1 de fevereiro de 2018

O pelotão nacional visto por Nuno Sabido

Depois de um ano marcado pelo regresso ao pelotão nacional de alguns nomes de referência como Sérgio Paulinho, Edgar Pinto e Fábio Silvestre, 2018 tem desde logo como destaque o surgimento das equipas sub-25, ou seja, têm licença do escalão Continental, ainda que mantenham o estatuto de não profissional. Sem alteração parece estar qual será a equipa num patamar elevado, com as restantes a terem de enfrentar a toda poderosa W52-FC Porto. Há quem tenha mais pressão para demonstrar resultados, há quem procure uma oportunidade para encontrar o caminho das vitórias, inevitavelmente com a Volta a Portugal em mente. O Volta ao Ciclismo falou com Nuno Sabido, antigo ciclista e que actualmente gere a Sabido's Cycling Training Center juntamente o irmão Hugo Sabido, fazendo também os comentários da modalidade na TVI24.

E começou-se precisamente pela novidade. Liberty Seguros-Carglass e Miranda-Mortágua era duas equipas de referência nos escalão de sub-23, mas aproveitaram as alterações nos regulamentos para pedirem a licença Continental. A elas junta-se a LA Alumínios, um patrocinador já tradicional no ciclismo em Portugal, mas que agora aposta numa equipa de jovens. Será que estamos perante uma mudança no panorama da modalidade no país?

"Nada muda. Não sou a favor desta alteração. Acho que em nada beneficia o ciclismo nacional, em nada beneficia os ciclistas sub-23. Temos uma realidade completamente diferente da que é praticada no estrangeiro, com estes atletas destas idades. O que a Federação Portuguesa de Ciclismo quis, foi pegar no modelo internacional, em que as equipas do World Tour têm uma equipa de formação Continental, mas esquecem-se que essas equipas têm orçamentos com alguns milhões de euros. Aqui, atendendo à nossa realidade, estamos a falar destas equipas continentais não profissionais em que parte dos ciclistas não vai ganhar dinheiro absolutamente nenhum, continuam amadores, como eram", critica Nuno Sabido.

Apenas dois dos ciclistas dessas estruturas serão profissionais e Sabido considera que os restantes vão estar expostos a uma maior pressão, salientando: "[Os corredores] vão fazer toda a temporada do calendário profissional, sem serem profissionais e sem estarem capacitados fisicamente para tal. Às vezes isso leva depois a que se cometam asneiras e essas em nada beneficiam e nem dão a melhor imagem do que é o nosso ciclismo." Sabido vai mesmo mais longe, dizendo que participar numa Volta ao Algarve e numa Volta a Portugal não irá fazer diferença nesta fase da carreira dos jovens ciclistas. "A maior parte não terá nenhum benefício. Naturalmente que aqueles que têm mais talento e uma maior capacidade física, poderão beneficiar destas participações. Será uma minoria que poderá integrar-se e conseguir chegar no pelotão ou tentar não perderem muito tempo em relação ao grupo principal. A maioria terá grande dificuldade. O benefício não será tão grande quanto se espera", frisa.

Seguiu-se a inevitável pergunta: A W52-FC Porto continuará a ser o "alvo a abater"? "É a equipa com a melhor organização no ciclismo nacional. Parte da força colectiva tem a ver com a união de todos os elementos. Não só dos atletas, mas também do staff. Depois,do ponto de vista salarial é a equipa que tem maior consideração em relação aos atletas e tudo isso promove e desencadeia os resultados que eles conseguem alcançar ao longo de toda a temporada."

Saiu Amaro Antunes e Joaquim Silva, mas chegou César Fonte e José Neves, dois reforços que agradam a Nuno Sabido. O primeiro considera que poderá ser importante na estratégia colectiva, enquanto o segundo irá beneficiar na forma como Nuno Ribeiro lida com atletas jovens. "Ele de alguma forma protege os ciclistas mais novos. Submete-os a determinado trabalho, mas não os explorando, nem exigindo o que não seria o melhor para eles. Temos o caso do Joaquim Silva, que agora saiu para a Caja Rural, mas enquanto lá esteve foi sempre tido em muita consideração a sua evolução. Penso que é uma óptima equipa para albergar e depois lançar novos talentos", afirma.

E irá Raúl Alarcón ser o líder assumido depois da vitória na Volta a Portugal? Sabido continua a colocar Gustavo Veloso também com esse estatuto, realçando como fisicamente mantém-se a bom nível e como tem a ambição de ganhar novamente a principal corrida para as equipas nacionais. Porém, considera que existe ainda uma terceira opção: "O António Carvalho está desejoso ter a oportunidade dele e é outro que faz parte desse lote. O Nuno Ribeiro e os restantes directores estarão tranquilos por mais uma época porque têm várias opções para utilizarem."

Sporting-Tavira pressionado, Efapel nem tanto

O facto de ser o Sporting, a pressão é bem real, algo que não aconteceria se se tratasse do Tavira, segundo Nuno Sabido. "A direcção do Sporting Clube de Portugal quer vencer, até porque porque existe alguma rivalidade com o FC Porto." O antigo ciclista recorda como foi o regresso dos dois clubes ao ciclismo. Primeiro foi o clube de Lisboa a abordar Nuno Ribeiro, mas acabou por serem os portistas a chegarem a acordo com a que era a equipa mais ganhadora do pelotão e assim continua. O Sporting virou-se então para o Algarve. "Se no primeiro ano [a pressão] não era tão acentuada, agora é. Tiveram um segundo ano para tentarem provar e agora têm um terceiro e dificilmente será uma pressão colocada de lado."

