30 de abril de 2020

Ciclismo virtual veio para ficar?

(Imagem: Print Screen Zwift)
Nos últimos dois anos o ciclismo virtual começou a ganhar algum destaque. Até houve uns campeonatos nacionais no Reino Unido, a UCI juntou-se à plataforma Zwift para organizar um Mundial, a Canyon fez uma equipa exclusiva para competir neste mundo virtual e até há um concurso que abre as portas do profissionalismo "real" a quem ganhar no virtual. No entanto, entre os profissionais que fazem da estrada a sua modalidade, este tipo de plataformas servia até há dois meses, quanto muito, para alguns treinos se por alguma razão não pudessem sair de casa. Em dois meses, uma boa parte do mundo ficou mesmo fechada em casa e nunca se falou tanto de ciclismo virtual, que até já tem honras de transmissão televisiva.

A BBC, por exemplo, transmitiu a Volta à Suíça digital, o Eurosport e a Global Cycling Network vão a partir de 4 de Maio e até dia 8 lançar o Tour for All. Entre as 14 e as 16 horas será possível ver ciclistas das equipas Alpecin-Fenix, Bahrain-McLaren, CCC, Groupama FDJ, Israel Start-Up Nation, NTT, Rally Cycling, Cofidis, Mitchelton-SCOTT, EF Pro Cycling a competir na plataforma Zwift. As senhoras não foram esquecidas e a Boels Dolmans, Canyon//SRAM Racing, CCC-Liv, Drops, FDJ Nouvelle-Aquitaine, Futuroscope, Team Twenty20, Tibco, Rally Cycling terão representantes.

Se são vários os ciclistas que torcem o nariz a este tipo de competições, também são muitas as equipas que perceberam que estas são um modo de tentar expor os seus patrocinadores. Não tem, nem de perto nem de longe, o impacto mediático do ciclismo "normal", mas o mundo virtual acaba por ser um veículo importante para mostrar os nomes de quem paga para dar nome às equipas e lhes dar vida. Algumas formações têm estado, inclusivamente, muito activas em organizar treinos, convidando o público em geral a participar. A maioria fá-lo através das plataformas como o Zwift, mas também há o treino com um ciclista a orientar o idêntico a uma aula através do Instagram, por exemplo. De referir que estes exemplos estendem-se às equipas de elite portuguesas.

Por cá há uma Volta a Portugal virtua, lá fora, já se assistiu a uma Volta a Flandres, haverá um Giro... Também se tem assistido a pedaladas solidárias, como foi o caso de Geraint Thomas que pedalou 12 horas por dia durante três, para angariar dinheiro para o serviço nacional de saúde britânico. Com tanta incerteza quanto ao regresso do ciclismo, vão somando-se as iniciativas, com cada vez mais grandes nomes da modalidade a participarem.

Tom Dumoulin e Steven Kruijswijk, da Jumbo-Visma, não são fãs e não acreditam que este tipo de ciclismo demonstre a verdadeira forma de um atleta. Compreensível, até porque as distâncias são bem diferentes. Recentemente Kruijswijk até falou como tacticamente, este tipo de corridas diferem em muito de quando se compete na estrada. Quem tem participado nas provas virtuais, concorda com estas afirmações, mas destaca o lado positivo de ir tendo alguns objectivos, uma ajuda em encontrar motivação numa fase tão difícil e com o futuro cada vez mais incerto não só em termos de calendário, mas igualmente para a sobrevivência das equipas e do actual modelo que sustenta a modalidade. Remco Evenepoel (Deuceninck-QuickStep) e Greg van Avermaet (CCC e vencedor da Volta a Flandres virtual) realçam também como as corridas pode ser muito mais curtas, mas o esforço físico é intenso. Ou seja, não deixam de ser bons treinos, perante as limitações actuais.

