Numa altura em que já se olha para as primeiras corridas de 2019, recorda-se um 2018 recheado de muito e bom ciclismo. Aqui ficam cinco dos vários momentos que marcaram a temporada e um extra. Ganhar uma das grandes voltas é sempre do mais importante e as conquistas de Froome, Thomas e Yates estarão sempre no topo de qualquer escolha, mas houve muito mais para recordar.
Sagan cumpriu o seu destino no Paris-Roubaix (8 de Abril)
Quando Peter Sagan entrou no velódromo de Roubaix, acompanhado por Silvan Dillier (AG2R), houve aquela sensação que o eslovaco estava prestes a, finalmente, cumprir o seu destino. O Inferno do Norte sempre foi uma corrida que se apontou a ser conquistada por Sagan, mas o Paris-Roubaix não parecia querer nada com este fantástico ciclista. Azares, má tácticas, o facto de ninguém querer arriscar em estar com ele numa fuga... Sagan não encontrava forma de vencer este monumento.
Mas, finalmente (palavra a repetir) Sagan conseguiu. Vê-lo com a determinação que surgiu na altura certa, com a determinação de quem pensou que "vou em frente, seja lá como for", foi ver um ciclista disposto a fazer a exibição de uma vida para ganhar em Roubaix. Curiosamente até arranjou quem não quisesse ficar apenas na sua roda. Dillier teve o seu papel, numa postura de poder não ganhar, mas pelo menos poder discutir a corrida. E no ciclismo tudo pode acontecer.
Sagan atacou a pouco mais de 50 quilómetros da meta, passou por quem estava na frente, quase caiu no último sector de pavé e no velódromo não deu espaço para surpresas, batendo Dillier no sprint. Custou, mas a conquista do Paris-Roubaix foi acompanhada por uma exibição memorável de um ciclista que é dos melhores do mundo e já dos melhores das história.
»»Se era para ganhar assim, então valeu a pena esperar para ver Sagan conquistar Roubaix««
A passagem de testemunho na Flèche Wallonne (16 de Abril)
A história recente da Flèche Wallonne está intimamente ligada a Alejandro Valverde. O espanhol havia vencido as últimas quatro edições e já tinha um triunfo em 2006. O muro de Huy quase que estava a ser chamado o muro de Valverde. Para bater um campeão, só outro verdadeiro campeão. Esse foi Julian Alaphilippe. O D'Artagnan da Quick-Step Floors lutou até final, num último quilómetro de tirar a respiração.
Depois de dois segundos lugares, atrás do inevitável espanhol, e de um 2017 em que ficou afastado da clássica das Ardenas por problemas físicos, Alaphilippe arrancou no muro de Huy, quebrando Valverde, que, desta feita, não escolheu bem o momento de aceleração. Ao cortar a meta, Alaphilippe pensou que tinha sido novamente segundo. É que Vincenzo Nibali tinha tentado uma fuga solitária quilómetros antes e francês não se apercebeu que o italiano tinha sido apanhado.
A vitória foi dele. E se Sagan parecia estar destinado a ser o rei do pavé, Alaphilippe tem destino idêntico, mas nas Ardenas. Até Valverde se rendeu ao francês, num momento que teve um certo simbolismo de passagem de testemunho.
»»Só um grande ciclista, um verdadeiro campeão, poderia bater outro. Até Valverde se rendeu a Alaphilippe««
O nascer de uma estrela (18 de Maio)
Já se esperava muito de Egan Bernal, mas chegar a uma equipa do World Tour, ainda mais a Sky e impor-se como se impôs... só está ao nível dos melhores. 21 anos de puro talento e que marcou a época de 2018. Logo na sua primeira corrida na equipa britânica, foi o melhor jovem no Tour Down Under e sexto na geral. Foi campeão nacional de contra-relógio e foi vencer a Colombia Oro y Paz, deixando Nairo Quintana e Rigoberto Uran atrás de si. Começaram os elogios que não mais terminaram nos meses seguintes.
