nas estreias, é a primeira vez que o FC Porto ganha a Alentejana e foram as primeiras vitórias da W52-FC Porto como Profissional Continental.

A entrada de João Rodrigues para a W52-FC Porto em 2016 pode tê-lo privado de participar em mais corridas. O próprio salientou isso numa entrevista, no ano passado, ao Volta ao Ciclismo. Porém, teve como benéfico a maturidade que rapidamente começou a ganhar. Em duas épocas na estrutura do Sobrado percebeu-se que o algarvio tinha tomado uma decisão correcta e que a sua evolução estava a transformá-lo num corredor muito interessante. Rodrigues destacou precisamente a importância da maturidade que ia ganhando dentro de uma equipa como a W52-FC Porto. 2018 foi o ano da afirmação, 2019 o início de um caminho que o pode levar muito mais longe.

É um ciclista calmo, modesto, sempre a falar no colectivo e não no individual. Mesmo após vencer a Volta ao Alentejo, foi para os colegas que dirigiu as primeiras palavras. A "bolha", como lhe chamou, em que o envolveram nos últimos 152 quilómetros da Alentejana, deixou Rodrigues de lágrimas nos olhos. Bem tentou esconder a emoção, mas era impossível.

Bom rolador, evoluiu na montanha e a Volta a Portugal acaba sempre por ser o maior exemplo disso mesmo, ele que regressou no ano passado a esta corrida depois da estreia em 2015. O contra-relógio era o seu calcanhar de Aquiles até 2018. Quase ganhou a etapa final da Volta em Fafe e quis o destino que fosse nesta vertente, que tanto vai melhorando, que celebrasse pela primeira vez como profissional. Trabalha todos os pormenores rumo a tornar-se um ciclista mais completo e não demorará muito a começar a assumir uma voz de comando. É para isso que está a ser preparado.

A W52-FC Porto vive o presente com Raúl Alarcón, que sucedeu a Gustavo Veloso, com Rui Vinhas a ter tido o seu momento, algo inesperado, é certo, mas que não desperdiçou. João Rodrigues está a demonstrar um perfil de líder em construção.

A questão poderá mais ser se permanecerá na equipa o tempo suficiente para assumir esse destaque, pois Rodrigues não passará despercebido a formações de outro nível. Se ficar, tem tudo para ser o sucessor de Alarcón numa W52-FC Porto que agora também pensa mais a nível internacional - vai estar na Volta a Turquia, entre 16 e 21 de Abril -, mas quando chegar a Agosto, o domínio da Volta é o objectivo principal. Para já, o estatuto do espanhol está intocável, mas aos 33 anos, é natural que seja necessário ter preparado o próximo líder e assim manter esta estrutura num ritmo de sucesso que deixa todas as restantes equipas portuguesas a tentar aproximar-se do seu nível.

João Rodrigues fechou a 37ª edição da Volta ao Alentejo com menos três segundos que Luís Mendonça. Agora na Rádio Popular-Boavista, foi uma subida ao pódio agridoce do vencedor da Alentejana em 2018. Contudo, para quem cerca de uma semana antes da corrida foi operado à mão, ainda a tentar recuperar da lesão contraída na queda na primeira etapa da Volta ao Algarve, Mendonça conseguiu ser novamente muito competitivo, ficando também perto de vencer etapas.

Alarcón foi terceiro a quatro segundos, com a W52-FC Porto a vencer por equipas. A Team Wiggins gosta de visitar Portugal e além de ganhar uma etapa por Gabriel Cullaigh, James Fouché ficou com a classificação da montanha. O norueguês da Uno-X, Tobias Foss ganhou a classificação da juventude e Enrique Sanz (Euskadi-Murias) conquistou em Évora a sua terceira vitória em seis etapas.

A próxima paragem no calendário nacional é o Grande Prémio Internacional Beiras e Serra da Estrela, de 12 a 14 de Abril.