Apesar da UCI estar a tentar preparar o regresso às competições (muitas só vão realizar-se em 2021, se for possível), mas estando dependente do que acontecerá nas próximas semanas relativamente ao vírus que paralisou o mundo, o ciclismo virtual vai continuando a ter uma forte expressão. Porém, aos poucos todos os atletas já vão tendo em perspectiva de poder treinar na estrada. Em países como Espanha e Itália, por exemplo, os ciclistas não podem sair de casa, na Bélgica podem treinar. Na Colômbia, Egan Bernal até se pode considerar um privilegiado, pois o autarca de Zipaquirá autorizou que o corredor da Ineos e os restantes ciclistas profissionais da cidade - Brandon Rivera (Ineos), Camilo Castiblanco (Team Illuminate), Diego Vasquez (Colnago CM) e Diyer Rincon (Focus Team  VTT) - possam a partir de segunda-feira treinar entre as cinco e oito da manhã. Se forem juntos, têm de deixar cinco metros de distâncias entre eles.

Mas vai o ciclismo virtual continuar a ter uma expressão tão forte quando houver alguma normalidade?

Esta fase de confinamento foi, provavelmente, um enorme empurrão para este tipo de ciclismo (os smart trainers praticamente esgotaram na Europa) e no que diz respeito a ciclistas amadores, ou apenas a apreciadores, é possível que o mundo virtual se torne num chamariz ainda maior. Estas plataformas podem mesmo estar em fase de crescimento entre o público em geral, digamos assim. Contudo, pedalar ao ar-livre será difícil de passar para segundo plano para a maioria dos praticantes.

Já os profissionais não hesitarão em pedalar onde mais gostam, onde o ciclismo é de facto espectacular e onde as audiências televisivas são expressivas. Peter Sagan (Bora-Hansgrohe), que tem andado afastado da virtualidade, disse que não era um ciclista virtual, mas sim real. E todos querem viver a realidade da emoção de bermas cheias de públicos, mas é inegável que trancados em casa, os ciclistas viram as provas virtuais uma opção.

Continuamos à espera que alguma normalidade regresse. Até lá, o mundo virtual conquista o seu espaço, específico, menos mediático, mas veio para ficar.


21 de abril de 2020

Garra dos ciclistas para ultrapassar o desalento

por Sofia Santos

© João Fonseca Photographer
Estamos a receber notícias diariamente que tanto dão esperança, como nos deixam confusos. Se por um lado parece que a percentagem de infectados por dia é relativamente pequena, por outro a realidade é que o seu total não para de aumentar a larga escala. Outra coisa que nos dá esperança, a UCI lançou algumas datas e mencionou algumas das provas que se irão realizar ainda está época (vamos ter época). Mas, para quem não faz parte do grupo de ciclistas inseridos nestes pelotões, a incerteza do futuro mantém-se. Temos datas de campeonatos nacionais, uma lufada de ar fresco que permite perceber que a competição voltará à estrada. Mas, apenas isso não chega.

Em conversa com alguns ciclistas a quem gosto de chamar amigos percebi o desalento que estes possuem no momento. Sim, sabem que vão voltar a competir mas não sabem quando nem em que condições. Este desalento pode trazer agarrado a si algumas consequências negativas. Desmotivação, ansiedade generalizada, raiva, sentimento de impotência e injustiça são algumas das coisas pelas quais os ciclistas (e não só) poderão estar a passar.

Não é fácil continuar a treinar sem saber quando regressar às estradas (montes, pistas) para competir, é necessário ser muito resiliente para não ter vontade de desistir de tudo. E mesmo os mais resilientes poderão passar por isso. Isso não significa nada mais do que são humanos. 

Com esta pandemia, todos nós passamos por dias bons e dias maus, temos momentos de esperança e desespero, procuramos dar o melhor de nós ou nem queremos sair do sofá. Tornasse importante para cada um de nós perceber se o desalento é passageiro ou uma questão e, neste último caso, não ter medo de pedir ajuda a que nos estendam a mão.

Em Portugal existem cada vez mais psicólogos especializados em desporto e/ou situações de crise que se podem tornar bons aliados neste momento. É preciso ter coragem para sair de casa e ir treinar, mais coragem é precisa para pedir ajuda. Uma coisa boa desta pandemia, mesmo afastados, não estamos sozinhos.  O bicho não nos irá vencer, para isso basta lutar, ficar em casa e, se necessário, pedir ajuda a quem nos estenda a mão.