Quando chegou à Europa ficou a poucos quilómetros do seu primeiro pódio numa corrida World Tour. Uma queda afastou-o dessa honra na Volta à Catalunha. Na Romandia conseguiu. Fez segundo, com Primoz Roglic a ser o único mais forte. Viajou até à Califórnia para deixar tudo e todos completamente rendidos ao seu talento. Já tinha ganho a segunda etapa, mas foi na sexta que impressionou ainda mais.
Parecia um senhor ciclista, com enorme experiência a ultrapassar a última e difícil subida. Nem Adam Yates ou Rafal Majka e muito menos Tejay van Garderen (o líder no início dessa etapa) conseguiram acompanhar, isto sem esquecer o brilhante trabalho de preparação de outro jovem, Tao Geoghegan Hart. Bernal acelerou nos momentos exactos, foi a ritmo (elevado) nos metros desejados. Já tem aquele hábito de olhar para o seu ciclocomputador e assim medir todos os pormenores do seu esforço. Goste-se ou não deste estilo, foi uma enorme exibição. E Bernal estava apenas a começar.
No seu primeiro ano no World Tour, ganhou logo uma corrida desse nível - venceu essa sexta etapa e garantiu a geral na Volta à Califórina - e estreou-se ainda no Tour e Chris Froome bem pode agradecer o seu pódio ao colombiano. Nasceu uma estrela.
Sagan cumpriu o seu destino no Paris-Roubaix (8 de Abril)
(Fotografia: © BORA-Hansgrohe/Bettiniphoto) |
Mas, finalmente (palavra a repetir) Sagan conseguiu. Vê-lo com a determinação que surgiu na altura certa, com a determinação de quem pensou que "vou em frente, seja lá como for", foi ver um ciclista disposto a fazer a exibição de uma vida para ganhar em Roubaix. Curiosamente até arranjou quem não quisesse ficar apenas na sua roda. Dillier teve o seu papel, numa postura de poder não ganhar, mas pelo menos poder discutir a corrida. E no ciclismo tudo pode acontecer.
Sagan atacou a pouco mais de 50 quilómetros da meta, passou por quem estava na frente, quase caiu no último sector de pavé e no velódromo não deu espaço para surpresas, batendo Dillier no sprint. Custou, mas a conquista do Paris-Roubaix foi acompanhada por uma exibição memorável de um ciclista que é dos melhores do mundo e já dos melhores das história.
»»Se era para ganhar assim, então valeu a pena esperar para ver Sagan conquistar Roubaix««
A passagem de testemunho na Flèche Wallonne (16 de Abril)
(Fotografia: Twitter Flèche Wallonne) |
Depois de dois segundos lugares, atrás do inevitável espanhol, e de um 2017 em que ficou afastado da clássica das Ardenas por problemas físicos, Alaphilippe arrancou no muro de Huy, quebrando Valverde, que, desta feita, não escolheu bem o momento de aceleração. Ao cortar a meta, Alaphilippe pensou que tinha sido novamente segundo. É que Vincenzo Nibali tinha tentado uma fuga solitária quilómetros antes e francês não se apercebeu que o italiano tinha sido apanhado.
A vitória foi dele. E se Sagan parecia estar destinado a ser o rei do pavé, Alaphilippe tem destino idêntico, mas nas Ardenas. Até Valverde se rendeu ao francês, num momento que teve um certo simbolismo de passagem de testemunho.
»»Só um grande ciclista, um verdadeiro campeão, poderia bater outro. Até Valverde se rendeu a Alaphilippe««
O nascer de uma estrela (18 de Maio)
(Fotografia: Facebook Volta à Califórnia) |
Quando chegou à Europa ficou a poucos quilómetros do seu primeiro pódio numa corrida World Tour. Uma queda afastou-o dessa honra na Volta à Catalunha. Na Romandia conseguiu. Fez segundo, com Primoz Roglic a ser o único mais forte. Viajou até à Califórnia para deixar tudo e todos completamente rendidos ao seu talento. Já tinha ganho a segunda etapa, mas foi na sexta que impressionou ainda mais.
