27 de fevereiro de 2018

E se o Giro e Vuelta fossem mais curtos? Mas no Tour não se mexe

(Fotografia: Giro d'Italia)
David Lappartient não tem parado de disparar em todas as direcções, querendo ser um presidente da UCI que pretende implementar várias mudanças no ciclismo que façam muita diferença. O doping mecânico tornou-se numa bandeira do seu mandato, abriu guerra aos rádios e aos medidores de potência, quer reduzir ainda mais os ciclistas por equipa nas corridas e agora quer mexer no calendário. Para o francês, Giro e Vuelta deveriam ser mais curtos, mas no Tour não se mexe.

"Creio que o percurso da Volta a França deve-se deixar em três semanas. É o evento mundial de ciclismo", afirmou Lappartient ao jornal italiano La Stampa. Quanto ao Giro e Vuelta, aponta para os 17 dias, mas com três fim-de-semanas: "Falaremos, sem forçar nada. Respeitaremos a vontade dos organizadores." Mas há mais. Para o presidente da UCI exagerou-se na expansão do ciclismo que actualmente chega a todos os continentes. "O ciclismo deve confiar nas suas raízes, que estão na Europa", afirmou, considerando que o aumento de corridas fora do Velho Continente se deveu há globalização.

O que para a anterior direcção foi visto como uma vitória levar o World Tour até à China, por exemplo, ou cimentar a presença na Austrália e na América do Norte com as recentes inclusões no principal calendário da Cadel Evans Great Ocean Race e da Volta à Califórnia, já Lappartient não parece estar tão convencido. Ainda assim, este não parece ser um ponto que esteja a pensar mexer. Já o das grandes voltas tem intenções de pelo menos abordar os organizadores.

Mas fica desde logo a questão: porquê mexer no Giro e na Vuelta e não no Tour, que nos últimos anos tem sido a corrida de três semanas com menos espectáculo e menos indefinição quanto ao resultado final? Lappartient dá valor à história e ainda bem que o faz. Muitas têm sido a corridas que nem o factor histórico as salva. E é francês, isso também terá a sua influência.  A Volta a França foi pioneira. Começou em 1903, sete anos antes do Giro. A Vuelta só em 1935 teve a sua primeira edição. Durante décadas o Tour foi a corrida onde nasceram heróis, criaram-se mitos, viveram-se momentos que sem qualquer dúvida marcam o ciclismo. Mas também o Giro e mesmo a Vuelta têm as suas histórias marcantes.

Porém, nas edições mais recentes, tem sido o Tour que tem perdido para as outras grandes voltas. A domínio da Sky tirou espectáculo e principalmente uma maior indefinição, ainda que seja em França que o melhor do pelotão para este tipo de corridas continua a estar e também continua a ser aquela prova que todos querem estar e eventualmente ganhar. No entanto, a culpa está longe de ser apenas da Sky. O próprio percurso tem sido criticado. As longas etapas planas são desesperantes, as de montanha têm sido perfeitas para o controlo da Sky... Falta um elemento que quebre com o normal e esse até será este ano levar um pouco de Vuelta para França, com uma etapa curta e montanhosa.

Já o Giro e a Vuelta têm sido mais inovadores. Principalmente em Espanha, que se tornou na volta dos trepadores de excelência. Não há praticamente espaço para os sprinters e de ano para ano vai conquistando a preferência de cada vez mais grandes figuras. E o espectáculo? Fica ao gosto de cada um, é certo, mas tem sido uma corrida com muito bom ciclismo quase dia sim, dia sim. E mesmo com a Sky a querer ganhá-la, não houve aquele controlo do Tour, pois o percurso (e os muitos quilómetros nas pernas no final da temporada) torna-o mais complicado. Em Itália há uns anos melhores do que outros, mas só o facto de ser difícil apontar um vencedor, de ser uma das grandes voltas onde têm aparecido novas figuras, beneficiando da fixação das estrelas pelo Tour, tudo isso tem contribuído para três semanas bem interessantes de ciclismo.

Em suma, o Tour... é o Tour, mas deixem as grandes voltas serem três, cada uma com a sua própria alma, cada uma com a sua própria história, cada uma com o seu próprio espectáculo. E com três semanas. O ciclismo evoluiu, como qualquer desporto. Deixou as etapas de mais de 200 quilómetros (até 300), que duravam quase um dia inteiro a completarem, ou as tiradas de montanha de enorme violência... A Vuelta, por exemplo, reinventou-se para encontrar o seu lugar de destaque. O ciclismo não está perfeito, mas dá vontade de dizer, não mexam nas grandes voltas. Principalmente quando há tanto para fazer... Doping, doping mecânico, viabilidade das organizações das corridas, viabilidade e condições das equipas de todos os escalões, das estruturas de formação...

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