Nuno Sabido coloca a W52-FC Porto num patamar acima, com o Sporting-Tavira ao nível de equipas como a Efapel e a Rádio Popular-Boavista. "Têm bons ciclistas, mas não têm atletas ao ponto de serem vencedores da Volta a Portugal."

Apesar do investimento feito para o garantir em 2017 Sérgio Paulinho, ciclista medalhado olímpico e que durante mais de uma década esteve no World Tour, Sabido refere que a direcção da Efapel reconhece o plantel que tem. Diz que Paulinho "dificilmente irá vencer a Volta a Portugal em situações normais de um para um". No entanto, salienta a reconhecida qualidade do ciclista e como uma situação de corrida favorável e tudo poderá acontecer. "Se ele tiver uma pequena vantagem, bastará de um minuto, poderá ser difícil alcançar o Sérgio."

Henrique Casimiro, que também fez top dez na última Volta a Portugal, é um caso que Sabido considera idêntico ao de Paulinho, com a grande diferença de ainda estar em plena evolução. "Ainda é um ciclista em desenvolvimento, veremos qual foi a sua evolução para a nova temporada. Temos de esperar para ver se o Henrique conseguiu subir mais um patamar para ganhar uma Volta a Portugal ou estar nos lugares cimeiros."

Louletano reforçado, mas não muito diferente; Boavista mantém génese

Depois do pódio de Vicente de Mateos na Volta a Portugal, a agora Aviludo-Louletano reforçou-se com ciclistas para tentar dar maior apoio ao líder, como Márcio Barbosa. "Acho que não vai influenciar muito o resultado do Louletano individual o se terem reforçado colectivamente. É uma equipa que irá continuar à procura das vitórias individuais." Nuno Sabido diz mesmo que pensa que a equipa algarvia "não terá a capacidade de confrontar directamente e colectivamente a W52-FC Porto" e que quando chegar o momento das decisões, Mateos terá de reagir. "Veremos se mais alguém da equipa o acompanhará."

Quanto à Rádio Popular-Boavista, entrará na fase pós-Rui Sousa, com Nuno Sabido a realçar que João Benta manter-se-á como o "ciclista em destaque", como "o homem forte". Já o russo Egor Silin, que chegou já no decorrer da temporada em 2017, depois de ter ficado sem lugar na Katusha-Alpecin, Sabido afirma que já "teve as suas oportunidades, mas não as aproveitou da melhor maneira". "Esta descida de divisão tão repentina teve a ver com algum descrédito por parte dessas equipas por que já passou e neste momento, tendo em conta o ciclismo em Portugal, tremendamente agressivo, eu direi que poderá continuar na sua toada, com fugas e tentar vencer etapas e, se calhar pouco mais do que isso."

Já a presença de dois jovens que irão cumprir o primeiro ano de sub-23, Francisco Moreira e João Salgado, mas logo numa equipa profissional, é algo que Nuno Sabido vê como positivo, sendo uma situação distinta dos mais novos que estão nas equipas sub-25. "É muito bom já lá estarem [numa estrutura profissional]. Acresce a motivação, têm um salário e só isso é uma mais valia", explica. Quanto à pressão, "existe sempre e a maior parte das vezes não é colocada pela equipa, pelos directores e staff técnico, é uma pressão que está inerente a cada atleta". Acrescenta que a ambição de chegar ao World Tour faz com que essa pressão surja, mas diz ser saudável, desde que a saibam controlar.

A Vito-Feirense-BlackJack herdou parte da LA Alumínios-Metalusa-BlackJack, mas Sabido atira logo a diferença que será a mudança de estatuto. "Parte do plantel mantém-se porque infelizmente os ciclistas não tinham alternativa, estão quase que obrigados a ficar na mesma formação." Sabido refere como as condições são diferentes "mesmo do ponto de vista salarial e tudo mais, não serão as mesmas, serão com toda a certeza inferiores". "É a tal motivação que está presente nesses atletas, em quererem fazer melhor esta temporada, para no próximo ano estarem numa equipa profissional", afirmou.

Contudo, espera que Edgar Pinto possa ter uma época livre de incidentes para finalmente mostrar toda a sua qualidade, enquanto João Matias, uma das revelações de 2017, "estará mais marcado".

Possíveis destaques para 2018

Nuno Sabido joga à defesa quanto a algum ou alguns ciclistas que possam destacar-se este ano. "Esperar para ver!" No entanto, questionado sobre jovens que se deve seguir com maior atenção e que ainda não se tenha referido, tendo também em conta as novas estruturas Continentais, fala-se de nomes como Francisco Campos, campeão nacional de sub-23 e vencedor da Prova de Abertura Região de Aveiro em 2017, mas também César Martingil e Gaspar Gonçalves, dois corredores que se tornaram profissionais com a Liberty Seguros-Carglass.

Considerando que estas equipas vão tentar criar as suas oportunidades, como entrar em fugas ou lutar pelas classificações secundárias, Sabido refere como Francisco Campos é um sprinter que consegue passar bem algumas dificuldades e como César Martingil irá reforçar precisamente essas chegadas com o pelotão compacto. Gaspar Gonçalves, um corredor mais completo, poderá tentar acompanhar os melhores, mas ainda lhe falta a experiência para poder alcançar grandes resultados. Porém, Sabido espera que a adquira e possa tornar-se numa referência do ciclismo nacional.

Não será preciso esperar muito pelo início da acção nas estradas portuguesas, pois é já este domingo que o pelotão nacional se faz à estrada na Prova de Abertura Região de Aveiro. Serão 155,5 quilómetros que começarão em Oliveira do Bairro, com a meta colocada na Torreira.



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