31 de agosto de 2016

"Quando entrei para o ciclismo todos me apelidaram de louco"

Aos 30 anos, Luís Mendonça vive um sonho que poderá atingir um nível que muitos dificilmente acreditariam ser possível quando há três anos resolveu ser ciclista. Chamaram-lhe louco, mas para o atleta a sua decisão e o que alcançou desde então são a prova que "nunca é tarde para nada". Convidado pela Funvic Soul Cycles-Carrefour para competir na Volta a Portugal, a inesperada oportunidade vai estender-se até à China, onde voltará a representar a equipa brasileira, Profissional Continental, na esperança de garantir um contrato.

"É realmente uma lição de vida. Nunca é tarde para nada. Quando entrei para o ciclismo todos me apelidaram de louco. Diziam que com a idade que tinha o corpo já não ia reagir a nada", recordou ao Volta ao Ciclismo. Luís Mendonça referia-se ao facto de na altura ser modelo (e também barman) e ter um corpo muito musculado. "[O corpo] estava muito virado para a moda e nada virado para o ciclismo." Foi um árduo caminho para conseguir cumprir aquilo que mais desejava: ser ciclista profissional. "Curiosamente, perder músculo é mais difícil do que perder gordura", afirmou, sorrindo. Explicou que "demorou o seu tempo a modificar o corpo, a afinar, a perder peso e a perder músculo", mas agora sente-se um ciclista. De 85 quilos, passou a pesar 68.

Foi aos 27 anos que resolveu levar a modalidade a sério, mas Luís Mendonça já tinha participado em competições: "Não posso dizer que fui um ciclista a sério porque fazia épocas de dois/três meses e deixava. Ia competindo..." Acrescentou que a faculdade também não o permitiu progredir como queria, mas agora que apostou a sério no ciclismo quer ver "até onde vai dar esta evolução".

A inesperada presença na Volta a Portugal

A competir pela Sicasal/Constantinos S.A/UDO, Luís Mendonça realizou um bom início de temporada. O ciclista considera que o terceiro lugar no Grande Prémio Abimota abriu-lhe "bastantes portas". Através do seu empresário, Diogo Sousa, surgiu a oportunidade de fazer a Volta a Portugal pela Funvic Soul Cycles-Carrefour.

"Não estava a contar ir à Volta a Portugal e cheguei lá com algum desgaste. Depois houve uma segunda surpresa: o andamento da Volta! Muito forte", admitiu Luís Mendonça, que ainda assim disse que a competição "correu acima das expectativas". "Apontei para seis etapas para chegar ao sprint. Chegaram algumas fugas o que limitou mais boas prestações. Mas três top dez... acho positivo." Na geral foi 56º a mais de uma hora do vencedor, Rui Vinhas.

"Com 30 anos, interessa-me mais a parte monetária. Não posso andar aí a salários mínimos. Tenho que aproveitar cada dia, aprender tudo muito rápido"

E a Funvic também teve a mesma opinião, pois resolveu levar o português até à Volta à China, que começa no dia 9 de Setembro. O desejo é conseguir assinar "um bom contrato para 2017". Luís Mendonça não tem dúvidas que a equipa brasileira será a melhor opção, comparativamente com as equipas portuguesas. "Em termos de profissionalismo talvez as portuguesas sejam melhores. Na Funvic ainda estamos a aprender muita coisa, mas com 30 anos, interessa-me mais a parte monetária. Não posso andar aí a salários mínimos. Tenho que aproveitar cada dia, aprender tudo muito rápido", salientou.

Na China, o ciclista do Porto sabe que "vai ser duro", mas mostra-se muito motivado para garantir um contrato com a Funvic. "A equipa quer crescer... quer contratar mais portugueses."

A garra, alegria e ambição com que compete comprovam que os 30 anos e o início tardio não impedem Luís Mendonça de procurar uma boa carreira no estrangeiro. E quando se fala em idade, o ciclista imediatamente refere exemplos: "Davide Rebellin tem 45 anos, Alejandro Valverde 36 e é o que nos vemos... é um enorme ciclista. A idade é apenas um número. O nosso estilo de vida, a forma como nos cuidamos, dita muito a nossa saúde, bem-estar e a performance física."

Chris Froome meteu Nairo Quintana em sentido

(Fotografia: Team Sky)
Era o momento certo para Chris Froome responder a Nairo Quintana, depois de uma primeira fase de Volta a Espanha, na qual o colombiano da Movistar demonstrou a sua superioridade. Froome sobreviveu - o ciclista chegou mesmo a utilizar essa expressão - e manteve-se a 58 segundos à chegada do dia de descanso, apesar de algumas dificuldades. Mais uma vez o britânico não só mostrou que se dá bem com a paragem, como fisicamente deu uma grande resposta a Quintana e psicologicamente pressionou um adversário que estava a assumir um discurso de ter de ganhar mais tempo para não perder a liderança no contra-relógio. Depois da subida a Peña Cabarga, Quintana percebeu que tem de pensar que está mesmo numa luta directa com Froome e que terá muito trabalho para ficar com a camisola vermelha, além do contra-relógio. Falava em ganhar tempo e perdeu quatro segundos. Pode não parecer muito, mas nunca se sabe a falta que poderão fazer.

Foi a segunda vez que Chris Froome venceu uma etapa na Vuelta, curiosamente exactamente no mesmo local. A primeira aconteceu em 2011. Este triunfo foi claramente muito desejado pelo britânico e trabalhado pela Sky, que finalmente apareceu um pouco melhor na ajuda ao seu líder, com Peter Kennaugh, David Lopez e Leopold König. No caso do checo, a sua ajuda também está a significar uma consolidação no top dez.

Em termos de equipa, há que dizer que também a Movistar melhorou. Rubén Fernández está a assumir-se como uma das figuras da Vuelta. Excelente o trabalho que fez no início da subida. Que ritmo louco que impôs e só cedeu quando a Sky resolveu começar a abrir as hostilidades, momento em que apareceu Alejandro Valverde a proteger o seu líder, apesar de querer manter o lugar no pódio. Desceu para terceiro, por troca com Froome, mas tem quase minuto e meio de vantagem sobre Johan Esteban Chaves (Orica-BikeExchange). Época fantástica do espanhol da Movistar.

Mas no final foi um frente-a-frente Froome/Quintana. Aquele que tanto se aguardou no Tour e que apareceu agora nesta Volta a Espanha. Muitos consideram-na brutal pela quantidade de montanha que tem, mas que tem sido rica em espectáculo.