O futuro é incerto, sempre foi, mas a garra dos ciclistas portugueses é uma constante e juntos voltaremos a correr as estradas portuguesas! Estou e estarei aqui para esticar a mão a qualquer ciclista que o necessite.

»»O exemplo importante que os ciclistas profissionais estão a dar««

Sofia Santos, formada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, aficionada pelo ciclismo. Costuma galgar as estradas portuguesas atrás, frente ou no meio do pelotão mas irás encontrá-la mais facilmente no velódromo às voltinhas pela pista. Psicóloga de profissão, seguidora de ciclismo por paixão e de momento, super-heroína do sofá de onde sai quando não há outra solução, por si e por todos!

15 de abril de 2020

Tour com nova data num calendário possível e sempre rodeado de incerteza

© ASO/Pauline Ballet
A UCI começa a delinear a época possível de ciclismo a partir de Agosto, no que diz respeito a provas World Tour, com a suspensão total a durar até ao final de Junho. Para já... Com tanta incerteza, o organismo tenta passar a mensagem que as grandes voltas e os monumentos vão realizar-se num calendário adaptado à realidade, ou seja, até Novembro. A grande novidade foi a nova data da Volta a França, a corrida que todos mais querem ver na estrada, tanto pelo dinheiro que mexe internamente, como na importância que tem para os patrocinadores das actuais estruturas, que muito desejam a maior da exposição mediática que o Tour sempre traz.

Entre 29 de Agosto e 20 de Setembro, o pelotão espera então partir de Nice, num percurso que será o mesmo apresentado em Outubro. Sem surpresa, a notícia foi recebida com alívio e satisfação por parte de responsáveis de equipas e dos ciclistas. Numa fase em que é difícil delinear objectivos, com este agendamento, alguns atletas passam a ter uma data concreta em que pensar. O Giro poderá ser agendado para depois dos Mundiais em Aigle-Martigny (Suíça), que se mantêm agendados entre 20 a 27 de Setembro.

Será a primeira vez na história que o Tour irá realizar-se tão tarde, pois a data mais tardia de um final foi a 9 de Agosto de... 1908. Já a Vuelta está mais habituada a mudanças e em 2020 a melhor das perspectivas apresenta-se no mês de Novembro. Nunca uma grande volta aconteceu tão tarde. De recordar que duas das etapas estão previstas passar por Portugal. Itália e Espanha são os dois países europeus com mais casos de Covid-19, assim como com mais mortes.

No comunicado da UCI é ainda salientado que os cinco monumentos (Milano-Sanremo, Volta a Flandres, Paris-Roubaix, Liège-Bastogne-Liège e Lombardia, esta última prevista só em Outubro) vão ter também novas datas e que será feito um esforço para que o maior número de outras provas possam ter também realizarem-se. De realçar que os Campeonatos Nacionais passam do final de Junho para 22 e 23 de Agosto.

O plano é que até meio de Maio fique definido o novo calendário, numa altura em que se espera já perceber melhor como estará a situação nos diferentes países. Em muitos, a taxa de infecção de Covid-19 tem vindo a descer e alguns já começaram a aligeirar as medidas de contenção. Por essa razão e como em países como Espanha, por exemplo, não é sequer permitido os ciclistas treinarem na rua, a UCI, juntamente com os principais organizadores de corridas, representantes das equipas e dos ciclistas, optaram por atrasar ao máximo a Volta a França. A incerteza irá manter-se, mas além da esperança de realizar esta e as outras corridas, todos querem ter tempo para treinar.

A realização do Tour talvez assuma uma importância ainda maior este ano. Mais do que nunca os patrocinadores vão querer expor a sua marca. Algumas equipas já reduziram os ordenados dos seus ciclistas durante esta paragem competitiva, enquanto da CCC as notícias são mais preocupantes, com a empresa a enfrentar problemas financeiros, agravados com a situação actual.

O calendário que está a ser preparado terá sempre muitos "ses" a enfrentar. A Volta a Itália está longe de garantida, mesmo numa fase mais tardia do ano, o que poderá também colocar em causa a Milano-Sanremo e a Lombardia, dois monumentos que se realizam em zonas que mais estão a ser afectadas pelo coronavírus.