Parecia um senhor ciclista, com enorme experiência a ultrapassar a última e difícil subida. Nem Adam Yates ou Rafal Majka e muito menos Tejay van Garderen (o líder no início dessa etapa) conseguiram acompanhar, isto sem esquecer o brilhante trabalho de preparação de outro jovem, Tao Geoghegan Hart. Bernal acelerou nos momentos exactos, foi a ritmo (elevado) nos metros desejados. Já tem aquele hábito de olhar para o seu ciclocomputador e assim medir todos os pormenores do seu esforço. Goste-se ou não deste estilo, foi uma enorme exibição. E Bernal estava apenas a começar.
No seu primeiro ano no World Tour, ganhou logo uma corrida desse nível - venceu essa sexta etapa e garantiu a geral na Volta à Califórina - e estreou-se ainda no Tour e Chris Froome bem pode agradecer o seu pódio ao colombiano. Nasceu uma estrela.
Chris Froome e a inacreditável fuga até Bardonecchia (25 de Maio)
Quando se falar de Froome em 2018, muito mais se falará do caso do salbutamol. Porém, e visto que foi ilibado e os seus resultados não foram anulados, então há que colocar aquela 19ª etapa da Volta a Itália como uma das melhores e mais marcantes da própria história da centenária corrida, não apenas do ano.
Quando Froome partiu naquele dia, numa etapa de montanha, com passagem no Colle delle Finestre, o britânico já não era visto como um candidato forte à vitória final, com 3:22 minutos a separá-lo de Simon Yates (Mitchelton-Scott) e com Tom Dumoulin (Sunweb) e Domenico Pozzovivo (Bahrain-Merida) pelo meio. Em 80 quilómetros tudo mudou.
Parecia inacreditável como um só homem arrancou de tão longe, com tanta dificuldade pela frente e ninguém o conseguia apanhar. Mesmo sendo Chris Froome. O ciclista metódico, que tem sempre tudo tão estudado, partiu numa aventura atípica nele, mas que foi fantástica e épica. Excelente a subir, ainda melhor a descer - onde fez as maiores diferenças - Froome ganhou em Bardonecchia e vestiu a maglia rosa. Yates quebrou, Dumoulin, Pozzovivo e Miguel Ángel López não tiveram capacidade para acompanhar o britânico.
Não foi tão espontâneo como à primeira vista se poderia pensar. Mais uma vez até estava tudo muito bem pensado. Uma loucura planeada, por assim dizer, com todos os membros do staff espalhados naqueles 80 quilómetros para garantir que o ciclista ia recebendo o abastecimento necessário para se alimentar e hidratar.
Com um Froome assim, foi inevitável ficar com o Giro, a grande volta que lhe faltava, fechando as três de forma consecutiva, ainda que em épocas diferentes. De referir ainda que Froome iniciou um ano histórico para o ciclismo britânico. Com Geraint Thomas a vencer o Tour e Simon Yates a Vuelta, a Grã-Bretanha conquistou as três grandes voltas.
»»A batalha mais esperada afinal vai mesmo acontecer«
(Fotografia: Giro d'Italia) |
Quando Froome partiu naquele dia, numa etapa de montanha, com passagem no Colle delle Finestre, o britânico já não era visto como um candidato forte à vitória final, com 3:22 minutos a separá-lo de Simon Yates (Mitchelton-Scott) e com Tom Dumoulin (Sunweb) e Domenico Pozzovivo (Bahrain-Merida) pelo meio. Em 80 quilómetros tudo mudou.
Parecia inacreditável como um só homem arrancou de tão longe, com tanta dificuldade pela frente e ninguém o conseguia apanhar. Mesmo sendo Chris Froome. O ciclista metódico, que tem sempre tudo tão estudado, partiu numa aventura atípica nele, mas que foi fantástica e épica. Excelente a subir, ainda melhor a descer - onde fez as maiores diferenças - Froome ganhou em Bardonecchia e vestiu a maglia rosa. Yates quebrou, Dumoulin, Pozzovivo e Miguel Ángel López não tiveram capacidade para acompanhar o britânico.
Não foi tão espontâneo como à primeira vista se poderia pensar. Mais uma vez até estava tudo muito bem pensado. Uma loucura planeada, por assim dizer, com todos os membros do staff espalhados naqueles 80 quilómetros para garantir que o ciclista ia recebendo o abastecimento necessário para se alimentar e hidratar.
