20 de fevereiro de 2018

Parra e as grandes voltas que Delgado lhe tirou. Histórias de doping e suspeita de subornos

(Fotografia: Silvia Andrea Moreno/Flickr)
Justiça desportiva. Por vezes parece ser tão difícil alcançá-la, por vezes ela chegou após anos de luta. Porém, as décadas passam e Fabio Parra não vê chegar a sua. Já nem espera por ela, mas ninguém lhe afasta do pensamento que a Volta a França de 1988 lhe foi tirada e que no ano seguinte, a disputa na Vuelta também não foi das mais limpas. O colombiano defende que quando o Pedro Delgado deu positivo por uma substância proibida, tudo se fez para não se criar polémicas e inclusivamente a equipa que Parra representava na altura, a Kelme, manteve-se em silêncio. O antigo ciclista não tem dúvidas que se fosse hoje, tudo seria diferente. No entanto, Parra mantém-se como terceiro classificado do Tour que acredita que deveria ser dele.

"Trataram de minimizar [o caso de doping de Delgado], pois era um ruído muito forte para o Tour", recordou Parra (58 anos) numa entrevista à revista Bocas e publicada no site El Tiempo, na qual recordou alguns dos principais momentos da sua carreira. Quanto à posição da Kelme, Parra disse: "Eu estava numa equipa espanhola e esta não queria provocar danos em Espanha. Deixaram a passar a coisa e assim ficou." Em causa está um positivo por probenecida, uma substância que na altura era proibida pelo Comité Olímpico Internacional, mas não pela UCI. Por essa razão, Pedro Delgado não sofreu qualquer tipo de sanção.

Porém, Parra foi terceiro, ou seja, ficou ainda com Steven Rooks à sua frente. O holandês confessou num programa de televisão, em 1999, que tinha recorrido ao doping na edição em que subiu ao pódio no final do Tour. "Hoje seguramente que seria diferente", desabafou Parra sobre a falta de acção perante o positivo de Delgado e a confissão de Rooks.

A entrevista avançou então um ano. Até 1989 e à Vuelta. A corrida foi perdida por 35 segundos novamente para Pedro Delgado. Desta feita foram ajudas inesperadas que contribuíram para que o ciclista espanhol segurasse uma liderança que chegou a estar virtualmente perdida. Parra recordou como era na antepenúltima etapa que tinha de tentar o tudo por tudo para ganhar, com a serra junto a Madrid a ser o cenário. Na derradeira ascensão, que seria seguida ainda por uma descida antes de a etapa ser concluída, Parra atacou. "Fiz várias tentativas e já ia desistir porque não conseguia afastá-lo. Perto do final [da subida] vi que o homem ficou", contou.

Chegou a ganhar 50 segundos e a liderança foi então virtualmente dele. Na descida alcançou dois dos ciclista que tinham sido lançados na frente para o ajudar. "Com eles dei o mais que consegui." Delgado estava sozinho, isto é, sem companheiros de equipa, a Reynolds-Banesto. "O que fez ele? O que fez o treinador? Pois usaram, digamos, alternativas de ciclistas de outras equipas que lhe deram uma mão porque ele impunha ritmo, mas não rendia. Já comigo era o contrário, cada vez aumentava mais."

Se no caso de Santos Hernández - ciclista que passou por Portugal na fase final da carreira - ainda se podia pensar numa aliança espanhola, já a ajuda do russo Iván Ivanov levantou muitas suspeitas. Parra salientou como um repórter de imagem gravou Delgado a dar um pacote a Ivanov no dia após aquele que decidiu a Vuelta. "Cada um tira as suas conclusões", disse, mas permaneceram as dúvidas se Delgado pagou a Ivanov para o apoiar, pois com as ajudas que recebeu conseguiu manter a liderança naquela antepenúltima etapa.

Parra deixa transparecer uma maior tristeza por aquela Volta a Espanha lhe ter escapado daquela forma, até porque o colombiano nunca mais reencontrou a forma que demonstrou naquele ano. Entre quedas e doenças, as prestações de Parra foram aos poucos baixando de nível e em 1992 retirou-se quando percebeu que já não conseguia ser competitivo.

Noutros pormenores interessantes da entrevista, Parra admitiu que quando estava na equipa Café de Colombia - foi companheiro de Luis (Lucho) Herrera, outra referência daquela geração colombiana - não tinha noção da diferença salarial que havia para os ciclistas europeus. Só quando se mudou para a Kelme é que percebeu. Sobre um possível racismo por parte dos ciclistas franceses, Parra responde antes como Bernard Hinault e Laurent Fignon eram muitos competitivos e que mesmo o americano Greg Lemond sempre o respeitou.

A nova geração de ciclistas colombianos está novamente a fazer o país sonhar que é possível ganhar a Volta a França e Fabio Parra concorda. Nairo Quintana e Rigoberto Uran foram já segundo classificados. Falta subir um lugar. "Estamos muito perto. Creio que este é o ano da Colômbia. Este é o ano de Nairo. Ele tem tudo muito claro: já conhece a parte boa, a regular e a má do Tour. Se não acontecer nada de anormal, o Nairo tem que estar este ano mais acima", salientou.

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