A festa ainda estava a começar, numa fase também de total de descompressão depois de semana e meia intensa e dedicada à Volta a Portugal. César Fonte foi uma das novas caras nestas celebrações da W52-FC Porto. Era um ciclista orgulhoso pelo que foi alcançado e agora que conhece como é estar na equipa que tem dominado o ciclismo nacional, contou quais os segredos que tornam esta estrutura tão poderosa e porque é que depois de tanto se dizer que a formação estaria mais fraca este ano, acabou a Volta a demonstrar um domínio total.
"É verdade. Foi-se falando que a nossa equipa, comparada com as de outros anos, não se encontrava tão forte. Pessoalmente não acho. O grupo estava unido e muito forte. Se calhar tivemos contratempos que as pessoas que estão mais por fora não vêem", referiu. "A nossa equipa sabia que a parte final da Volta era muito dura e fomos poupando forças noutras etapas. Eu fui perdendo tempo em etapas que podia ter chegado mais na frente. Mas fomos pensando sempre mais à frente. Sabíamos que a Senhora da Graça seria uma etapa muito importante e ali mostrámos que éramos a equipa mais forte", acrescentou ao Volta ao Ciclismo.
Questionado se este ano não havia um plano B, como aconteceu em 2017 com Amaro Antunes, por exemplo, César Fonte disse que a W52-FC Porto partiu com dois líderes e ainda uma terceira hipótese. "Nós tínhamos plano B. Tínhamos o Raúl [Alarcóm] e o Gustavo [Veloso] como líderes. O Toni também estava um pouco guardado se fosse necessário estar na discussão. Mas com o decorrer da Volta foi-se vendo que haviam ciclistas que não estavam tão bem fisicamente como se estava à espera. E a partir do momento em que o Raúl mostrou que era o mais forte tanto na equipa, como na competição, apostámos tudo nele", explicou. Alarcón vestiu a camisola amarela ao quarto dia e a partir daí todos se uniram em redor do espanhol, para que conseguisse vencer a corrida pelo segundo ano consecutivo, o sexto desta equipa.
A forma como a W52-FC Porto controlou a etapa da Senhora da Graça, a última de montanha, e depois colocou cinco ciclistas no top dez do contra-relógio, com João Rodrigues e Ricardo Mestre a terminar também entre os dez melhores da Volta, fez com que no final a classificação por equipas ficasse novamente com a formação azul e branca, além da camisola da montanha de Alarcón e as três etapas ganhas pelo espanhol. Para César Fonte, os resultados dizem tudo sobre a qualidade da equipa nesta Volta a Portugal.
"Estava confiante que ia fazer uma boa corrida. Mas tive uma queda no prólogo e acabou por me afectar nos primeiros dias"
Pessoalmente, não esconde que espera sempre mais, principalmente quando se está na Volta a Portugal e porque a época está a correr-lhe bastante bem. Tem estado na discussão de vitórias e já conta com triunfos em etapas no Grande Prémio Internacional Beiras e Serra da Estrela e no Grande Prémio Jornal de Notícias. "Estava num bom momento antes da Volta e estava confiante que ia fazer uma boa corrida. Mas tive uma queda no prólogo e acabou por me afectar nos primeiros dias. Senti algumas dores no joelho e no ombro esquerdo. Fui recuperando e fui fazendo o que me era pedido e isso deixa-me satisfeito. Às vezes não é fazer um bom lugar na etapa ou na geral que é tudo. Estou realizado com o que fiz em prol do Raúl. O que fiz nesta Volta foi reconhecido pela W52-FC Porto", salientou.
Os segredos do sucesso
Passou pela Efapel e Rádio Popular-Boavista, tendo estado em 2017 na LA Alumínios-Metalusa-BlackJack. Agora conhece a vivência por dentro da equipa que não tem dado qualquer hipótese à concorrência, principalmente na Volta a Portugal, a competição que todos mais querem ganhar. Afinal quais são os segredos do sucesso? "Tem um segredo que é o grupo ser bem gerido. Depois temos um grupo maior do que outras equipas, o que dá para gerir o esforço de todos. Os ciclistas podem fazer um pico de forma e descansar a pensar na Volta. Noutras equipas não dá para fazer tanto isto. E isso acaba por ser importante para todos estarem bem fisicamente ou perto disso", explicou. Mas há mais: "Claro que o poder económico faz com que a equipa possa contratar quase todos os ciclistas do pelotão nacional. E depois é este staff que temos, que acaba por criar uma união muito grande."