Salvo algo inesperado, será mesmo uma luta a dois. Porém, há que destacar a determinação de Alberto Contador e o espírito de guerreiro de Chaves. O colombiano tentou atacar, até ganhou alguma distância, mas quando Froome e Quintana arrancaram, não deram hipótese ao jovem da Orica, quinto na Vuelta há um ano e segundo no Giro em Maio. Quanto a Contador, no dia de descanso disse que a corrida estava quase perdida. "Quase" sendo a palavra chave. É que nesta etapa plana até aos últimos 5,8 quilómetros, a Tinkoff foi para a frente controlar a corrida - certamente que a Movistar agradeceu - passando a mensagem que o espanhol não desiste. Infelizmente, determinação não chega e Contador perdeu mais uns segundos. Ainda assim apresentou-se melhor do que nas chegadas em alto anteriores. A 3:08 minutos da liderança, a quarta vitória pode estar a tornar-se numa miragem, mas talvez ainda tente o pódio e/ou uma etapa... ou, sendo Contador, ainda tente um ataque para reentrar na luta. Do espanhol tudo é possível e é uma das curiosidades para a restante corrida.

Os portugueses

Enquanto Tiago Machado (Katusha) voltou a entrar na fuga do dia acabando por ser nomeado pela segunda vez o mais combativo, José Gonçalves abandonou. A Caja Rural justifica a saída do ciclista português por fadiga física. Em 2015 foi uma das figuras da competição, mas este ano não conseguiu apresentar a mesma forma. José Mendes (Bora-Argon 18) continua a ser o melhor classificado: 25º a 10:21 minutos.

Etapa 12: Los Corrales de Buelna-Bilbao (193,2 quilómetros)


Muito sobe e desce neste regresso ao País Basco, com a meta colocada em Bilbau. Com tantas subidas com alguma dificuldade, será dia para uma fuga, ou então para alguém tentar recuperar algum tempo perdido, caso queira arriscar na descida que levará a um final complicado. Os candidatos poderão jogar mais pelo seguro e esperar por um fim-de-semana que promete dois dias de grande dureza, principalmente no sábado.


Resumen - Etapa 11 (Colunga. Museo Jurásico... por la_vuelta

30 de agosto de 2016

"Gostava de fazer parte de uma equipa lá fora e competir em grandes corridas"

Amaro Antunes não se intimida com os grandes nomes do ciclismo. A sua ambição é mesmo fazer parte desse mundo e na Volta ao Algarve mostrou que está preparado para outras corridas. Para outro nível de ciclismo. E numa altura em que começa a pensar no seu futuro para 2017, o algarvio desabafou ao Volta ao Ciclismo: "Obviamente que não vou esconder que gostava de fazer parte de uma equipa lá fora e competir em grandes corridas."

Cumpre 26 anos em Novembro e há muito que é apontado como um dos principais talentos nacionais. Este ano entendeu que podia ser a altura da mudança e, por isso, mostrou-se ao lado dos melhores e as suas exibições não passaram despercebidas. Afinal, nas duas principais etapas da Volta ao Algarve, Amaro Antunes foi sétimo na Fóia e quarto no Alto do Malhão. "Conhecia o percurso da Volta ao Algarve como se calhar nunca fiz o reconhecimento de mais nenhuma corrida", recordou, afirmando que só as subidas foram estudadas três vezes. "Ainda mais sou algarvio. Estava a vibrar na minha terra!"

Amaro Antunes acompanhado por Rigoberto Uran no Alto do Malhão
"Já tinha isso em mente [de fazer uma boa prestação] e a equipa também o sabia. Estava planeado", disse, acrescentando que nunca assumiu publicamente a sua ambição de discutir a corrida devido ao nomes que estavam na corrida. "Felizmente as coisas correram muito bem." "Correr bem", talvez não chegue para descrever a sua prestação, pois foi décimo e vejamos quem ficou à sua frente: Geraint Thomas (Sky), Ion Izaguirre (Movistar), Alberto Contador (Tinkoff), Thibaut Pinot (FDJ), Primoz Roglic (Lotto-Jumbo), Tony Gallopin (Lotto Soudal), Ilnur Zakarin (Katusha), Jarlinson Pantano (IAM) e Fabio Aru (Astana e vencedor da Volta à Espanha em 2015). Ou seja, todos ciclistas de equipas World Tour e alguns já com vitórias importantes, como é o caso de Alberto Contador, vencedor de sete grandes voltas. E os que ficaram atrás do português... são outros tantos nomes do melhor que há no ciclismo.

Amaro Antunes entrou definitivamente no radar das equipas estrangeiras e a sua saída de Portugal começa a ser dada quase como inevitável. "Depois da Volta a Portugal quis desconectar um pouco e aliviar um pouco a cabeça da bicicleta. Passei três meses em altitude e era basicamente treinar e casa, casa e treinar. Não me foquei nisso [na transferência]. Agora tenho de estar calmo e esperar que surjam propostas aliciantes", contou.


"Tenho de trabalhar um pouco mais a montanha e melhorar bastante mais o contra-relógio, para que possa discutir algumas corridas importantes"

No entanto, o ciclista algarvio salientou que ainda tem pormenores a melhorar, explicando que está a fazer "treinos bastantes específicos de contra-relógio" e que continua a "aperfeiçoar a montanha". "Sou uma pessoa que gosta sempre de um pouco mais e esse mais diz-me que tenho de trabalhar um pouco mais a montanha e melhorar bastante mais o contra-relógio, para que possa discutir algumas corridas importantes", explicou.

Anúncio do fim da equipa abalou os ciclistas

O sexto lugar na Volta a Portugal foi o seu melhor resultado na competição. Terceiro top dez, que é destacado pelo ciclista. "Na Volta a Portugal ambicionamos sempre fazer um bom resultado e este ano consegui o meu melhor de sempre, o que me deixa muito feliz e vejo que estou com uma progressão de ano para ano bastante boa e é isso o que me está a motivar para os próximos anos", afirmou.

Alejandro Marque era o número um da equipa na tentativa de conquistar a vitória, mas Amaro Antunes tinha claramente liberdade e acabou por ser o melhor da LA Alumínios-Antarte. E tendo em conta o que foi anunciado aos ciclistas antes da prova, há que dar valor ao que o ciclista português fez. "Recebemos a notícia do final da equipa um pouco antes da Volta a Portugal, muito antes de sair na imprensa... Deixou-nos um pouco abalados", confessou, acrescentando que, ainda assim, não afectou o rendimento na corrida.


"[LA Alumínios-Antarte] é uma equipa que já tem muita tradição no ciclismo e é uma pena que deixe de existir"

Mário Rocha, responsável da LA, anunciou publicamente após a Volta a Portugal o fim da equipa, numa decisão que apanhou o ciclismo nacional de surpresa. Apesar de até ambicionar sair para o estrangeiro, Amaro Antunes admitiu que o fim da LA Alumínios-Antarte o deixa "bastante triste". "Faço parte dela há dois anos consecutivos e foi aqui que fiz o meu primeiro ano como profissional [2011]. É uma equipa que já tem muita tradição no ciclismo e é uma pena que deixe de existir."

