26 de maio de 2019

Sucessão de azares tira calma a Roglic. Última semana do Giro irá começar com uma desilusão

(Fotografia: Giro d'Italia)
Num dia em que Primoz Roglic até recebeu uma notícia que certamente lhe agradou - não haverá passagem pela Gavia, o ponto mais alto do Giro102 -, o esloveno percebeu que acabaram-se os tempos de calma e de controlo dos adversários. Um problema mecânico e uma queda deixaram o líder da Jumbo-Visma a ter de mudar de atitude, pois enquanto uns adversários ganham tempo, mas ainda estão atrás de si, Richard Carapaz amealhou mais uns segundos preciosos e controlar o Giro até ao contra-relógio já não é solução. Na 15ª etapa, Roglic finalmente percebeu que sem equipa a missão vai ser mesmo muito complicada quando os ataques se sucederem.

Recuando a 2015, Alberto Contador venceu o Giro com uma ajuda muito reduzida da então Tinkov. Na alta montanha esteve mesmo praticamente sempre sozinho. Porém, por mais qualidade que Roglic tenha, não é nenhum Contador e os ataques que sofreu hoje foram apenas uma amostra do que lhe espera para a última semana. Até agora, "marcar" Vincenzo Nibali parecia ser uma táctica rentável. Mas o imprevisto aconteceu e a atitude calma do esloveno chegou ao fim. A queda a descer foi a prova disso mesmo. Instalou-se alguma ansiedade e o erro aconteceu. A precisar de recuperar terreno, ainda mais numa bicicleta que não era a dele, o esloveno fez mal uma uma curva e acabou pendurado no rail de protecção. Isto tudo devido ao mau timing do seu director desportivo que teve de responder ao chamamento da natureza na altura em que Roglic sofreu o problema mecânico na sua bicicleta, não podendo trocar pela sua suplente... 

Apesar de tudo, não foi muito grave fisicamente, mas animicamente terá custado perder 40 segundos para Carapaz, o mesmo tempo que Nibali tirou da sua desvantagem. 47 segundos ainda são recuperáveis no contra-relógio para Roglic e 1:47 minutos de vantagem sobre o italiano da Bahrain-Merida também podem dar um pequeno conforto. Mas este Giro ainda tem muita história para escrever. Roglic pode continuar a ser o mais favorito, mas, no final da segunda semana, já o é um pouco menos. Já Richard Carapaz subiu exponencialmente na lista de favoritismo. O equatoriano está forte e a Movistar já demonstrou que está unida em torno do camisola rosa, ainda que Mikel Landa se mantenha como um joker.

As tácticas

Tem sido uma Volta a Itália bem interessante desde que na quinta-feira se entrou na alta montanha. Nem por isso significa que não se esteja perante um forte jogo táctico, mas no Giro uma coisa não está a anular a outra. E ainda bem.

Antes de mais, a classificação.

(Imagem: Twitter Giro d'Italia)

Esta segunda-feira é dia de descanso e haverá tempo para preparar os dias decisivos. Para Roglic a saída da Gavia do percurso é uma boa notícia. Menos uma defesa a ter de fazer no terreno muito complicado, ainda que não possa fazer uma grande festa. O esloveno está sozinho, sem alianças e também com pouca equipa. Terá de escolher muito bem as suas batalhas e esperar que não tenha mais azares. Mesmo com Carapaz de rosa, é Roglic o principal alvo dos rivais. Por agora.

Roglic é um bom trepador, mas a maioria dos adversários são melhores. O esloveno anda a jogar à defesa, apostando no contra-relógio, mas se for atacado por todos, poderá chegar a altura em que também ele terá de ser um pouco mais audaz, principalmente se Carapaz ganhar mais vantagem. Será interessante ver o que Roglic é capaz se chegar a esse ponto.

➤ O equatoriano conseguiu uma aliança com Vincenzo Nibali neste domingo, mas será difícil manter esta "amizade". Já se percebeu que Carapaz é um candidato forte e também ele verá a sua camisola rosa ser atacada. Parte do sucesso do jovem ciclista poderá passar pelo papel de Mikel Landa. O espanhol poderá atacar em alguma etapa, tentando desgastar rivais, pois Landa não pode ter mais espaço, pois ameaça o objectivo de pódio de Rafal Majka ou Bauke Mollema, por exemplo. Carapaz também parece contar com uma Movistar com ciclistas em forma para controlar e acompanhá-lo grande parte das etapas. O único senão de Carapaz é se Landa for à procura do sucesso próprio. 

