24 de agosto de 2018

Uma Vuelta de segundas oportunidades e a pensar nos Mundiais

(Fotografia: © Photo Gomez Sport/La Vuelta)
No início da temporada os principais ciclistas não dizem vão apostar tudo na Vuelta. É o Tour o rei das escolhas, ou o Giro, com a Volta a Espanha a fazer normalmente parte de um "pacote" Giro/Vuelta ou Tour/Vuelta. E não, a corrida não tem sofrido em termos de qualidade e espectáculo por isso. Muito pelo contrário. Nas mais recentes edições, nenhuma desiludiu. A receita de preparar um percurso maioritariamente montanhoso é de sucesso, para desagrado dos sprinters. Mesmo aparecendo como segunda opção, como opção de recurso ou até como opção para preparar os Mundiais (como acontece com vários ciclistas este ano), a Vuelta tem sido fonte de espectáculo e emoção. Afinal é uma grande volta, logo é para tentar ganhar. 

Esta edição, a 73ª, não terá dois dos grandes nomes da modalidade da última década. Alberto Contador retirou-se (e está quase a fazer um ano desde o seu adeus, marcado pela espectacular vitória no Angliru) e em Espanha procura-se um sucessor; Chris Froome fez uma pausa na sua senda de grandes voltas, depois de quatro consecutivas e com três vitórias. Sem o britânico, a lista de candidatos perde um favorito inevitável no topo da lista. Mais uma vez, a corrida não sofre nada com isso. Pelo contrário, poderá só ter a ganhar. Espera-se uma Vuelta muito aberta.

Essa lista de candidatos é muito idêntica à do Tour, o que se percebe já que houve quem abandonasse ou falhasse por completo os objectivos nessa corrida. Nairo Quintana (Movistar) à cabeça, neste último caso. Vincenzo Nibali (Bahrain-Merida), Richie Porte (BMC) e Rigoberto Uran (EF Education First-Drapac p/b Cannondale) sofreram quedas que os obrigaram a deixar o Tour, com os dois primeiros a assumirem que não estão a 100%.

Tiesj Benoot (Lotto Soudal) também não terminou a Volta a França. Está noutro tipo de lista, dos ciclistas em evolução e de quem ainda não se sabe o que esperar em corridas de três semanas (vai ou não ser um voltista?). O jovem belga vai fazer a sua estreia na Vuelta e está com vontade de se mostrar depois da frustração em Julho. O ombro deslocado ainda o perturba, mas já garantiu para contarem com ele na luta por etapas. Aos 24 anos ainda não entra na lista dos nomes de topo para vencer uma grande volta, mas não é ciclista para passar ao lado de uma corrida como esta.

Bauke Mollema (Trek-Segafredo), Adam Yates (Mitchelton-Scott) e Rafal Majka (Bora-Hansgrohe) estiveram aquém do que as suas equipas esperavam no Tour, enquanto Ilnur Zakarin (Katusha-Alpecin) terminou a subir de forma em França, com Steven Kruijswijk (Lotto-Jumbo) à espera de conseguir manter um excelente momento. O quinto lugar no Tour demonstrou o melhor do holandês desde que em 2016 esteve tão perto de vencer o Giro.

Regressando a Nairo Quintana. O colombiano será o líder na Vuelta da Movistar, depois do tridente ter desiludido no Tour. Mikel Landa está fora devido a lesão e Alejandro Valverde poderá ir procurar etapas e apoiar o companheiro. Mas é melhor não excluir este espanhol de nada. Porém, é impossível não olhar para um nome: Richard Carapaz. O equatoriano ganhou uma etapa no Giro, foi quarto na geral e segundo na juventude. A afirmação definitiva pode muito bem acontecer já em Espanha, pois a Movistar não se pode dar ao luxo de passar novamente ao lado da "sua" corrida, como aconteceu em 2017, se Quintana falhar. O colombiano é o líder, mas é difícil vê-lo como indiscutível.


(Fotografia: © Photo Gomez Sport/La Vuelta)
Simon Yates (Mitchelton-Scott), Thibaut Pinot (Groupama-FDJ), Louis Meintjes (Dimension Data) têm contas a ajustar depois de um Giro que para o sul-africano foi completamente falhado e nem sequer terminou. Pinot acabou com uma pneumonia e não partiu para a última etapa, não recuperando a tempo de preparar-se convenientemente para o Tour. Yates viveu durante duas semanas um autêntico sonho, tendo acordado para um pesadelo perto do final do Giro que parecia estar quase garantindo.

Falta Fabio Aru. A contratação milionária da UAE Team Emirates que quis o Giro e não o Tour, nada tem a mostrar em 2018. Esteve completamente fora da discussão em Itália e abandonou. Se há ciclista pressionado a estar na luta pela vitória na Vuelta - que conquistou em 2015 - é o italiano. Daniel Martin também estará em Espanha, mas o irlandês tem uma vitória de etapa Tour e um top dez que o colocam agora mais com o papel livre de procurar mais algum triunfo, sem tanta pressão.

Wilco Kelderman é o ciclista que acabou por apontar tudo à Vuelta, ainda que por força das circunstâncias. Uma queda em Março e outra em Junho acabaram por afastá-lo da estrada durante algum tempo, pelo que a Sunweb mostra-se cuidadosa quanto à possibilidade do holandês repetir ou melhorar o quarto lugar de há um ano. Mas depois daquelas exibições, este corredor de 27 anos é um daqueles que muito se quer ver se se pode tornar definitivamente num líder, ainda que nesta equipa esteja sempre em segundo plano para Tom Dumoulin. Mas este não está na Vuelta. Porta aberta a Kelderman para estar na luta pela geral.