A surpresa de Rui Costa numa escolha de risco

Katusha, Astana, Bahrain-Merida, o nome de Rui Costa foi sendo associado a algumas equipas poderosas. No caso da Bahrain seria juntar-se a um novo projecto que está a construir um grupo muito respeitável de ciclistas. E equipas novas claramente não assustam o ciclista português que escolheu... a recente anunciada primeira formação chinesa no World Tour. Há que admitir que esta escolha surpreendeu. Rui Costa só tem elogios para a TJ Sport - não seria de esperar outra coisa -, no entanto, é impossível não pensar que a opção é arriscada, tendo em conta que pouco ou nada se sabe sobre este projecto. E o pouco que se sabe, pelo menos um pormenor, não é de todo agradável: Mauro Gianetti vai ser um dos coordenadores da equipa... um nome com um historial de ligação ao doping tanto como ciclista como director desportivo.

Era há muito óbvio que Rui Costa tinha de mudar de equipa. Em três anos, a Lampre-Merida não cumpriu com o pressuposto de construir uma formação em redor do português, que chegou ao conjunto italiano como campeão do mundo. Em final de contrato, questionava-se o futuro de Rui Costa, num ano em que não apostou na geral do Tour, mas sim na conquista de etapas (e muito lutou por elas), esteve no pódio da Liège-Bastogne-Liège e somou vários top dez, inclusivamente nos Jogos Olímpicos.

Aos 29 anos e apesar da experiência na Lampre não ter sido tão profícua como o esperado, o ciclista continua a ser dos mais respeitados do pelotão internacional e certamente encontraria lugar numa grande equipa, ainda que pudesse ter de ceder o estatuto de líder incontestado. Mas seria isso assim tão grave? Principalmente se tivesse possibilidade de apostar nas provas de um dia que gosta e ter alguma liberdade nas grandes voltas?

Nos últimos dias, o nome da Katsuha surgiu com frequência. Parecia quase perfeito ter Rui Costa a trabalhar com José Azevedo e ainda ter como companheiros Tiago Machado (que vai renovar) e José Gonçalves, que será uma das caras novas em 2017 da equipa russa. Rui Costa acabou por surpreender ao anunciar nas redes sociais que tinha escolhido a TJ Sport, a equipa chinesa que comprou a licença World Tour da Lampre, depois de semanas de indecisão da equipa italiana, que ao perder a Merida - que vai fornecer as bicicletas ao conjunto do Bahrain - e a saída de um dos directores, Brent Copeland (para a Bahrain), chegou mesmo a falar-se da descida de escalão.

(Fotografia: TJ Sport)
A TJ Sport - empresa de consultadoria chinesa, presidida por Li Zhiqiang - salvou assim a Lampre, pois a julgar pela camisola apresentada, o nome da empresa metalúrgica continua a aparecer. A apresentação não revelou muito. Patrocinadores, marca de bicicletas, ciclistas, nada foi avançado. Rui Costa é o primeiro nome e o português confirmou ainda Diego Ulissi, que passa também da Lampre para a nova equipa.

Com o mercado a ser intensamente atacado pela Bahrain-Merida e pela Bora-Hansgrohe (formação que vai subir de escalão e que já contratou Peter Sagan e Rafal Majka, entre outros), será curioso tentar perceber como vai a TJ Sport mexer-se nas contratações. Que tipo de ciclistas irá escolher, que objectivos terá... Questão: vai esta equipa ser melhor do que a Lampre, uma das equipas mais fracas do World Tour?

Um risco enorme para Rui Costa. Só se poderá esperar que não pagará um preço demasiado alto por querer continuar a ser um líder indiscutível.

Gianetti na apresentação da equipa (Fotografia: TJ Sport)
Mas voltando ao tal nome Mauro Gianetti. É um daqueles que faz tremer o ciclismo, ao nível de Bjarne Riis... Como ciclista tem historial de doping (terá inclusivamente ido parar ao hospital devido a uma transfusão que correu mal, mas nunca admitiu), como director desportivo continuou a prática por onde passou. O suíço era visto como alguém muito criativo em encontrar formas de dopagem. Estamos a falar de um ciclista que venceu a Liège-Bastogne-Liège e a Amstel Gold Race em 1995, mas que ficou na história da modalidade por todas as más razões.

Um membro da equipa da Saunier Duval - equipa que Gianetti dirigiu entre 2004 e 2011 - chegou a dizer ao jornal L'Equipe: "O doping está estão entranhado em alguns directores desportivos, como Gianetti, que eles não conseguem conceber o ciclismo de outra forma."

Desde então que o suíço tem andado afastado, mas agora encontrou lugar como coordenador do projecto chinês. E isso são más notícias para o ciclismo numa altura que continua a tentar recuperar credibilidade depois do caso Armstrong, o mais recente de muitos escândalos de doping.

A Rui Costa resta desejar boa sorte nesta nova fase da carreira, pois não deixará de ser algo único iniciar um novo projecto. Um futuro incerto, que certamente terá sido ponderado pelo ciclista português. Há que esperar por mais pormenores sobre a equipa e talvez entender melhor esta escolha.

29 de agosto de 2016

Espectáculo de etapa! E agora? O que se pode esperar desta Volta a Espanha?

Nairo Quintana fez uma grande exibição (Fotografia: Team Sky)
A Volta a Itália ofereceu muito espectáculo, é certo. Porém, por mais que se admire os que os ciclistas fizeram no Giro, a verdade é que se deseja sempre que esse espectáculo inclua os grandes nomes da modalidade, algo que não tem acontecido na competição italiana, que normalmente só tem um ou dois dos principais ciclistas. No Tour estão lá todos, mas também está uma Sky a "secar" a concorrência de Chris Froome. Felizmente sobra-nos uma Vuelta, que este ano atraiu os três principais ciclistas da actualidade, numa luta directa (ou seja, sem a influência da Sky) e espectacular, como aconteceu em Lagos de Covadonga.

Que emoção que é ver Nairo Quintana atacar, Alberto Contador contra-atacar... ver Chris Froome ficar para trás e, de repente, fazer uma recuperação das mais espectaculares que já se viu. Tudo isto numa das montanhas mais mítica e difícil do ciclismo, com vários pontos dos 12 quilómetros a ultrapassar os 10% de pendente. Foi um daqueles dias que se há-de falar durante muito tempo.

Quintana teve mais uma demonstração de força que lhe valeu a recuperação da camisola vermelha, perdida no dia anterior para David de la Cruz (Etixx-QuickStep). E desta vez a Movistar terá mesmo de assumir que é para manter, porque o próprio colombiano avisou que não a quer perder.

Por momentos parecia que estávamos a ver o bom velho Alberto Contador (Tinkoff). Ali, ao lado de Quintana, até contra-atacou, talvez entusiasmado por saber que Froome estava a ficar para trás praticamente logo no início da fase mais difícil da subida.