O espectro de uma segunda vaga de infecções de Covid-19 também não pode ser afastado, mas há que lidar com o presente e pensar num futuro em que tudo esteja um pouco melhor para, pelo menos ter tudo preparado para colocar na estrada algumas corridas, se for possível.

Em Portugal, os olhos estão postos na Volta a Portugal (de 29 de Julho a 9 de Agosto) que as equipas nacionais muito esperam que não sofra qualquer alteração e muito menos um cancelamento. Além disso, o desejo de responsáveis, ciclistas e da Federação Portuguesa de Ciclismo é que sejam reagendadas as provas (ou pelo menos algumas) que já foram canceladas, numa temporada que, sendo assim, se prolongaria até Outubro. Actualmente, a última corrida é a Rota da Filigrana, marcada para 12 de Setembro, sendo que só se realizaram a Prova de Abertura Região de Aveiro, Volta ao Algarve e Clássica da Primavera.


12 de abril de 2020

Quando Paris-Roubaix passou a ser dia santo

(Fotografia: Facebook Paris-Roubaix)
Este domingo era suposto ter sido aquele dia do ano em que ficaria seis horas ou mais, se fosse, preciso a ver o meu querido Paris-Roubaix. Passei a chamar o dia deste monumento o meu dia santo (e não é porque, por acaso, até coincidiria com a Páscoa neste 2020). Ou seja, quando há Paris-Roubaix, há que tentar estar de folga ou férias e que ninguém me chateie!

O telemóvel até tem direito a descanso. Levantar do sofá, só para o almoço e uns snacks previamente preparados. E alguma eventual ida à casa-de-banho! Este ano, sem Paris-Roubaix fica mais um vazio de ciclismo que já dura há um mês, mas quando tanto se gosta desta clássica, foi um dia que custou ainda mais a passar.

Recuo então a quando decidi tornar a data desta corrida o meu dia santo! 8 de Abril de 2012. O culpado? Tom Boonen. Apesar de adorar Fabian Cancellara, sempre fui um pouco mais "team Boonen". Ver os dois disputar as clássicas é uma das principais razões que me tornaram tão fã de ciclismo.

Naquele fim-de-semana tocou-me a mim estar escalada para trabalhar. Nada de muito preocupante. Talvez desse para ir espreitando a corrida, pensei eu, se o dia fosse calmo. Até deu, mas pouco. Resultado? Perdi o ataque de Boonen a 50 quilómetros da meta e só a espaços consegui ir vendo a força da natureza em que o belga se transformou para ganhar o seu quarto Paris-Roubaix. Seria também o último.

É raro dizer que esta corrida foi chata. O percurso em si não deixa que tal possa acontecer com frequência. Tantas foram as vezes que passa a ser mais do que uma corrida. É uma questão de sobrevivência para chegar ao fim. A eliminação de candidatos a cada sector de pavé, o elevado risco de furos, avarias, quedas... Basta um azar para terminar com sonho de vitória e até "apenas" para cortar a meta. O caos vira espectáculo no Paris-Roubaix. E então quando chove... 

Este raio de coronavírus está a roubar tanto a todos nós... Ficando pelo ciclismo, desde aquele dia de Boonen que não mais falhei esta corrida, agradecendo ao Eurosport por ter começado a transmitir na íntegra, pois muito muda na análise e acompanhamento da corrida. Desde então foi possível assistir a mais um grande triunfo de Cancellara, a Peter Sagan finalmente vencer no velódromo e ver Philippe Gilbert ficar mais perto do pleno em monumentos ao ganhar no ano passado. Para dar três exemplos, pois pelo meio houve muitas mais exibições para recordar.

Fica a esperança que talvez se possa disputar numa fase mais tardia da temporada, senão é esperar que não haja vírus algum a trocar-nos as voltas em 2021, pois lá estarei, com tudo preparado para mais uma maratona televisiva de Paris-Roubaix.


10 de abril de 2020

O exemplo importante que os ciclistas profissionais estão a dar

por Sofia Santos

© Podium/Paulo Maria
E será que o pico já passou? Será que já vamos a descer a montanha e ainda não o sabemos? Ou este é apenas um momento diferente ao qual temos de nos adaptar? 