David de la Cruz fez o Giro, mas toda a época esteve a pensar na liberdade que lhe disse ter sido prometida pela Sky para a Vuelta. Fala como líder, mas a equipa britânica irá testar um Michal Kwiatkowski, para perceber de uma vez por todas se tem mais um voltista pronto a assumir as responsabilidades. Ainda assim De la Cruz quer aparecer entre os melhores.

Miguel Ángel López fica para o fim porque nesta excelente lista de candidatos, é o ciclista que até tem um bom resultado para mostrar. Apesar de ter começado mal o Giro, o colombiano foi recuperando tempo e chegou mesmo ao pódio. O terceiro lugar e a vitória na classificação da juventude foram mais um passo na confirmação deste talentoso ciclista, que na Vuelta tem de aparecer entre os favoritos, mesmo só tendo 24 anos. Ao contrário de Benoot, López é um puro voltista.

Com os Mundiais no pensamento

Os Mundiais são este ano para trepadores. É por isso, que nesta lista de candidatos, alguns estão a "retirar-se", pelo mesmo neste início de corrida, da luta pela vitória. Nibali e Porte já assumiram que a presença na Vuelta também tem como objectivo preparar a corrida de Innsbruck no final de Setembro. Porte já está a começar mal, pois uma gastroenterite afectou-o nestes últimos dias.

Quintana, Aru e López são talvez o trio que tem os Mundiais menos em mente nesta fase, mas que naturalmente também lá querem estar para os ganhar. Estes três apontam à vitória na Vuelta. Os restantes acabaram por preparar um "pacote" de final de temporada: Vuelta/Mundiais.

Um deles é Peter Sagan. Não, não é um trepador, ainda que já tenha ganho uma Volta à Califórnia, num ano (2015) em que subiu como nunca se tinha visto. Porém, o eslovaco está decidido em estar na Áustria para tentar um quarto título que poucos (ou mesmo ninguém) acredita ser possível conquistar, perante as tremendas dificuldades que até meteram respeito a Vincenzo Nibali, por exemplo.

Sagan regressa à Volta à Espanha para ganhar forma para os Mundiais, depois da queda no Tour o ter limitado nas últimas etapas e nas semanas que se seguiram. É um regresso depois de em 2015 ter abandonado ao ser atirado ao chão por uma moto.

Mesmo com os Mundiais no pensamento, Sagan irá aos sprints, se já estiver recuperado das mazelas. Adversários? Os sprinters há muito que voltaram as costas à Vuelta. São escassas as etapas para este tipo de ciclistas e as referências são um super Elia Viviani (Quick-Step Floors) - 15 vitórias em 2018 - e um ciclista a precisar desesperadamente de resultados: Nacer Bouhanni. O francês foi preterido no Tour, com Christophe Laporte a ocupar o lugar de sprinter da Cofidis na mais desejada das corridas. Bouhanni tem na Vuelta o tudo ou (quase) nada deste ano (cinco vitórias).

Haverá ainda o novo campeão da Europa. Matteo Trentin ganhou quatro etapas na Vuelta de 2017 e após um ano difícil na estreia pela Mitchelton-Scott, o italiano parece estar a recuperar a forma mesmo a tempo de repetir o sucesso. Não é um sprinter puro, nada disso, mas em Espanha também não há muitos sprints para esse tipo de ciclistas. É um ciclista que poderá procurar também entrar em fugas em etapas com algumas dificuldades, desde que não sejam alta montanha. Um pouco à imagem de Sagan.

Quanto a portugueses, serão quatro: Nelson Oliveira (Movistar), José Mendes (Burgos-BH), José Gonçalves e Tiago Machado (Katusha-Alpecin). Pode ler mais neste link.

Como curiosidade, estarão presentes na Vuelta quatro antigos vencedores: Alejandro Valverde (2009), Vincenzo Nibali (2010), Fabio Aru (2015) e Nairo Quintana (2016).

A etapa

A Vuelta começa este ano em Málaga com um contra-relógio individual de oito quilómetros. Quanto a desnível há apenas de destacar os cerca de 800 metros que chegam aos 6%, mas algumas curvas (atenção à fase final) e as ruas estreitas serão pormenores em ter em atenção. Os ciclistas partem do Centro Pompidou, com Rohan Dennis (BMC) a ser o principal favorito, ele que andou de rosa no Giro.



O bicampeão europeu de contra-relógio, Victor Campenaerts, foi chamado à última da hora  pela Lotto Soudal para substituir Tomasz Marczynski, vencedor de duas etapas há um ano. O belga também aponta à vitória, com Jonathan Castroviejo (Sky) a ser a esperança espanhola de vestir a camisola vermelha nesta primeira etapa. Para o tetra campeão nacional nesta vertente Nelson Oliveira, este não é um percurso que o beneficie muito, mas não deixa de ser um dos especialistas em prova.

Não vai ser preciso esperar muito pela montanha. Se no sábado haverá uma segunda e duas terceiras categorias, as de primeira chegam logo no terceiro e quarto dia, neste último com chegada em alto na Sierra de la Alfaguara.

O primeiro a sair para a estrada neste sábado será o espanhol Jorge Cubero, companheiro de José Mendes na Burgos-BH (16:26, hora portuguesa). Na ausência do vencedor de 2017, Chris Froome, Vincenzo Nibali terá o dorsal número um. É o último a partir às 19:21. Tiago Machado sai às 17:27, Nelson Oliveira às 18:36, José Gonçalves às 18:55 e José Mendes às 19:00.

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