17 de dezembro de 2018

"Se parar e comer demasiadas iguarias portuguesas, vou ficar com 100 quilos!"

(Fotografia: © João Fonseca/Federação Portuguesa de Ciclismo)
Tão rapidamente estava a viver um sonho, como ficou a conhecer o lado negro do ciclismo. Do desporto profissional em geral, como o próprio destaca. Shane Archbold foi um dos corredores apanhados desprevenidos pelo súbito final da equipa irlandesa Aqua Blue Sport. Quando tentava retomar o rumo da sua carreira, depois de uma queda grave na Volta a França de 2016 e de no ano seguinte não ter renovado contrato com a Bora-Hansgrohe, Archbold viu-se obrigado a repensar o seu futuro. Recusa entrar em grande stress com a situação e até a vê como uma oportunidade, pois já pensa em talvez tentar chegar aos Jogos Olímpicos no ciclismo de pista.

Há quatro anos que o neozelandês estava afastado deste tipo de competições. No entanto, até apresenta no seu currículo algumas vitórias, como títulos nacionais enquanto júnior, destacando-se as medalhas nos Jogos Commonwealth, em Glasgow, em 2014: uma de ouro no scracth e uma de bronze na perseguição por equipas. No ano seguinte, assinou pela então Bora-Argon18, sendo companheiro do português José Mendes. Acompanhou a equipa na passagem para World Tour, mas depois da fractura na pélvis na queda no Tour de 2016, só regressou à competição em Setembro de 2017. Tarde de mais para assegurar uma renovação.

Na Aqua Blue Sport, a época acabou mais cedo e, ainda mais grave, o pagamento de todos os salários não tem estado garantido. Tempos difíceis, mas que não abatem Archbold. "É difícil mentalmente. Mas há que olhar para o futuro e para as oportunidades que tenho. Claro que estou desiludido com a situação, mas estou aberto as novas oportunidades. Se tivesse assinado pela Bora e ficado, agora estaria preso à estrada e não estaria a pensar em competir nos Jogos Olímpicos. O ideal seria estar a correr na estrada, mas vamos ver", disse ao Volta ao Ciclismo.

"Nunca digas nunca [sobre ter-lhe acontecido a ele a indefinição do futuro e a falta de pagamentos de ordenados]! Nunca planeei estar nesta situação. No ciclismo e no desporto profissional em geral, nunca há garantias de emprego. O que é que se pode fazer? Há cinco anos nem pensava que seria profissional, agora sou há quatro", acrescentou.


"No próximo ano... dois anos, ficaria surpreendido que alguém não ganhasse algo grande"

Recentemente, Shane Archbold passou por Portugal, para competir no Troféu Internacional Município de Anadia, neste regresso à pista. Se por um lado esta vertente ajuda na preparação para 2019, por outro, fá-lo pensar em apostar mais forte e talvez marcar presença em Tóquio2020: "É algo em que vou pensando, mas não é um plano. Esta é uma oportunidade para regressar ao madison, mas agora estou só viver no momento." Archbold tem feito dupla com Aaron Gate, que vive o mesmo problema com o final repentino da Aqua Blue Sport (pode ler aqui mais pormenores).

Quando questionado que objectivos tem a curto prazo, reforçou a ideia que quer pensar apenas no momento, corrida a corrida, mantendo-se descontraído, apesar da incerteza quanto à sua carreira. "Tento estar relaxado. Não vale a pena stressar, senão mais vale parar com o ciclismo."


Archbold tem feito dupla no madison com Adam Gate, que também
ficou sem equipa após o final da Aqua Blue Sport
(Fotografia: © João Fonseca/Federação Portuguesa de Ciclismo)
No entanto, encontrar uma equipa para competir na estrada é, naturalmente, algo que pretende concretizar. Archbold admitiu ter propostas de formações Continentais e como não quer ficar uma época longe da competição, a solução deverá mesmo passar por descer ao terceiro escalão. "Se parar e comer demasiadas iguarias portuguesas, vou ficar com 100 quilos! É melhor fazer algo, mesmo que seja correr no nível Continental", disse em tom de brincadeira, mas sem afastar a seriedade da situação.

Já após a entrevista, o nome de Archbold surgiu ligado à EvoPro Racing, uma equipa Continental irlandesa. O neozelandês, que em Fevereiro celebra 30 anos, não escondeu que gostaria de regressar ao mais alto nível na estrada. Contudo, perante tudo o que tem vivido, mostra-se muito realista e, principalmente, concentrado em agarrar-se às oportunidades que lhe vão surgindo para continuar a fazer o que mais gosta. "Temos os altos e baixos e os baixos costumam ser mais do que os altos, mas faz parte do ciclismo", realçou.

Com a Nova Zelândia bem longe e com uma realidade de ciclismo de estrada que não é fácil, Archbold referiu como a federação sempre apoiou muito a vertente de pista, faltando agora aparecer uma equipa de nível Continental para continuar o trabalho que está a ser feito na estrada e que está a começar a dar os seus frutos. George Bennett é a figura central, com top 10 em grandes voltas e um 18º lugar nos Mundiais, algo que Archbold considera que não se pensaria ser possível ainda há pouco tempo.

"No próximo ano... dois anos, ficaria surpreendido que alguém não ganhasse algo grande", afirmou, recordando como, além de Bennett, Patrick Bevin (BMC) também esteve muito bem nos últimos Mundiais, ao ser oitavo no contra-relógio. "O ciclismo na Nova Zelândia está a melhorar em todos os aspectos, desde as pessoas pedalarem para o trabalho, a competir a nível amador e profissional, especialmente na pista", contou, considerando que há cada vez mais praticantes a acreditar ser possível ir longe na carreira.

Mas a tal equipa Continental seria uma enorme ajuda, ainda que num país com uma localização geográfica muito afastada do centro nevrálgico do ciclismo, nunca será fácil arranjar patrocinadores. A surgir, até realçou como seria bom para ele e para Adam Gate poderem prosseguir a carreira na estrada e continuar a apostar na pista. No início do ano, uma das etapas da Taça do Mundo realiza-se no país de ambos. Enquanto luta pela sua carreira, Archbold quer manter a boa disposição, procurar oportunidades e, quem sabe, os Jogos Olímpicos entrem definitivamente nos seus planos.

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