Coisas concretas e que sabemos - o vírus continua cá, continua a aumentar o número de infectados e o número de mortes, aquelas notícias que não queremos ouvir mas são a realidade. Os nossos heróis das bicicletas continuam a treinar condicionados e o calendário continua em suspenso até junho. 

Do ponto de vista psicológico podem acontecer neste momento duas coisas importantes: a primeira, uma falsa ilusão de segurança que leve a que sejam tomados comportamentos de risco; a segunda, o continuar da incerteza que este tempo tem trazido, de sentir a vida suspensa, de não saber quando poder voltar a sonhar e como poder lutar pelo sonho. 

Continuamos a ter de manter o foco no treino, sem ter um objetivo mais concreto que o de não desistir ou de estar em forma quando isto passar (não esquecer que mesmo que as coisas acalmem, pedalar na estrada sem restrições não será possível logo de imediato, serão dados passos pequenos na conquista da liberdade e existirão coisas que só depois de uma cura ou vacina poderemos voltar a fazer).

Uma coisa de louvar que tenho visto ultimamente são diversos ciclistas profissionais a mostrar fotos de treino nos rolos. Isto mostra uma enorme responsabilidade por si e pelos outros uma vez que eles são modelos a seguir pelos mais novos, estão a ser modelo de garra e luta. Por outro lado, mostram que estão motivados e confiantes que isto irá terminar e que é preciso não desistir e continuar a treinar para estar preparado para a época que há-de vir. Deste modo, tornam-se fonte de esperança e inspiração para os que os seguem.

Este é o momento de louvar os esforços de todos os que tem dado o seu contributo para que esta pandemia passe. Eu quero louvar todos os ciclistas profissionais que tem demonstrado garra, motivação e resiliência pelos ensinamentos que nos dão, que mesmo os tempos sendo difíceis podemos adaptar comportamentos agora que nos permitam ser melhores e estar à altura dos desafios futuros.

Não sabemos quando isto irá acabar, não sabemos o que irá acontecer quando isto acabar, a incerteza é muita. No entanto, eu tenho uma certeza, pelo que tenho observado do pelotão nacional, quando o ciclismo voltar a galgar as estradas nacionais e internacionais, estará ao mesmo nível de antes ou ainda melhor, pois ser ciclista é mesmo isso, não desistir, lutar, adaptar, ter garra e dedicação.

Bem-hajam pela garra que nos contagia!

»»A importância da força mental na incerteza de quando regressará a competição««

Sofia Santos, formada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, aficionada pelo ciclismo. Costuma galgar as estradas portuguesas atrás, frente ou no meio do pelotão mas irás encontrá-la mais facilmente no velódromo às voltinhas pela pista. Psicóloga de profissão, seguidora de ciclismo por paixão e de momento, super-heroína do sofá de onde sai quando não há outra solução, por si e por todos!

5 de abril de 2020

Volta a Flandres virtual para combater o confinamento

(Imagem: print screen)
Por esta altura, é mesmo caso para dizer que uma vitória, é uma vitória. Mesmo que seja virtual. Greg van Avermaet (CCC) venceu a Volta a Flandres Lockdown Edition, que é como a quem diz, a edição do confinamento! Este é o monumento que o belga tanto persegue, mas que ainda não o alcançou, apesar de já somar três pódios. Virtualmente subiu ao primeiro lugar. Claro que está longe de ser a mesma coisa, mas parece que todos os participantes concordaram que acabou por ser divertido e sempre foi um objectivo que os ciclistas tiveram, quando não têm qualquer perspectiva de quando vão regressar à competição na estrada.

Este domingo era o dia para mais uma edição do monumento belga, mas com este confinamento que abrange tantos países, a solução foi procurar o que o mundo virtual já vai dando ao ciclismo. Nunca tanto estas plataformas foram faladas e segundo um meio de comunicação social inglês, até comprar trainers (smart ou não) começa a ser difícil pela Europa, tal é a procura. Para os profissionais é uma máquina de trabalho, pelo que foi "só" preciso aceitar o desafio.

Não se cumpriram os mais de 250 quilómetros que normalmente completam da Volta a Flandres, tendo os 13 eleitos cumprido os últimos 32, que incluíram passagens pelo Kruisberg, Oude Kwaremont e Paterberg. A plataforma foi a Bkool.