Froome passou um mau bocado, mas recuperou em grande estilo
(Fotografia: Team Sky)
Infelizmente Contador quebrou. As debilidades físicas resultantes da queda na sétima etapa vieram ao de cima. Como o próprio diz, não é impossível, mas ganhar a Vuelta pela quarta vez está muito difícil: já são 2:54 minutos para recuperar. Por outro lado, felizmente Froome fez uma exibição que não é inédita, mas desta vez parecia que o britânico estava mesmo a ceder. David Lopez e Peter Kennaugh fizerem um trabalho extraordinário para ajudar o seu líder, enquanto a Sky deixava na frente Leopold König, como um plano B.

O que se assistiu foi mais um grande momento de ciclismo proporcionado por Chris Froome. Completamente diferente dos que ofereceu no Tour, o britânico impôs o seu ritmo e foi apanhando ciclista atrás de ciclista. Quando ficou sozinho já estava naquele pedalar tão familiar. Contador provavelmente nem queria acreditar quando viu Froome passar. Valverde aproveitou a boleia e Froome só não apanhou Nairo Quintana porque o colombiano é claramente o mais forte nesta fase da Vuelta e aqueles arranques tão típicos e tão difíceis de acompanhar podem muito bem valer uma vitória na competição.

Uma luta Quintana vs Froome?

Apesar de ser uma Volta a Espanha muito montanhosa, acabou por ser a etapa oito e dez a definir os candidatos. Até então, muitos aspiravam a uma vitória e com créditos para apresentar. No entanto, Nairo Quintana está num nível claramente acima, enquanto Froome não está tão bem, mas sobreviveu e a diferença é de 58 segundos (Robert Gesink tirou-lhe o segundo lugar da etapa e a devida bonificação). Pelo meio está Alejandro Valverde (57 segundos), mas não só subsiste a dúvida se o espanhol vai aguentar a este nível quando está a fazer a terceira grande volta do ano, como seria estranho vê-lo atacar o colega de equipa.

Este é o Nairo Quintana que se conhece e que simplesmente não apareceu no Tour. O colombiano é exímio em gerir as suas forças de forma a estar bem na terceira semana. Porém, o colombiano da Movistar não pode apenas gerir a vantagem. Quintana tem de aumentar um pouco mais a vantagem para Froome se quiser ter hipótese de manter a liderança no contra-relógio da antepenúltima etapa. Essa é, no fundo, a grande missão de Quintana: escolher as etapas certas para tentar ganhar mais uns segundos. Pouco mais de um minuto, poderá ser suficiente para sobreviver ao contra-relógio, especialidade que o colombiano já demonstrou ter melhorado.

Já Froome é o oposto. Costuma entrar forte e sofrer um pouco na última semana. Neste Tour foi diferente, precisamente pelo susto de 2015, provocado por Quintana. Mas nesta Vuelta temos de esquecer tudo o que sabemos sobre a preparação do britânico. Foram meses a pensar na Volta a França, foram meras semanas a recuperar para a Vuelta. Froome está em modo de sobrevivência. Admite não estar no seu melhor, sabe que Quintana está num nível superior, sabe que não tem uma equipa para ajudar como no Tour. Porém, Froome não entra em pânico.

No entanto, já nesta segunda semana se poderá perceber se o britânico terá ou não capacidade para pelo menos não deixar afastar em demasia o colombiano, já que após o descanso de terça-feira, haverá muita montanha até à nova pausa. Se conseguir, Froome poderá tentar não perder mais tempo e apostar tudo no contra-relógio, ainda que a penúltima etapa traga mais um final em alto. Mas claro, é Froome, não é de afastar um momento vroome vroome! E tem ainda uma arma chamada Leopold König, o tal plano B que está no sexto lugar e poderá contribuir para destabilizar a Movistar.

Quanto aos restantes ciclistas...o melhor é Johan Esteban Chaves (Orica-BikeExchange) a 2:09 minutos. Nada é impossível, mas a luta que se esperava no Tour, tem todas as condições para acontecer em Espanha... se Froome não vacilar. Mas atenção, o facto de muito boa gente estar já com mais de dois minutos de desvantagem poderá levar também a ataques, vários ataques que Quintana e a sua Movistar terão de ter muita atenção.

Etapa 11: Colunga/Museo Jurásico - Peña Cabarga (168,6 quilómetros)
Depois do dia de descanso serão vários os quilómetros que deverão ser relativamente calmos, mas depois serão 5,8 quilómetros , com 9,8% de pendente média e que de máxima chega aos 18%. É mais uma daquelas estranhas etapas - como a oitava - mas que tem mais um factor a ter em conta: nem todos se dão bem com dias de descanso. Outros sim, e Froome, por exemplo, praticamente ganhou o Tour de 2015 depois da pausa na prova.


Resumen - Etapa 10 (Lugones / Lagos de... por la_vuelta

28 de agosto de 2016

Uma Etixx-QuickStep antagónica... ou talvez apenas em mudança

A emoção de David de la Cruz ao vestir a camisola vermelha (Fotografia: Team Sky)
Esta temporada está a sair toda ao contrário do que seria normal para a Etixx-QuickStep. A equipa belga tem por hábito apostar forte na época das clássicas e depois nas grandes voltas tentar algumas vitórias em etapas, principalmente ao sprint. Ora, as clássicas correram fracamente mal, nomeadamente os monumentos: não ganhou nenhum. Por outro lado, Marcel Kittel ia conquistando vitórias, justificando a contratação que levou à saída Mark Cavendish. E seria o alemão a iniciar uma nova vida da equipa, mas nas grandes voltas: começou no Giro, passou pelo Tour e a Vuelta está a ser quase tão brilhante como em Itália.

Muito se falou de Tom Boonen e do belga lutar pela Volta a Flandres e o Paris-Roubaix, numa fase já final da sua carreira (termina em 2017). Esteve perto de conquistar a sua quinta vitória no inferno do norte, mas Mathew Hayman tirou-lhe o triunfo. A frustração crescia em Patrick Lefevere. A equipa andava lá perto, mas não ganhava. Porém, o director desportivo acabaria por demonstrar o trabalho que tem sido feito nos últimos anos: a Etixx-QuickStep já não é uma equipa apenas de clássicas. O aparecimento de Bob Jungels, Gianluca Brambilla na Volta a Itália, a confirmação de Julian Alaphilippe ao conquistar a Volta à Califórnia e ao exibir-se a bom nível no Tour, a contratação acertada de Daniel Martin (nono no Tour) e agora não só Brambilla volta a aparecer na Vuelta, como David de la Cruz finalmente confirma credenciais e logo em grande estilo.

No Giro, Marcel Kittel venceu três etapas e vestiu a camisola rosa, Brambilla conquistou uma e também liderou. Bob Jungels andou de rosa e terminou no sexto lugar. Matteo Trentin juntou mais uma etapa. A Etixx-QuickStep foi a equipa sensação em Itália, com resultados muito além do esperado.