➤ Foi uma boa etapa de Nibali num percurso final que tão em conhece, já que foi idêntico ao do monumento da Lombardia. Mas é preciso mais e já se percebeu que afinal não quer nada abdicar de vencer o Giro só para não deixar Roglic ganhar, como insinuou. A experiência pode mesmo ser uma mais valia, ainda mais quanto o italiano está bem fisicamente e vai contando com a ajuda de Damiano Caruso e Domenico Pozzovivo. Ao contrário de Yates que gosta de atacar quando se sente bem, Nibali é mais calculista nos seus ataques e vai procurar o momento certo para tirar a rosa a Carapaz e tentar deixar Roglic a uma distância mais segura para o contra-relógio.

➤ A Simon Yates resta atacar, atacar, atacar. Está a melhorar e porque não pensar tentar um golpe ao estilo de Chris Froome em 2018, quando o homem da então Sky tirou a rosa a um Yates que se afundou na classificação. O líder da Mitchelton-Scott está mais confiante e para quem foi ao Giro para ganhar, o top dez sabe a pouco. Vai tentar o tudo por tudo. No mínimo procurará uma etapa se algo mais se tornar completamente impossível.

➤ Na mesma situação está Miguel Ángel López. O colombiano não quer desistir e talvez uma aliança com Yates fosse benéfica para ambos, na perspectiva de recuperar tempo. Se lutarem por uma etapa, a aliança será difícil. López também ficaria numa posição mais forte se a Astana se mostrasse mais unida. A equipa joga tacticamente, mas López tem acabado muito só. Ainda assim, Dario Cataldo garantiu a segunda vitória de etapa, depois de Pello Bilbao. Se López não for além do top dez, o Giro está salvo para a formação cazaque. López ainda poderá tentar a consolação de ser novamente o melhor na juventude. Contudo, já percebeu que Pavel Sivakov quer ser a sua sombra. São apenas sete os segundos que os separam, com vantagem para o russo da Ineos.

➤ Dos homens que vão começar a terceira semana no top dez, Jan Polanc (UAE Team Emirates) tem o objectivo de aguentar o quanto puder, com Ilnur Zakarin (Katusha-Alpecin) ainda à espreita. No entanto, Rafal Majka (Bora-Hansgrohe) e Bauke Mollema (Trek-Segafredo) querem pelo menos o pódio. O holandês já se mostrou no Giro e até pagou logo de seguida o preço por ter andando em fuga numa etapa. Mas continua a resistir. Majka mostra-se um pouco, mas depois volta a esconder-se. Chega de estudar os restantes e de responder a ataques. Está na altura do polaco começar a ser figura se quer mais do que o top dez. Ou seja, há que atacar.

Classificação completa, via ProCyclingStats.

Perder a Gavia é uma desilusão

Se Roglic não terá ficado triste com a saída da Gavia do percurso, López, Yates, Carapaz e o próprio Nibali prefeririam ter a difícil subida, para assim tentar recuperar ou ganhar tempo, principalmente ao esloveno. Os adeptos de ciclismo também certamente que prefeririam o plano original da Gavia e Mortirolo no mesmo dia, numa etapa com 226 quilómetros. Porém, a meteorologia pregou daquelas partidas tão típicas no Giro e se a neve ameaçava a presença da Gavia desde a primeira semana da corrida, o perigo de avalanches, as previsões de o tempo poder piorar e o risco de gelo na estrada durante a descida fizeram Mauro Vegni, director do Giro, anular a passagem naquela que seria a Cima Coppi do Giro, aos 2618 metros de altitude.

Portanto em vez disto...



... teremos isto na terça-feira.



Serão 194 quilómetros com a partida e chegada a manterem-se inalteradas: Lovere - Ponte di Legno. Ainda se falou da possibilidade do Mortirolo ser atacado duas vezes, por diferentes vertentes, mas Vegni explicou que a etapa ficaria excessivamente longa. A solução passa pelo Cevo - uma estreia na Volta a Itália - e Aprica, duas terceiras categorias, mas difíceis, antes de subir o Mortirolo. 

A Cima Coppi passará para a 20ª etapa, a penúltima. Serão 2047 metros no Passo Manghen, que será a etapa mais complicada da semana, no papel, ainda que há que ter em conta que na terça-feira, na 16ª etapa haverão subidas não categorizadas e que ajudam a que o acumulado seja de quase de 5000 metros.

Longe vão os tempos em que Andy Hampsten teve de ultrapassar a Gavia debaixo de uma tempestade de neve para conseguir vencer a Volta a Itália em 1988. As regras são hoje bem diferentes e tal é impensável. Segurança primeiro, mas que a Gavia fará falta para o espectáculo e para abrir ainda mais as contas do Giro, lá isso fará.



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