Sendo virtual, a corrida não deixou de ser encarada pelos ciclistas como algo a ganhar e claro, mais um treino intenso no trainer, que se calhar nunca foi tão utilizado. Transmitido em directo na televisão belga, por exemplo, também foi possível assistir via YouTube. Estar a olhar para imagens de um jogo não é particularmente motivante para quem assiste, mesmo que se saiba que se está a assistir ao esforço de grandes nomes do ciclismo. Por isso, a solução, no meu caso, passou por também montar a bicicleta no trainer e pedalar um pouco a ver a corrida!

E há que dizer que até houve entusiasmo. Remco Evenepoel havia brincado a dizer que o seu primeiro monumento seria um virtual. O belga, vencedor da Volta ao Algarve e um dos três ciclistas da Deceuninck-QuickStep (equipa mais representada), quis mostrar que é mesmo um todo-o-terreno, incluindo no mundo virtual. Foi ele quem começou a mexer com a corrida. Foi como (ou o mais parecido possível) assistir a uns quilómetros finais, onde já há um grupo reduzido na luta e quando é essencial ler-se de forma perfeita a corrida para saber que ataques se deve responder e quando se pode contra-atacar.

"No início fiquei chocado com a velocidade e por causa disso tive de ficar para trás no Kruisberg. Mas um pouco como na vida real, dei tudo no Paterberg [última subida]. Depois disso, fui no máximo até ao fim", afirmou Avermaet no final, em declarações ao Sporza. A transmissão incluiu câmaras nas casas dos ciclistas, que permita ir vendo como estavam. Ficou claro que não estava a ser fácil, com o "ar de esforço" a estar bem patente em todos. O ataque do belga deixou para trás os três ciclistas que ainda o acompanhavam.

(Texto continua após a imagem com a classificação)


Uma palavra para os comentários. Em inglês, mas há que dizer que o comentador bem tentou dar a sensação de realismo. Em nota pessoal, adorei o pormenor quando foi dito que Avermaet nem olhava para trás! Ou então, quando Michael Matthews (Sunweb) parou e  foi dada a possibilidade de ter sofrido um furo e estar à espera do carro! Por acaso, até teve um problema mecânico (com as mudanças), mas em casa, não houve carro de equipa para o ajudar.

Foram 43 minutos diferentes, até com algum divertimento e ajudou a treinar melhor em casa, pois no meu caso até pedalei com outra motivação! Relativamente ao grafismo e não sendo de todo uma especialidade, apenas se espera que o pavé passe a fazer parte, já que no jogo todo o percurso é feito em alcatrão! Pormenores que vão certamente sendo melhorados numa indústria que está em ascensão e que está a ser muito procurada agora que as saídas de bicicleta são desaconselhadas ou, em alguns países, mesmo proibidas.

Quem sabe se esta iniciativa se repita com outra corrida ou corridas. No YouTube foram mais de 40 mil visualizações (aquando da publicação deste texto). Mas que não se repita muito. Seria sinal de boas notícias e de mais liberdade de movimentos!

Em baixo pode assistir a toda a acção virtual da Volta a Flandres e recorde-se que vários ciclistas têm feito treinos no Zwift ou, para quem não esteja nesta plataforma, no Instagram e convidam todos a pedalar com eles. Até Alberto Contador já o fez. É uma questão de se ir vendo as redes sociais e os sites das equipas para ver datas e horas. É uma ajuda para ir passando o tempo e não perder a forma. Quem sabe... até melhorar!




»»A importância da força mental na incerteza de quando regressará a competição««

»»Mais tempo em casa e sem ciclismo para ajudar a passar as horas««

1 de abril de 2020

A importância da força mental na incerteza de quando regressará a competição

por Sofia Santos

Equipas de clube e Feirense só competiram na Prova de Abertura Região
de Aveiro e na Clássica da Primavera. Em Portugal, as restantes oito equipas
de elite estiveram ainda na Volta ao Algarve
Não, não vamos todos ficar bem nem vamos sair iguais desta pandemia. O que se passa neste momento a nível mundial é um ponto crucial de mudança na humanidade. A questão que se coloca é: mudar para o quê?