No Tour já se sabe: domina a Sky. O objectivo da Etixx-QuickStep era mesmo lutar com Marcel Kittel, mas o alemão apenas ganhou uma etapa, vendo o rival Mark Cavendish (Dimension Data) reaparecer ao seu melhor. Porém, Julian Alaphilippe ainda vestiu durante umas etapas a camisola de melhor jovem e Daniel Martin foi top dez. Nada mau, ainda que Lefevere esperaria mais de Kittel.

Chegamos então à Vuelta. Em nove etapas já lá vão três vitórias, duas com Gianni Meersman, que aproveitou a oportunidade de não ter de ajudar Kittel para conquistar ele os seus primeiros triunfos numa grande volta. O mesmo para David de la Cruz, mas com outro signficado. Há três anos na equipa faltavam resultados ao espanhol de 27 anos. Nada que melindrasse a confiança da Etixx, pois até renovou por mais um ano. No entanto, o ciclista sabia que tinha de começar a mostrar algo e dificilmente podia escolher uma melhor maneira.

De la Cruz não só conquistou a sua primeira vitória como profissional - Dries Devenyns (IAM) não deverá estar a acreditar no azar que teve pela corrente não ter encaixado logo, no momento em que ia arrancar atrás do espanhol -, como fê-lo numa grande volta e na "sua". E para tornar tudo perfeito, vestiu a camisola vermelha. Sim, a Etixx-QuickStep volta a ver-se na posição de líder numa grande volta. E tem também a camisola dos pontos com Meersman e Brambilla no top dez (nono a 2:07 do colega). Já agora, foi a primeira vitória espanhola na Vuelta.

Ninguém espera que De la Cruz mantenha a camisola vermelha, tal como não se esperava que Nairo Quintana a perdesse. O colombiano que tanto a queria, perdeu-a no dia seguinte, apesar do controlo da Movistar, que, no entanto, não se incomodou demasiado em encurtar distância para De la Cruz. A diferença do colombiano é apenas de 22 segundos, mas volta-se a colocar a questão: terá a Movistar capacidade para controlar uma corrida durante duas semanas, se Quintana voltar este segunda-feira à liderança?

Pode-se dizer que foi táctica. Afinal este domingo era preciso poupar forças para a subida a Lagos de Covadonga na 10ª etapa. Assim, não só a Movistar poupou, supostamente, algumas forças, como terá a Etixx-QuickStep como aliada numa das etapas mais esperadas desta Vuelta. Mas terá mesmo? A equipa belga não está minimamente preocupada com David de la Cruz e procura, isso sim, que Brambilla possa não só vencer uma etapa, mas garantir um top dez. Uma etapa a não perder...

Etapa 10: Lugones-Lagos de Covadonga (188,7 quilómetros)
Poderá ser uma das etapas mais importantes para ajudar definir a classificação geral e é certamente uma das mais esperadas. O Alto del Mirador del Fito são 6,2 quilómetros a 7,8% de média, mas é o regresso de uma das montanhas míticas da Vuelta, dois anos depois, que marca o dia. Lagos de Covadonga (imagem em baixo) tem 12,2 quilómetros de extensão a 7,2% de pendente média, com máximas a ultrapassar os 10%. Se este domingo os candidatos realmente se pouparam, então vão dar tudo na etapa que antecede o dia de descanso.




Resumen - Etapa 9 (Cistierna / Oviedo... por la_vuelta

Veja a o resultado da etapa entre Cistierna- Oviedo / Alto del Naranco (164,5 quilómetros) e as classificações da Volta a Espanha.

27 de agosto de 2016

2018 poderá "ser o ano certo" para a W52-FC Porto subir de escalão

A notícia animou o ciclismo nacional: a W52-FC Porto quer subir de escalão, para o Profissional Continental (o segundo da hierarquia). Porém Nuno Ribeiro, director desportivo da equipa, coloca água na fervura. A ambição existe, mas para concretizar o objectivo a equipa pretende criar condições que lhe ofereçam solidez na estrutura para assumir a responsabilidade. "Neste momento, subir de escalão, estar lá um ano e depois baixar porque não temos condições... acho que não vale a pena", afirmou Nuno Ribeiro ao Volta ao Ciclismo, afastando a possibilidade da subida acontecer já em 2017.

O director desportivo da equipa que venceu a Volta a Portugal, com Rui Vinhas, salientou que "para ser Profissional Continental é preciso cumprir requisitos em termos de inscrição" e que neste momento "já é um bocado tarde". Mas o plano está traçado para tentar em 2018 ou em 2019. "Temos uma estrutura criada, mas temos de criar condições para atingir esse objectivo. É toda uma logística que não se consegue de um momento para o outro", referiu. Nuno Ribeiro considerou ser importante construir uma base sólida para que ao estar no escalão superior, a equipa tenha condições para "estar lá três anos e se for possível mais tempo".


 "Temos uma estrutura criada, mas temos de criar condições para atingir esse objectivo. É toda uma logística que não se consegue de um momento para o outro"

Neste primeiro ano de parceria com o FC Porto, o responsável realçou que foi uma fase de conhecimento da modalidade, "da sua organização", para o novo patrocinador. "No segundo ano vamos tentar criar mais estabilidade orçamental e em termos de equipa para depois começar a pensar em trabalhar no objectivo [subir de escalão]". Acrescentou ainda: "Temos estatuto, temos um contrato de longa duração com o FC Porto, temos de tentar explorar essa situação. Se houver oportunidade em termos financeiros e se for compensatório para a equipa, há possibilidade de subir de escalão."

O plano parece estar bem delineado, pois Nuno Ribeiro refere que mesmo como Profissional Continental "no primeiro ano será difícil entrar em algumas corridas. Porém, "com uma boa estrutura", a equipa de Sobrado poderá ter acesso "a outro tipo de corridas", o que contribuirá para a imagem do ciclismo português e mesmo "em termos de pontuação de ranking". "Acho que todos ficam a ganhar, até a própria federação."

"Parceria com o FC Porto funcionou logo"

O ciclismo nacional foi surpreendido no início do ano com a entrada do Sporting e logo de seguida do FC Porto. Os leões até foram os primeiros a abordarem a W52, mas o negócio não avançou, com os portistas a fecharem o contrato por cinco anos. "A parceria está a correr muito bem. Funcionou logo. Nós temos o controlo da total da equipa e eles têm mais a parte de marketing e imagem e de todo esse processo que dominam melhor do que nós. Eles não se meteram na parte desportiva e a partir daí é tudo mais fácil", salientou Nuno Ribeiro.

O director desportivo da equipa considera que este regresso do FC Porto "foi um benefício para o ciclismo" nacional, realçando que a vitória na Volta a Portugal deixou todos satisfeitos.