Com um Froome assim, foi inevitável ficar com o Giro, a grande volta que lhe faltava, fechando as três de forma consecutiva, ainda que em épocas diferentes. De referir ainda que Froome iniciou um ano histórico para o ciclismo britânico. Com Geraint Thomas a vencer o Tour e Simon Yates a Vuelta, a Grã-Bretanha conquistou as três grandes voltas.
»»A batalha mais esperada afinal vai mesmo acontecer«
Sagan entrega medalha de campeão do mundo a Valverde (30 de Setembro)
Já tinha seis pódios em Mundiais, mas o título não queria nada com ele. Innsbruck foi um dos objectivos da época para o espanhol de 38 anos. Nem era o máximo favorito, com aquela subida final a baralhar muito as apostas. Pendentes tão brutais não assentam bem a ninguém e qualquer um poderia falhar. Ou melhor quebrar. Valverde não falhou. Já chegava de segundos e terceiros lugares. A oportunidade foi, desta feita, agarrada com todas as forças que restavam naqueles metros finais (e já não era muitas), para garantir que não veria novamente outro ciclista vestir a icónica camisola do arco-íris.
Nada rouba o momento a quem acaba de se sagrar campeão do mundo, mas Valverde partilhou-o com outro senhor do ciclismo. Peter Sagan foi autor de um dos gestos do ano. O tricampeão do mundo, que não terminou a corrida de Innsbruck, surgiu no pódio para ser ele a entregar a medalha de ouro a Valverde. Um final perfeito para um dia de muito e bom ciclismo, num percurso que não será esquecido pela sua enorme dificuldade, mas que apenas contribuiu para tornar a vitória de Valverde ainda mais especial. Sagan viu isso e quis pessoalmente e à frente de todos dar o sinal de maior respeito por um ciclista que marcará a modalidade. Dois grandes atletas, dois senhores do ciclismo, nas vitórias e nas derrotas.
»»Finalmente Valverde««
(Fotografia: © Bettiniphoto/Facebook UCI World Championships Innsbruck) |
Nada rouba o momento a quem acaba de se sagrar campeão do mundo, mas Valverde partilhou-o com outro senhor do ciclismo. Peter Sagan foi autor de um dos gestos do ano. O tricampeão do mundo, que não terminou a corrida de Innsbruck, surgiu no pódio para ser ele a entregar a medalha de ouro a Valverde. Um final perfeito para um dia de muito e bom ciclismo, num percurso que não será esquecido pela sua enorme dificuldade, mas que apenas contribuiu para tornar a vitória de Valverde ainda mais especial. Sagan viu isso e quis pessoalmente e à frente de todos dar o sinal de maior respeito por um ciclista que marcará a modalidade. Dois grandes atletas, dois senhores do ciclismo, nas vitórias e nas derrotas.
»»Finalmente Valverde««
Um momento extra: a exibição de um júnior que fica para a história (27 de Setembro)
(Fotografia: © Bettiniphoto/Facebook UCI World Championships Innsbruck) |
Remco Evenepoel deixou o futebol para se dedicar ao ciclismo e em boa hora o fez. Em 2018 ganhou praticamente todas as corridas em que participou. Ficou com os títulos nacionais, os europeus, venceu o contra-relógio nos mundiais e ficava a faltar o de estrada. Caiu, perdeu mais de dois minutos e, em circunstâncias normais, estava perante uma missão praticamente impossível de chegar à frente da corrida. Evenepoel não esperou por ninguém. Foi um contra-relógio até à meta, deixando toda a concorrência - que não era fraca - para trás. Ninguém conseguia seguir o seu ritmo, nem igualar a sua determinação. Acreditou até ao fim e até teve tempo para cortar a meta a pé, com a sua bicicleta erguida lá bem no alto.
Uma corrida de juniores que fica entre os melhores momentos de 2018. E por ter sido tão marcante ver aquela exibição de Evenepoel, não se poderia deixar de a aqui colocar. Para 2019, este belga, que não quer ser chamado de novo Merckx, mas sim de novo Evenepoel, vai estar no World Tour, na Deceuninck-Quick Step.
»»O novo Merckx? Não. É o novo Remco Evenepoel, um nome a não esquecer««
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