30 de dezembro de 2018

Quando ganhar é completamente natural

Alaphilippe foi um dos ciclistas que muito contribuiu para a sensacional
época da equipa belga (Fotografia: Facebook Quick-Step Floors)
Resumir a época da Quick-Step Floors até se consegue fazer numa só palavra: ganhar! Será mais justo repeti-la: ganhar, ganhar, ganhar! A histórica equipa belga está habituada a ser das que mais vence, ou mesmo a que mais vence. Mais de 50 vitórias, não é nada de anormal, nem chegar às 60, mas 73? Número impressionante (um recorde da formação) ainda mais se se tiver em conta que entre elas estão monumentos, vitórias de etapas em grandes voltas e nem entra outros grande resultados que foram o pódio de Enric Mas na Vuelta, ou a camisola da montanha no Tour de Julian Alaphilippe.

Patrick Lefevere tem construído ano após ano equipas com um espírito de luta e união que se traduz em vitórias, divididas por vários dos seus ciclistas. Em 2018 foram 14 em 28 que compunham o plantel (acresce dois estagiários a partir de Agosto). Pode haver um ou outro que se destaque mais, mas há espaço para todos irem atrás do seu momento. Não foi há muito tempo que Lefevere via a Quick-Step Floors ter dificuldades em ganhar nas clássicas da casa. Uma pequena crise mais do que resolvida nas últimas duas épocas.

2018 foi simplesmente memorável: Volta a Flandres (Niki Terpstra) e Liège-Bastogne-Liège (Bob Jungels), cinco etapas do Giro, quatro no Tour e outras tantas na Vuelta. Mas há mais: E3 Harelbeke, Através da Flandres, Flèche Wallonne (que enorme exibição de Julian Alaphilippe para quebrar a senda de Alejandro Valverde), Clássica de San Sebastian, uma etapa no Critérium du Dauphiné, duas na Volta à Catalunha e no País Basco, três na Volta à Califórnia... Recorrendo ao ProCyclingStats, aqui fica o link para a lista de vitórias deste ano em que ganhar pareceu ser algo absolutamente natural para os ciclistas de azul.

E talvez esta naturalidade tenha uma base de que todos terão a sua oportunidade, tal como todos terão de ajudar outros, quando assim se impõe. É de salientar isso mesmo, que corredores como Alaphilippe, Bob Jungels e o capitão Philippe Gilbert são líderes natos que são também os primeiros a trabalharem para os companheiros. Esta capacidade e respeito pela entre-ajuda faz com que além das principais figuras, possam surgir as potenciais figuras do futuro. Álvaro Hodeg e Fabio Jakobsen são a prova disso. Quando lhes foi dada liberdade, estes dois jovens não só tiveram a ajuda dos colegas mais experientes, como aproveitaram para vencer.

A comprovar como esta equipa consegue tirar o melhor de todos os ciclistas há Elia Viviani. Quebrou contrato com a Sky, onde era um sprinter solitário, que lá ia conquistando umas vitórias, para assinar por uma equipa que fez dele o homem mais ganhador da temporada entre as formações do World Tour. Foram 19, mais nove do que em 2017, que até tinha sido a sua melhor época. A diferença esteve ainda na qualidade dos triunfos: quatro etapas no Giro e três na Vuelta como maior destaque, além do título nacional, por exemplo.

Ranking: 1º (13.385,97 pontos)
Vitórias: 73 (incluindo Volta a Flandres, Liège-Bastogne-Liège, cinco etapas no Giro, quatro no Tour e Vuelta)
Ciclista com mais triunfos: Elia Viviani (19)

Chegou para ocupar a vaga deixada por um Marcel Kittel que não queria competir por espaço com Fernando Gaviria. Viviani parecia ser uma segunda opção possível, mas foi uma de primeira categoria. De tal forma, que com a saída do colombiano, Viviani irá assumir o papel principal nos sprints e já pisca o olho ao Tour.

Gaviria teve uma temporada de altos e baixos. A aposta nas clássicas correu francamente mal, muito devido a quedas. Porém, no principal objectivo, a Volta a França, Gaviria confirmou tudo o que era esperado. Vestiu de amarelo logo a abrir e na sua estreia no Tour. Foram duas etapas ganhas antes de um abandono na fase montanhosa da corrida. Questão a melhorar se quiser ir discutir o mais famoso dos sprints, nos Campos Elísios. Kittel tinha ganho cinco em 2017, mas para quem foi pela primeira vez ao Tour, Gaviria confirmou que quer e pode ser o sprinter de referência desta grande volta nos próximos anos.