Volta ao Alentejo, etapas e camisolas

1ª etapa: Montemor-o-Novo - Moura (208,1 quilómetros)
Vencedor: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Líder da geral: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Montanha: Antonio Jesus Soto (Fundación Euskadi)
Pontos: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Juventude: Sergio Higuita (Fundación Euskadi)
Equipas: Euskadi-Murias

2ª etapa: Mértola - Odemira (182,8 quilómetros)
Vencedor: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Líder da geral: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Montanha: Antonio Jesus Soto (Fundación Euskadi)
Pontos: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Juventude: Sergio Higuita (Fundación Euskadi)
Equipas: Euskadi-Murias

3ª etapa: Santiago do Cacém - Mora (176,5 quilómetros)
Vencedor: Gabriel Cullaigh (Team Wiggins-Le Col)
Líder da geral: Gabriel Cullaigh (Team Wiggins-Le Col)
Montanha: James Fouché (Team Wiggins-Le Col)
Pontos: Gabriel Cullaigh (Team Wiggins-Le Col)
Juventude: Rhys Britton (Selecção sub-23 britânica)
Equipas: Euskadi-Murias

4ª etapa: Ponte de Sor - Portalegre (74,3 quilómetros)*
Vencedor: Sergio Higuita (Fundación Euskadi)
Líder da geral: Luís Mendonça (Rádio Popular-Boavista)
Montanha: James Fouché (Team Wiggins-Le Col)
Pontos: Luís Mendonça (Rádio Popular-Boavista)
Juventude: Tobias Foss (Uno-X)
Equipas: W52-FC Porto

5ª etapa (contra-relógio): Castelo de Vide - Castelo de Vide (8,4 quilómetros)*
Vencedor: João Rodrigues (W52-FC Porto)
Líder da geral: João Rodrigues (W52-FC Porto)
Montanha: James Fouché (Team Wiggins-Le Col)
Pontos: Luís Mendonça (Rádio Popular-Boavista)
Juventude: Tobias Foss (Uno-X)
Equipas: W52-FC Porto

6ª etapa: Portalegre-Évora (152 quilómetros)
Vencedor: Enrique Sanz (Euskadi-Murias)
Líder da geral: João Rodrigues (W52-FC Porto)
Montanha: James Fouché (Team Wiggins-Le Col)
Pontos: Luís Mendonça (Rádio Popular-Boavista)
Juventude: Tobias Foss (Uno-X)
Equipas: W52-FC Porto

Pode ver aqui a classificação completa, via ProCyclingStats.

(* As duas etapas realizaram-se no mesmo dia, sábado, 23 de Março)

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23 de março de 2019

Milano-Sanremo o monumento dos sprinters? A tradição já não é o que era

Alaphilippe deixou a forte concorrência a vê-lo festejar mais uma vitória
(Fotografia: Facebook Milano-Sanremo)
Os sprinters que não se deixem abater. A Milano-Sanremo irá continuar a ser o monumento que melhor lhes assenta. Mas talvez esteja a perder a sua conotação de "monumento dos sprinters". Mais do que nunca, ciclistas com outras características colocam a clássica nos seus objectivos e como que "perderam o respeito" pelos homens rápidos, que nos últimos três anos têm estado afastados das decisões. O corredor do momento foi selar um triunfo que nem surpreende e apenas serviu para confirmar o poderio de uma Deceuninck-QuickStep que se dá ao luxo de "queimar" o seu sprinter, perfeitamente capaz de ganhar a Milano-Sanremo, para levar Julian Alaphilippe ao topo. Que época sensacional está a ter o D'Artagnan do ciclismo!

"É muito difícil perceber o que alcancei hoje aqui juntamente com esta fantástica equipa", disse Alaphilippe após a vitória em que bateu ao sprint um renascido Oliver Nasen (AG2R) e Michal Kwiatkwoski (Sky), o vencedor da clássica em 2017 (Alaphilippe foi terceiro nessa edição). Mas não é assim tão difícil entender. Não quando há uma Deceuninck-QuickStep que neste tipo de provas não só se dá ao luxo de ter um plano A, B, C e até D, com todos a darem garantias, como tem ciclistas que trabalham na perfeição no controlo de corridas. E depois tem Tim Declercq, o Tractor, como é conhecido. Sim, o belga merece ser destacado, pois em 291 quilómetros "puxou" durante muitos deles e foi um dos principais responsáveis por um ritmo alucinante que começou a sufocar os sprinters quando se aproximou o momento da decisão, que este ano foi no Poggio.

