9 de abril de 2018

Sagan: os sonhos da juventude cumpridos e o respeito por Tom Boonen

(Fotografia: © Ralph Scherzer/Bora-Hansgrohe)
Podem insistir que Peter Sagan só tem dois monumentos, tendo já deixado escapar pelo menos outros tantos. Como é que Sagan vê a conquista do Paris-Roubaix: o cumprir dos três sonhos que tinha na sua juventude, numa altura em que o homem que disse que o eslovaco "devia estar calado" era um ídolo: Tom Boonen. O eslovaco está a escrever uma história muito própria nos Mundiais e esperava-se que estivesse a fazer o mesmo nos monumentos. Mas não lhe perguntem se trocaria alguma das camisolas do arco-íris por mais Flandres ou Roubaix: "Não o faria." Para o ciclista, os Mundiais são demasiados valiosos para abrir mão.

Depois veio a confissão: "Quando era mais jovem, sempre sonhei ganhar o Paris-Roubaix, primeiro, depois dos Mundiais e depois a Volta a Flandres." A ordem acabou por não ser essa, com a primeira camisola do arco-íris a ser conquistada em 2015 (e nos dois anos seguintes), em 2016 veio a Flandres e agora Roubaix. Claro que o importante é que alcançou o seus grandes objectivos. "É uma sensação incrível", disse.

Sagan não teve a melhor das épocas de clássicas, chegando a questionar-se, por vezes, sobre a sua condição física, além da eterna questão da falta de ajuda dos companheiros - a chegada de Daniel Oss foi positiva, mas insuficiente, com excepção de Roubaix - e da ausência de colaboração dos adversários, quando as alianças eram necessárias para discutir as corridas. Em 2018 vimos menos do tricampeão do mundo na estrada, com Sagan a preferir estar mais tempo com a família e viver a sua recente paternidade, mas principalmente fazer estágios em altitude.

Aos 28 anos, o eslovaco começa a gerir o desgaste físico. Para trás ficam as temporadas em que simplesmente queria ganhar tudo. 2017 foi um ano importante para perceber que tinha de mudar a sua postura, que não podia ir atrás de tudo e de todos, para muitas vezes acabar a ver os outros ganhar. A Gent-Wevelgem, há 15 dias, foi quase uma vitória de raiva depois de tanta frustração, mas faltava-lhe aquele grande triunfo, para que não ficasse a sensação que a fase do pavé de 2018 tinha sido um fracasso.

Este ciclista fora-de-série guardou o melhor para o fim, para um Paris-Roubaix onde muitos se tornaram lendas e Sagan já tem o seu cantinho e pode perfeitamente conquistar o lugar de destaque que lhe parece destinado nesta corrida. Ainda tem muitos anos pela frente e o passar da idade tem sido favorável a muitos ciclistas. Cada vez mais a experiência tem uma forte palavra quando é preciso transcender-se.

Mas mais do que palavras de circunstância sobre a vitória em Roubaix, era uma reacção às declarações de Tom Boonen que se procurava ter. O belga, uma das lendas deste monumento, com quatro vitórias, disse que Sagan não devia andar a criticar os outros por não colaborarem, quando era ele que andava na roda dos adversários. Disse mesmo que o tricampeão mundial "devia estar calado". A vitória ajuda a que a reacção seja a adequada e provavelmente a ajuda de terceiros para não responder a quente também teve a sua influência.

"Eu estava a falar se não trabalhássemos juntos, então a Quick-Step Floors iria ganhar. Não me estava a queixar, estava só a dizer a verdade", começou por dizer. Mas depois veio o que muito se aguardava: "Sobre o Tom Boonen, tenho muito respeito e vi-o quando era criança nestas corridas e ele era um grande ídolo e um grande ciclista. Não posso dizer nada contra ele, só tenho respeito."

É caso para dizer que Sagan colocou assim um ponto final neste assunto. Aliás, colocou quando ganhou o Paris-Roubaix da forma soberba como o fez. Atacou a 54 quilómetros da meta. Teve depois a colaboração de um Silvan Dillier, o campeão suíço que só foi chamado já em cima da hora pela AG2R para competir. E não esquecer que finalmente a Bora-Hansgrohe esteve à altura do momento. Foi o triunfo estrondoso que Sagan procurava e, para muitos, uma "chapada" para os críticos, para os que duvidarem dele... para Tom Boonen.

Agora é altura de ir até às Ardenas, mas competir na Amstel Gold Race, no próximo domingo, antes de uma pausa para começar a pensar na próxima fase da temporada: a Volta a França. Estará em Maio na Volta a Califórnia para tentar ampliar o recorde de 16 etapas ganhas, sendo uma corrida que simplesmente lhe faz bem ao ego, visto ser idolatrado pelos americanos. Em Junho estará na Volta à Suíça antes de partir para o Tour, que arranca a 7 de Julho. É possível que possa aparecer em mais alguma prova.

O Tour é algo que enfrentará com uma motivação ainda maior, com um sentimento de repor alguma justiça. Sim, é possível ter ainda mais motivação. Afinal Sagan não esquece que foi expulso há um ano - depois do incidente com Mark Cavendish -, perdendo a oportunidade de conquistar a sua sexta camisola verde, que lhe teria permitido igualar a marca de Erik Zabel. Sagan tem contas a ajustar com esta corrida, principalmente com a organização. A melhor forma de o fazer será ganhar.

Depois irá pensar nos Mundiais. Sagan não gosta que lhe digam que não pode conquistar um inédito quarto título consecutivo. O percurso é para trepadores, mas os estágios em altitude não são apenas para o imediato e sim a pensar nos Campeonatos do Mundo de Setembro. Aliás, o ciclista até poderá ter nos planos perder algum peso antes de viajar para Innsbruck. Seja o que for que tem planeado, certo é que Sagan não está a pensar entregar facilmente a camisola que utiliza há três anos. Vai à Áustria dar luta.

Peter Sagan pode ter cumprido os três sonhos da sua juventude, mas o que não lhe faltam são objectivos, como repetir mais umas quantas vezes os tais sonhos e juntar umas quantas vitórias no Tour. Mas será que algum dia irá pensar em tentar ganhar os cinco monumentos? Se quer preparar-se para enfrentar as subidas que até surpreenderam Vincenzo Nibali em Innsbruck, porque não numa próxima fase da carreira se possa preparar para atacar uma Lombardia, o tal monumento visto como para os trepadores. Mas entretanto terá de ganhar uma Milano-Sanremo que tem sido madrasta e a Liège-Bastogne-Liège, corrida que nunca participou.

Philippe Gilbert disse recentemente que teve uma altura na carreira em que competia com os trepadores, agora bate-se com os roladores, na procura da Milano-Sanremo e Paris-Roubaix para fechar o tal ciclo de monumentos. Sagan poderá fazer o contrário. Até lá, tem muito para tentar ganhar. Tem muita história para continuar a escrever.

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