Falta saber se na UAE Team Emirates irá encontrar o comboio de qualidade que tinha na Quick-Step Floors. Custa acreditar que uma equipa que ganha o que ganha tenha dificuldades em garantir a sua estabilidade financeira. Sem um patrocinador principal para 2019 - a Quick-Step mantém-se, mas com um investimento menor - Lefevere viu-se obrigado a abrir mão de alguns dos seus ciclistas para aliviar o gasto com os ordenados, precavendo a eventualidade de ter um orçamento menor para o próximo ano.

Não renovou com Terpstra e permitiu que Gaviria ouvi-se propostas, ainda que tivesse  contrato com a Quick-Step Floors. Apesar de ter aparecido a Deceuninck, Lefevere percebeu que o dinheiro da UAE Team Emirates tinha dado a volta à cabeça de Gaviria. Deixou o seu sprinter sair e agora irá ver-se se o colombiano consegue quebrar o famoso enguiço do ciclista que sai da Quick-Step Floors e não mais consegue atingir o nível que tinha quando ali estava.

Max Schachmann (Bora-Hansgrohe), Laurens de Plus (Jumbo-Visma) e Jhonathan Narváez (Sky) também seguem novos rumos nas carreiras. Contudo, perante o historial desta estrutura, é difícil dizer que a Quick-Step Floors fica mais fraca, mesmo que tenha perdido Gaviria. A capacidade de se auto-renovar é incrível e o que mais se espera é ver como Hodeg, Jakobsen, Kasper Asgreen e Rémi Cavagna possam aparecer anda mais. E claro, ficaram Alaphilippe, Jungels, Stybar, Gilbert, Enric Mas...

O espanhol acaba por ser uma das questões que se coloca para 2019. Depois da tremenda exibição na Vuelta - vitória numa etapa e segundo na geral -, será que Lefevere aumentará a sua aposta nas grandes voltas, pensando também mais numa eventual vitória ou em mais pódios? Esta é uma equipa cuja génese se prende às clássicas e etapas. Jungels é outro voltista, mas dá mais indicações de ser um top dez, do que homem de discutir essas corridas, pelo menos para já.

Contudo, Enric Mas deixou indicações bem diferentes, de que pode ir mais longe e o seu discurso não engana. Vai atrás de ganhar e até já pensa em conquistar o Tour, onde estará em 2019, época que começará na Volta ao Algarve. Vai entrar no seu último ano de contrato, pelo que o director terá uma decisão a tomar, ainda que não se adivinhe ser fácil ficar com Mas tendo em conta o interesse que despertou.

Já Alaphilippe, apesar do Tour a todos os níveis impressionante - duas etapas e foi o rei da montanha -, o francês quer continuar a ser um ciclista para vencer corridas de uma semana, apostar tudo e mais alguma coisa nas Ardenas e depois ir até ao Tour fazer mais uns brilharetes. Tem 26 anos e não está afastada a hipótese de ainda se tornar num voltista, mas não para já.

Quase parece mal não falar de mais ciclistas que se mostraram em 2018 e contribuíram para o memorável ano, mas a época da Quick-Step Floors daria um livro de muitas páginas. De texto e de bonitas fotografias! Uma delas seria a da última equipa a vencer o contra-relógio colectivo nos Mundiais, vertente que o presidente da UCI decidiu terminar.

Termina-se com uma das contratações que vai receber muita atenção. O "miúdo maravilha" da Bélgica só podia assinar por esta equipa. Remco Evenepoel dá o salto de júnior directamente para o profissionalismo, depois de vencer quase todas as corridas em que participou em 2018. Títulos nacionais, europeus, mundiais, foi tudo dele. A exibição na corrida de estrada, em que fez uma recuperação incrível até chegar à frente da corrida e vencer, deu logo a entender que Evenepoel não ia ficar longe dos holofotes do World Tour.

A diferença de realidades é muita, pelo que 2019 será um ano de adaptação para Evenepoel. Não será ciclista para clássicas do pavé, querendo tornar-se num voltista. É quase inevitável colocá-lo no topo da lista de ciclistas jovens a seguir em 2019. Para já, o belga é apenas um dos dois reforços da equipa que se chamará Deceuninck-Quick Step.


Permanências: Philippe Gilbert, Julian Alaphilippe, Bob Jungels, Elia Viviani, Yves Lampaert, Enric Mas, Zdenek Stybar, Kasper Asgreen, Eros Capecchi, Rémi Cavagna, Tim Declercq, Dries Devenyns, Álvaro Hodeg, Fabio Jakobsen, James Knox, Iljo Keisse, Davide Martinelli, Michael Morkov, Fabio Sabatini, Maximiliano Richeze, Pieter Serry, Florian Sénéchal e Petr Vakoc.

Contratações: Remco Evenepoel e Mikel Frolich Honoré (Virtu Cycling).

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