A W52-FC Porto dominou a competição, sendo claramente a equipa mais forte e Nuno Ribeiro diz que a formação funciona "quase como uma família". "Temos ciclistas que têm aqui estado ao longo dos anos, ciclistas de qualidade, e temos outros que chegaram de outras equipas que conseguimos tirar rentabilidade e acabámos por ter uma equipa mais forte e mais importante", afirmou.


"Espero que não saia nenhum ciclista. Fazem parte da nossa família e não temos nada a alterar porque estamos bem servidos"

Gustavo Veloso era o líder indiscutível da equipa e mostrou ser o ciclista mais forte na Volta a Portugal. Porém, uma fuga acabou por entregar a amarela ao colega Rui Vinhas que de gregário se viu na posição de ganhar a competição, que concretizou com o contra-relógio da sua vida na última etapa, em Lisboa. Irá a equipa exigir mais de Vinhas? "Não tenho que exigir mais dele. Ele próprio tem de exigir mais dele porque ao ganhar a Volta a Portugal, as pessoas olham com outros olhos para ele como ciclista", respondeu, considerando que Rui Vinhas "tem de gerir a imagem dele", enquanto a equipa tentará "explorar ao máximo essa situação [desportiva]".

Perante o domínio e as vitórias este ano, Nuno Ribeiro quer "manter ao máximo os ciclistas". "Se conseguirmos manter todos era bom. Espero que não saia nenhum", admitiu. "São ciclistas que fazem parte da nossa família e não temos nada a alterar porque estamos bem servidos."

Equipa estará nos Mundiais do Qatar

A UCI revelou quinta-feira as quotas para os Mundiais, de 9 a 16 de Outubro. Na lista das equipas convidadas para disputar o contra-relógio surge a W52-FC Porto, situação que surge após a boa temporada que permitiu ter um bom ranking. Um momento de prestígio para o ciclismo nacional. No entanto, Nuno Ribeiro disse ser ainda cedo para falar em objectivos já que vai agora começar a preparar a competição. No entanto, há que referir que a formação tem dois dos melhores contra-relogistas em Portugal: Gustavo Veloso e Rafael Reis.

(Veja aqui a lista divulgada pela UCI)

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»»"Todos os gregários deviam ter um momento de glória como eu tive"««

Eis o Quintana que tanto se esperava. Mas estará a Movistar preparada para defender a liderança? Ou não será preciso?

Quintana vestiu a camisola que tanto queria (Fotografia: Twitter @Movistar_Team) 
O Alto de la Camperona ia ser o primeiro grande teste aos candidatos. Isso era claro. Rampas que chegavam aos 25%... era o momento para quem quer ganhar começar a mostrar-se. Não se fariam grandes diferenças, mas era a oportunidade para impor respeito ou revelar alguma debilidade. A brutal subida final da oitava etapa da Vuelta não desiludiu e viu aparecer finalmente aquele Nairo Quintana que se esperava desde Julho.

Não foi na Volta a França como ambicionava, mas foi em Espanha que o colombiano reencontrou a sua melhor forma. Depois de ver Chris Froome e a Sky praticamente humilhá-lo (tão cedo não esquecerá o Mont Ventoux), Quintana foi aquele trepador que quando está bem dificilmente alguém o acompanha. Mete aquele ritmo certo e elevado e deixa os adversários a olhar para as suas costas. E foi o que Chris Froome viu... durante um bocado... depois deixou mesmo de o ver.

A demonstração de superioridade deste sábado coloca desde já Nairo Quintana como o grande favorito, ainda que numa competição com tanta montanha e com um contra-relógio na antepenúltima etapa, as diferenças são demasiado pequenas para antecipar um triunfo, até porque nunca se sabe o que esperar de Froome e, agora, de Alberto Contador. Sim, o espanhol teve uma reacção fantástica à queda de ontem. Não só minimizou perdas para o colombiano como até ultrapassou Froome pouco antes da meta. Contador está na luta, mesmo com 1:39 para recuperar.

Quintana queria aquela camisola vermelha. E agora? Estará a Movistar preparada para a defender durante duas semanas? Já nesta etapa levantou-se a questão, pois rapidamente o colombiano ficou apenas com Rubén Fernández e Alejandro Valverde, que nunca saiu da sua roda. A equipa espanhola será a partir de agora obrigada a desgastar-se para controlar as etapas. Quando Fernández ficou na liderança, a Movistar rapidamente quis livrar-se da camisola vermelha. Mas agora é mesmo a sério. Agora é Quintana quem se impôs e terá de ser defendido.

A Movistar vai precisar mais do que o jovem Rubén Fernández. Daniel Moreno terá de aparecer, tal como José Herrada. O seu líder vai precisar de protecção. Ou não? Será que Quintana conseguirá vencer com uma ajuda mínima da equipa? Afinal a Sky está longe do poderio demonstrado do Tour, a Tinkoff nada faz para proteger Contador, Johan Esteban Chaves - que hoje não esteve nada bem - terá quanto muito Simon Yates e Samuel Sánchez ou John Darwin Atapuma, da BMC, não assustam nada.

Falta muita montanha e ao contrário da Volta a França, poderemos estar a preparar-nos para assistir uma luta directa entre candidatos e não uma batalha entre uma equipa e quem se atrevia a tentar atacar, como aconteceu no Tour. Neste momento Alejandro Valverde até é segundo a 19 segundos, mas não atacará certamente o seu líder agora que este está de vermelho, faltando saber como irá a presença na terceira grande volta do ano afectar o seu rendimento. Se se aguentar, poderá ser uma ajuda preciosa para Quintana.

Chris Froome está a 27 segundos e disse que está a sobreviver. Bluff? Talvez só na terceira semana se consiga perceber ao certo se o britânico estará mesmo em condições de conseguir cumprir o objectivo de ganhar o Tour e a Vuelta no mesmo ano. Contador é uma incógnita, mas pelo menos podemos contar com ele para a restante competição.

Esta é a segunda vez que Quintana veste a camisola vermelha. Em 2014 estava precisamente nesta posição quando teve uma queda violenta no contra-relógio que acabou por forçar o seu abandono.

José Mendes, Bora-Argon 18, continua a fazer uma boa Vuelta e é o melhor português. Este sábado foi 45º a 6:53 minutos do vencedor, o surpreendente Sergey Lagutin. Na geral, o campeão nacional é 28º a 4:25 de Quintana.

Quanto a Lagutin, o russo de 35 anos nem queria acreditar que tinha vencido no Alto de la Camperona. O próprio admitiu que nesta fase da carreira já não esperava alcançar a maior vitória, conquistando uma etapa numa grande volta. Mais uma vez, uma fuga triunfou, sendo uma vitória muito desejada pela Katusha de José Azevedo, que sem Joaquim Rodríguez, está na Vuelta precisamente para tentar vencer etapas. Tiago Machado já tinha tentado duas vez, Lagutin concretizou.