São apenas três quilómetros, com o mais complicado da subida a ser uma zona a 8%. Mas quando o ritmo é tão alto, nem Elia Viviani resistiu ao ritmo dos colegas de equipa. Quando saiu Declerq, entrou Philippe Gilbert e Zdenek Stybar em acção. E quando o trabalho colectivo estava feito, com todos os sprinters ditos "puros" a ficarem para trás, lá foi Alaphilippe.

Não ficou sozinho, mas só Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) e Matteo Trentin (Mitchelton-Scott), ex-companheiro de Alaphilippe, foram os dois ciclistas com características de sprinters no top dez. O primeiro continua a não encontrar o caminho da vitória na Milano-Sanremo, o segundo ainda tentou surpreender nos metros finais, mas fugas impressionantes são mais para um Vincenzo Nibali. O ciclista da Bahrain-Merida, vencedor há um ano, também entrou no grupo da discussão. Mas com Alaphilippe na forma que está, a discussão é pouca. Nem Alejandro Valverde (Movistar) tem pedalada para o francês, seu rival, ou mais do que provável sucessor nas Ardenas.

O francês, de 26 anos, está com uma marca impressionante em 2019. Ganhou em todas as corridas. Na Volta a San Juan e no Tirreno-Adriatico venceu duas etapas em cada, na Volta à Colômbia conquistou uma tirada e a classificação dos pontos. Participou em duas clássicas e somou mais duas vitórias: Strade Bianche e agora a Milano-Sanremo.

Alaphilippe já tem o seu monumento. Parecia (e parece) destinado a conquistar uma Liège-Bastogne-Liège, mas foi no monumento dos sprinters que abriu a sua contagem, seguindo assim o exemplo de Kwiatkowski e Nibali, que têm contribuído para que os homens mais rápidos do pelotão saiam frustrados da corrida que historicamente tem sido maioritariamente para eles.

Se a semana das Ardenas fosse já, a dúvida seria se alguém conseguiria estar ao nível de Alaphilippe, que tem tudo para atirar para segundo plano um Alejandro Valverde campeão do mundo. No entanto, esta semana de três clássicas é só daqui a um mês, com o francês a viajar até ao País Basco antes, onde há um ano ganhou duas etapas. A manter a forma, daqui a mês estar-se-á a colocar Alaphilippe no topo dos favoritos e, quem sabe, a assumir de vez um trono que em 2018 mostrou estar preparado para reclamar. Bateu Valverde na Flèche Wallonne e irá agora à procura do seu segundo monumento do ano na Liège. Começam a faltar palavras para descrever a temporada assombrosa de Alaphilippe.

Com esta vitória, talvez a Milano-Sanremo comece a ser um pouco menos conotada com o monumento dos sprinters. Alaphilippe era um dos favoritos, mas não se esperava que nem um dos grandes nomes actuais do sprint - com a excepção de Sagan - conseguisse estar na luta. Ninguém - Caleb Ewan, Dylan Gronewegen, Arnaud Démare, Fenado Gaviria, Sam Bennett (e a lista continua) - passou o Poggio com o grupo que se formou na frente.

Próximo monumento, Volta a Flandres, a 7 de Abril e uma semana depois será o Inferno do Norte, Paris-Roubaix. A Liège-Bastogne-Liège está marcada para dia 28 do mesmo mês, com a Lombardia a fechar os cinco monumentos a 12 de Outubro.

José Gonçalves (Katusha-Alpecin) foi o único português em prova, terminando na 76ª posição, a 1:29 do vencedor. Pode conferir aqui a classificação completa da 110ª edição da Milano-Sanremo, via ProCyclingStats.

E na disputa particular entre Deceuninck-QuickStep vs Astana, está novamente tudo empatado, com 19 vitórias para cada uma das equipas.