E para terminar, o que marca ainda a diferença da W52-FC Porto para o restante pelotão: "O segredo é também ter o Nuno Ribeiro [como director desportivo] que ainda há pouco tempo era ciclista. Eu fui companheiro dele e já na altura era muito inteligente tacticamente e como director acaba por estar acima de todos os outros. Tacticamente é muito bom, sabe gerir o grupo ao longo do ano, sabe ler a corrida e trabalhar os ciclistas para quando chegar o momento decisivo, a equipa estar forte. E isso viu-se nestes dois dias [na Senhora da Graça de contra-relógio final de Fafe]."
César Fonte está feliz nesta estrutura e, em princípio, irá ficar pelo menos mais um ano. Quando a época passada estava a terminar, o ciclista, de 31 anos, sabia bem o que queria e encontrou o que procurava na W52-FC Porto. "Meti na cabeça que tinha de ir para uma equipa competitiva, com o objectivo de vencer corridas. Nos primeiros anos como profissional estive na Efapel e era um pouco como o que encontrei agora na W52-FC Porto. É ir para as competições com o objectivo para vencer. Era o que procurava nesta altura da minha carreira e estou muito satisfeito", admitiu.
Um exemplo chamado Rui Vinhas
Raúl Alarcón foi o primeiro a partilhar o seu troféu de vencedor com o amigo Rui Vinhas. Mas toda a equipa rendeu-se a um ciclista que se sacrificou muito além dos limites para ajudar a W52-FC Porto e Alarcón a ganhar mais uma Volta a Portugal. César Fonte recordou aquele dia antes do descanso, a caminho de Viseu. "Eu quando o vi na etapa, quase nem tive reacção para lhe dar uma palavra de apoio. Vieram-me as lágrimas aos olhos. Ele estava mesmo muito mal tratado", contou. Vinhas, que ganhou a Volta em 2016, chocou contra um carro de outra equipa, que parou para dar apoio a um ciclista. Ficou com ferimentos em quase todo o corpo. "Custou-me muito vê-lo assim. Fiquei um pouco em estado de choque. Só uns quilómetros depois consegui ir dar-lhe força", confessou.
"Foi uma loucura. Perguntámos o que aconteceu e ele nem sabia. Foi acima do profissionalismo"
César Fonte realçou como foi Rui Vinhas quem lhe deu o maior apoio inicialmente, quando chegou à equipa. "Sinto uma grande amizade por ele." Vinhas estava já na maca, na ambulância, para ser transportado para o hospital, quando decidiu continuar a corrida, mesmo não se lembrando do que aconteceu. "Ele demonstrou uma força maior. Se calhar 80% dos ciclistas na corrida teriam desistido. Ele mostrou a força que tem em dar tudo em prol dos colegas, neste caso do Raúl. O país inteiro acabou por ficar comovido por fazer isto no estado em que estava."
O que Rui Vinhas fez é um misto de profissionalismo e loucura na opinião de César Fonte: "É um bocado de profissionalismo porque quando caímos temos tendência a pegar na bicicleta e continuar. Mas foi uma loucura. Perguntámos o que aconteceu e ele nem sabia. Foi acima do profissionalismo. Todos reconheceram o esforço dele, ainda mais nós que vimos o que ele fez nestes dias. Na Senhora da Graça puxou 60/70 quilómetros! Ele meteu na cabeça que queria chegar ao fim e ajudar a equipa e assim fez."
Agora é altura de descansar um pouco. Porém, este ano o calendário de final de temporada já não se resume aos tradicionais circuitos. A Taça de Portugal continua em disputa, com três corridas por realizar, a primeira já no sábado, o Grande Prémio de Mortágua. A W52-FC Porto cumpriu a missão principal, mas não significa que não tenha mais pretensões. "Como temos um plantel maior, dá para quem esteve na Volta fazer uma ou outra corrida sem grande pressão para estar no seu melhor e quem não esteve, irá estar bem para tentar fazer resultados e dignificar a equipa", afirmou.
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