Etapa 9: Cistierna- Oviedo / Alto del Naranco (164,5 quilómetros)




Começa em alto, sobe mais um pouco (segunda categoria) e depois tem uma longa descida (atenção a ela), até que é o momento de passar por três terceiras categorias e terminar numa segunda categoria de 5,7 quilómetros a 6,1% de pendente média. Um dia de "rompe pernas" e que será favorável para mais uma fuga triunfar.


Resumen - Etapa 8 (Villalpando / La Camperona... por la_vuelta

26 de agosto de 2016

O fantasma das quedas de Alberto Contador

Aconteceu outra vez. Quase parece inacreditável. Alberto Contador caiu novamente numa grande volta e não poderia ter acontecido em pior altura. O espanhol foi ao chão perto da meta e ficou com o lado esquerdo do corpo mal tratado. O sucedido até provocou uma rara demonstração de frustração pública do ciclista. Parece que nada está partido, mas vêm aí três dias de montanha. Com 1:52 minutos para recuperar, a incerteza sobre a condição física de Contador coloca outra vez muitas dúvidas sobre o futuro do líder da Tinkoff numa corrida... tal como na Volta a França.

Contador cortou a meta com ferimentos bem visíveis no ombro, braço e perna esquerda. Quase parecia um déjà vu do Tour. Desta fez, claramente furioso, até falou de imediato aos jornalistas: "Estava muito bem posicionado, mas, de repente, alguém que não gosta de usar os travões cortou à minha frente e eu caí. Agora o meu lado esquerdo está cortado, tal como o meu pulso", salientou, desabafando de seguida: "As coisas estão a ficar muito complicadas." Afastou-se atirando um dos bidãos para o chão.

Estará a frustração a apoderar-se de Alberto Contador? No ano passado teve uma queda no Giro e andou vários dias com um problema no ombro que acabou por superar e vencer a competição. Porém, este ano dedicou-se exclusivamente à preparação para a Volta a França, para finalmente conquistar a sua terceira. Desde 2009 que não vence a prova, ou seja, desde que foi suspenso por doping e lhe ter sido retirada a vitória de 2010.

Em 2015, a ambição - mais de Oleg Tinkov, patrão da equipa, do que a de Contador - de vencer Giro e Tour no mesmo ano acabou por ser de mais e o espanhol não teve forma física para acompanhar Chris Froome e Nairo Quintana. Em 2014, caiu no Tour, quando estava num bom momento. Fracturou a tíbia, mas recuperou a tempo de vencer a Vuelta. Este ano, o espanhol esperava reencontrar refúgio "em casa" depois da dolorosa desistência na Volta a França, ainda mais porque tem a tendência a ganhar quando participa na Vuelta.

Porém, parece estar mesmo numa maré de azar e este sábado será, provavelmente, o dia mais importante na corrida para Contador. Terá 173 quilómetros para rolar e perceber a sua condição física antes do teste final: 8,5 quilómetros a subir uma pendente média de 7,4%, que chega a ter 25% e o último quilómetro varia entre os 17 e os 20%, até aos 14 no final. Subida violenta que poderá ser o primeiro momento para os candidatos se mostrarem, mas para Contador será o teste para saber se tem condições para continuar na luta, pois até à queda, o seu discurso era animador e de quem acreditava ser possível recuperar o tempo já perdido. É o momento para mostrar o seu carácter e esperar que o seu corpo responda favoravelmente para que a frustração não o domine de vez.

Se já não fosse conhecida a transferência em 2017 para a Trek-Segafredo, por esta altura começar-se-ia a discutir se não seria altura do espanhol mudar de ares. Para já, a discussão é apenas se Contador estará a entrar numa fase descendente da carreira aos 33 anos. É difícil acreditar quando se vê o espanhol ter exibições como na Volta ao Algarve, Paris-Nice, Volta ao País Basco ou mais recentemente na Volta a Burgos.

Definitivamente a relação com o Tour está difícil, pois não há dúvidas que aquela suspensão por doping - no estranho caso que ficou conhecido como "bife à Contador"  - afectou o ciclista, que nunca mais foi bem o mesmo quando regressou à competição. No entanto, é difícil acreditar que esteja acabado.

Não nos podemos esquecer que até disse que terminaria a carreira este ano, antes de mudar de ideias e ficar mais dois e até sonhar ter a sua própria equipa, comprovando que fisicamente sente que ainda tem algo para dar. Não, Contador não está acabado, mas que é perseguido pelo azar, isso é verdade.

A motivação perfeita da IAM


(Fotografia: Team Sky)
Depois de três anos de poucas vitórias e a maioria pouco relevantes, a equipa suíça anunciou que 2016 seria a última temporada. Ora a equipa provou como uma notícia negativa pode servir de motivação. A IAM está a fazer a melhor temporada da sua história: está a apenas de uma vitória de igualar o máximo alcançado em 2014 (17), mas entre as 16 deste ano estão uma em cada uma das grandes voltas. Primeiro foi Roger Kluge no Giro, depois Jarlison Pantano no Tour e agora Jonas van Genechten na Vuelta. Ou é o desejo de sair em grande ou a vontade de mostrar serviço dos ciclistas que procuram equipa para 2017...

A etapa foi animada nos últimos quilómetros com ataques e contra-ataques, com um homem a ficar muito frustrado: Luis Leon Sanchez (Astana) foi apanhado apenas a poucos metros da meta. José Gonçalves (Caja Rural) também parecia querer intrometer-se na discussão do sprint, mas ficou envolvido na queda.

John Darwin Atapuma (BMC) continua a sorrir. O colombiano vai entrar nas três etapas de montanha antes do dia de descanso como líder e terá a oportunidade para mostrar se tem capacidade para andar ao ritmo dos candidatos. Já o colega Samuel Sánchez - e líder da equipa - não acabou a etapa muito sorridente, pois foi mais um que também caiu.

Etapa 8: Villalpando-La Camperona / Valle de Sabero (181,5 quilómetros)
Eis daquelas etapas um pouco estranha. Basicamente o pelotão vai rolar até aos 8,5 quilómetros final, onde lhes espera um inferno. O Alto de la Camperona até pode ter uma pendente média de 7,4%, mas é porque o início é relativamente acessível, mas depois vêm 25% de inclinação, 20%, 17%, 10% e terminam nos 14%. Dia que poderá ser importante para a geral.


Resumen - Etapa 7 (Maceda / Puebla de Sanabria... por la_vuelta

25 de agosto de 2016

"Não é um Mundial muito bom para nós"

Nelson Oliveira é, provavelmente, o único com lugar garantido no Qatar
(Fotografia: Facebook do ciclista)
Terminado os Jogos Olímpicos, José Poeira já prepara os Mundiais do Qatar, que este ano realizam-se um pouco mais tarde, de 9 a 16 de Outubro. E as dores de cabeça são muitas. Os percursos, tanto para a prova em linha como para o contra-relógio, não são os mais indicados para os que neste momento são os ciclistas portugueses que mais se destacam. Até Rui Costa poderá ficar de fora.