Neste momento estamos todos, ou deveríamos estar, a cumprir as normas do governo para nos protegermos a nós e aos outros. Nunca foi tão essencial ficar em casa, isolado, procura distância em vez de um abraço. Para além de todos os infectados, que ainda não sabemos que mazelas terão no futuro, e de todos os mortos que continuaremos a chorar, esta pandemia trás consigo outros infectados... Os infectados pela fome, pelos sonhos destruídos, pelos despedimentos, que irão naturalmente existir, pela falta de trabalho.

Neste momento apela-se a que fiquemos em casa. Os atletas, tal como os demais, estão a cumprir este aviso, muitos colocando em causa a sua carreira. Mas que consequências pode ter o Covid-19 para os mesmos?

Em primeiro lugar, uma questão importante, é a incerteza. A incerteza de continuar a competir, de quando irão as competições recomeçar, se é que a época 2020 sequer se vai realizar e se sim, em que termos. Mas, uma certeza existe, não se pode descuidar o treino pois quando a época chegar, é preciso estar ao nível da competição. Neste momento, existem já algumas datas que dão esperança aos atletas. As datas oficiais dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos foram publicadas e existe mais um ano de preparação para os mesmos.

No entanto, a nível nacional, isso não existe. Não se sabe quando o pelotão irá voltar à estrada, não se sabe como será a época. Mas sabemos que o ciclista não pode ficar no sofá, tem de treinar e manter os seus níveis de desempenho. Aqui surge mais uma das questões que esta pandemia traz. Por um lado, os treinos estão condicionados, mesmo podendo ir treinar para a rua, a motivação de andar nesta é diferente.

Por outro lado, um ciclista vai trabalhando a sua preparação com vista em objetivos concretos e que estão limitados no tempo, tempo esse que agora não existe. É diferente treinar para quando o calendário sem datas começar do que para uma prova daqui a duas semanas. Manter os níveis de motivação para o treino torna-se complicado mas os ciclistas não desistem, muitos são resilientes e adaptam-se às circunstâncias. No entanto, contrariamente a outras situações, aqui não sabemos, ninguém sabe, o que irá acontecer no futuro. Podemos estipular objetivos pessoais que nos motivem, mas não podemos planear uma época, o nosso planeamento é feito dia a dia, momento a momento, sendo o futuro uma incógnita maior que o normal.

Estamos a atravessar uma época de mudança, sem sabermos quando irá realmente a mudança acontecer ou para o que iremos mudar. A incerteza é uma constante e molda o quotidiano de todos. Não podemos combinar um café no meio do treino como ponto de encontro, temos de treinar sozinhos, não conseguimos sequer saber o que irá acontecer nos próximos tempos. 

Isto pode levantar medos, stress, ansiedades com as quais conseguimos ou não lidar. Nem todos estamos sempre bem, neste momento a definição de lidar bem com esta situação é difícil de dizer, é uma coisa muito própria de cada um. Mas, quando sentimos que não estamos a fazê-lo, existe um leque de profissionais que podemos procurar e que irão dar o seu contributo para que cheguemos ao fim disto com saúde mental. E pedir ajuda a um psicólogo é sinal de força e não de fraqueza, é sinal que aceitamos que precisamos de parar e que nos estendam a mão para continuar caminho.

o vamos chegar iguais ao fim desta pandemia como começámos, o mundo vai mudar e teremos de nos adaptar a ele. Felizmente, mesmo neste isolamento não estamos sozinhos.
Fiquem em casa, para que possamos em breve voltar a ver as cores das equipas de ciclismo a inundar de esperança e alegria as estradas portuguesas. Isto vai passar, a uma cadência mais rápida ou mais lenta, mas passará. Juntos faremos a diferença, estando separado por agora!

Sofia Santos, formada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, aficionada pelo ciclismo. Costuma galgar as estradas portuguesas atrás, frente ou no meio do pelotão mas irás encontrá-la mais facilmente no velódromo às voltinhas pela pista. Psicóloga de profissão, seguidora de ciclismo por paixão e de momento, super-heroína do sofá de onde sai quando não há outra solução, por si e por todos!