As dúvidas são muitas para o seleccionador nacional que tem muito a ponderar para escolher os três ciclistas que levará a Doha para a prova em linha. Começa por um percurso plano, ou seja, este ano é para sprinters e, por isso, os grandes nomes como Kittel, Cavendish, Greipel, Viviani, entre outros, têm como um dos objectivos da época os Mundiais. Depois José Poeira tem de pensar nas condições que esperam os ciclistas, principalmente as altas temperaturas que acompanharão os 257,5 quilómetros.

Corrida tem 257,5 quilómetros, 150 pelo deserto do Qatar
"Não é um Mundial muito bom para nós", desabafou José Poeira ao Volta ao Ciclismo. Desde que Rui Costa conquistou o título em 2013 que Portugal vai sempre sonhando com nova vitória. Porém, o Qatar é para os homens rápidos e o seleccionador disse que "temos alguns sprinters", mas colocou o problema da falta de competição. "Agora temos os circuitos e depois até Outubro não temos corridas. Os outros países vão ter as clássicas do Canadá, em Itália, corridas de 200 quilómetros com todos aqueles que são do World Tour. Nós não temos nada disso", explicou.

Questionado se Portugal poderia apostar numa fuga para tentar surpreender, José Poeira considera que nos Mundiais as fugas serão para esquecer: "Não vão ter sucesso. As equipas com sprinters vão fazer tudo para anulá-las."

Perante o percurso, José Poeira mantém-se em silêncio quanto a possíveis convocados e nem o campeão do mundo de 2013 está garantido. "O Rui Costa não tem um calendário muito fácil. Ele quer fazer o Europeu após as clássicas do Canadá. O Mundial é um pouco fora de época e é um percurso onde ele não vai fazer diferença nenhuma", referiu.

No contra-relógio "pela lógica o Nelson Oliveira estará lá". O ciclista vai estar na prova por equipas com a Movistar, mas apesar do sétimo lugar nos Jogos Olímpicos, José Poeira alerta que no Qatar será diferente. "O percurso é mais plano. O Nelson vai dar o seu melhor e fazer tudo para ter um bom registo, mas o percurso não ajuda. Quem gosta de mais plano vai ter vantagem", referiu.

Deixou em aberto a possibilidade de levar um segundo contra-relogista, como Rafael Reis, por exemplo. "Ele tem feito os mundiais, foi a Richmond, ganhou muitos contra-relógios ou ficou nos primeiros lugares... A época foi boa e enquanto júnior o Rafael até mostrou mais do que o Nelson", disse.

"Os Jogos Olímpicos não nos correram mal"

Rui Costa foi colocado como um dos candidatos a uma medalha nos Jogos Olímpicos e o ciclista português assumiu esse favoritismo. "Era o objectivo dele e ele preparou-se para discutir a corrida", salientou José Poeira. Porém, perante as circunstâncias da corrida, principalmente uma queda que partiu o grupo no qual estava o português e a própria queda de Nelson Oliveira, que assim não pôde ajudar na perseguição, o seleccionador considera que o décimo lugar "foi muito bom".


"Falava-se das subidas como as grandes dificuldades, mas ninguém falava das descidas e foram as descidas que decidiram os pódios"

"Os Jogos Olímpicos não nos correram mal, mas queremos sempre mais e o mais é chegar ao pódio, mas isso também não é assim tão fácil. No entanto, dentro de uma lógica conseguimos atingir os nossos objectivos, daquilo que nós pensávamos ser possível, que era ficar nos dez primeiros", salientou.

José Poeira recordou uma corrida muito complicada, que criou problemas a muitos países: "Falava-se das subidas como as grandes dificuldades, mas ninguém falava das descidas e foram as descidas que decidiram os pódios."

Quanto ao sétimo lugar de Nelson Oliveira no contra-relógio - que lhe valeu um diploma olímpico -, o seleccionador lembra como há quatro anos o português foi a Londres2012 não tanto pelo resultado (18º), "mas para preparar estes, preparar o ciclo olímpico". O objectivo era o atleta "perceber como estava no momento e onde poderia chegar" e também para a equipa técnica perceber como estava Nelson Oliveira e preparar a sua evolução para o Rio2016.


"Sempre achei que quando tivesse 27 anos que ele [Nelson Oliveira] entraria nas grandes discussões do contra-relógio."

Recordando o trabalho que tem sido feito com Nelson Oliveira, José Poeira referiu que era importante ir encurtando distâncias, primeiro para os dez primeiros e agora que essa fase "foi ultrapassada", pensa-se em resultados entre os melhores. "Está cada vez mais próximo. Nos próximos quatro mundiais, nos próximos Jogos Olímpicos, ele vai melhorar alguma situação e ficar mais próximo do pódio", disse.

Estar na Movistar, equipa que trabalha muito o contra-relógio, "é sempre positivo, mas também vem dele", considera José Poeira. "Sempre achei que quando tivesse 27 anos que ele entraria nas grandes discussões do contra-relógio."

O futuro do ciclismo português

Portugal vai cada vez mais tendo ciclistas a nível de World Tour e José Poeira considera que "o futuro do ciclismo está de boa saúde". "Temos nos sub-23 e nos juniores bons ciclistas e nos cadetes estamos num bom caminho", realçou. Acrescentou que em 2015, alguns dos que integraram a selecção de juniores estiveram "a bom nível lá fora". "Este ano temos dois que se destacam e temos alguns de primeiro ano que dão sinais de serem bons."

José Poeira fala nas limitações que o facto de Portugal ser o país periférico traz para a evolução em competição dos jovens ciclistas, ao contrário de países como "França, Alemanha, Holanda ou Itália, que estão mais no centro da Europa e têm a oportunidade para fazer corridas boas e também correm mais vezes." "Nós temos de deslocar tudo daqui e fica muito mais caro, mas temos feito", frisou.


"Vamos encontrando talentos que sabemos que são corredores de bom nível e que, mais cedo ou mais tarde, vão estar entre os melhores do mundo"

Apesar das dificuldades, o seleccionador afirmou que sempre vão encontrado ciclistas e que "têm aparecido corredores que se destacam". "Se calhar eles [outros países] têm 30 para escolher seis e nós temos seis e a ver se nenhum se aleija! Mas vamos encontrando talentos que sabemos que são corredores de bom nível e que, mais cedo ou mais tarde, vão estar entre os melhores do mundo. Não temos muitos, mas aproveitamos bem o que temos."

Infelizmente não será possível aproveitar Ruben Guerreiro nos Mundiais, em sub-23. Aos 22 anos, o jovem português prepara-se para integrar a Trek-Segafredo em 2017 e estrear-se no World Tour. Porém, neste momento um ligeiro problema físico faz com que José Poeira prefira poupá-lo e garantir que ele possa entrar bem na nova equipa.

»»O que se pode concluir da participação dos nossos ciclistas nos Jogos Olímpicos««