6 de julho de 2018

Um Tour em que Froome é menos favorito

(Fotografia: © ASO Bruno Bade)
Quando em 2012 se viu um então promissor Chris Froome a olhar para trás, à espera do seu líder, Bradley Wiggins, mas de quando em vez acelerando um pouco, só para mostrar como estava mais forte, pensou-se então que se estava perante o ciclista que deveria ser o número um da Sky. O objectivo principal desta equipa britânica ficou concretizado naquele ano: ganhou a Volta a França. Porém, rapidamente Wiggins foi "encostado" para dar espaço a um Froome que no ano seguinte comprovou que de facto era o mais forte. Da Sky e do Tour.

Se a Sky tem sido dominadora, Froome tem sido a referência máxima desse domínio. Mas todos os impérios caem. Chega sempre o momento em que alguém não só faz frente a esse domínio, mas consegue também as armas necessárias para o fazer. Seis anos depois, Froome deixou de ser o favorito máximo crónico. E são várias as razões.

Remontamos a 2017. Froome ganhou pela quarta vez, justamente, mas sofreu mais do que nos anos anteriores, as diferenças foram claramente mais curtas e o britânico revelou fraquezas até então pouco vistas. Se houve algo que os adversários puderam retirar daquelas três semanas, é que é possível bater Froome e a Sky se se os enfrentar de frente, sem medos. No auge do domínio, aquele ritmo infernal que a equipa impunha na frente deixava quase todos "sufocados" e com receio de atacar. O medo de perder começou a ser mais forte do que a coragem para arriscar e talvez ganhar. Agora já não é bem assim.

Temos então a primeira razão por que Froome não é tão favorito: a concorrência é mais forte, maior e mais "afoita". Romain Bardet (AG2R) está cada vez melhor como ciclista, ainda que continue a ter o problema do contra-relógio. Porém, tem sido ele um dos mais inconformados com esta espécie de subserviência a Froome e Sky e acabou por se tornar um exemplo de como se pode quebrar o britânico. Mikel Landa (Movistar) é este ano um adversário, depois de a Sky o ter travado de tentar um resultado por si só para ajudar o líder Froome. Tal como Bardet, não é ciclista de temer nada nem ninguém. Nairo Quintana (Movistar) aposta este ano tudo no Tour, tal como Vincenzo Nibali (Bahrain-Merida) e até Tom Dumoulin (Sunweb) lá estará, ainda que já tenha o Giro nas pernas (pode ver aqui todos os principais adversários que ameaçam o domínio de Froome).

E a Volta a Itália é outra razão. Chris Froome ganhou e cumpriu o objectivo de vencer as três grandes e de forma consecutiva, mas em anos diferentes. No entanto, os exemplos recentes de Alberto Contador e Nairo Quintana demonstraram que é muito complicado conseguir estar bem nas duas corridas. O britânico pode até dizer que não atingiu um pico de forma em Itália, precisamente para guardar algumas forças para o Tour, sendo que teve mais uma semana do que o normal para recuperar (a Volta a França avançou na data para não coincidir em demasia com o Mundial de futebol). Porém, o desgaste está lá, pelo que Geraint Thomas estará pronto (e desejoso) a assumir a responsabilidade caso Froome quebre.

Outro ponto inclui precisamente Thomas. O galês assumiu a função de braço direito depois da saída de Richie Porte e assim se manteve até que percebeu que também pode ser mais do que um gregário. Uma moto tapou-lhe o caminho de tentar lutar pelo Giro em 2017 e quando pensava que iria ter nova oportunidade de liderança em 2018, Froome decidiu ir a Itália. Resultado? Thomas começou a dizer que iria ao Tour mas como co-líder. Por tudo o que o seu companheiro passou este ano, não é má ideia a Sky ter um plano B, no entanto, se Froome estiver bem, será improvável ver Thomas ter liberdade. Poderá uma insatisfação do galês fazer abanar a Sky? Landa, no ano passado, fê-la abanar um pouco...

Ao se ter um Alejandro Valverde a ganhar ao ritmo que o faz, como que se torna estranho dizer que um ciclista de 33 anos está a começar a sentir os efeitos da idade. Valverde tem 38 e não se nota nada! Mas a verdade é que os anos passam e Froome não está imune à normal descida de rendimento. No entanto, são vários os seus rivais que têm a mesma idade ou aproximada, pelo que os 33 anos talvez se possam notar mais se se juntar a questão do Giro. A capacidade de recuperar fisicamente será, mais do que nunca, essencial e, por isso, Richie Porte (BMC), Vincenzo Nibali ou mesmo Rigoberto Uran (31 anos, EF Education First-Drapac p/b Cannondale) podem ter vantagem por ter pensado apenas no Tour.

Recuperar fisicamente é essencial, mas mentalmente poderá ser determinante. Ainda mal chegou a França e nem na apresentação escapou aos primeiros apupos. Como será quando estiver na estrada, com o público ali tão próximo? Não será nada de novo para Froome, que no passado já ouviu muitas ofensas, assobiadelas e até levou com cuspidelas. O ambiente ameaça ser infernal e se nas primeiras etapas o britânico poderá resguardar-se no pelotão, protegido pela equipa, quando chegar a montanha estará exposto.

Ainda a nível psicológico teremos a possibilidade de perceber como de facto o caso do salbutamol mexeu com o ciclista. No Giro acabou por demonstrar que era capaz de resistir a tanto burburinho em seu redor. Porém, foram meses de suspeitas, insinuações, acusações e ainda houve aquele dia em que a ASO tentou impedir a presença de Froome no Tour. A UCI "salvou" o ciclista com o anúncio que o processo estava encerrado e que o britânico havia sido ilibado. Ainda assim, ninguém é de ferro e terão sido dias muito complicados e que vão continuar a ser durante as próximas três semanas. O processo está encerrado, mas as suspeitas vão demorar um pouco mais a desaparecer, se é que alguma vez tal irá acontecer.

Para terminar temos Egan Bernal. 21 anos de enorme talento e, sem dúvida, o sucessor de Froome na Sky. Depois das brilhantes exibições no seu ano de estreia no World Tour - ganhou a Volta à Califórnia, por exemplo -, o colombiano foi chamado para o Tour. Estará lá para ajudar e para começar a ganhar experiência para num futuro muito próximo ser ele o líder das grandes voltas. Mas há uma ideia que não se consegue afastar. E se Bernal fizer a Froome o que Froome fez a Wiggins em 2012? Será algo mais que o britânico terá de enfrentar psicologicamente. Mas até pode nem acontecer. Porém, certo é que Froome sabe que terá a seu lado aquele que mais cedo ou mais tarde (muito provavelmente mais cedo) lhe vai tirar o estatuto de líder indiscutível na equipa.

Se a vida não será fácil para Froome, a verdade é que quem está de fora a assistir também gosta que assim seja, no plano competitivo. É que vitórias anunciadas tem sempre o potencial para tornar as corridas aborrecidas, ainda mais quando estamos a falar de três semanas! O Tour tem sofrido muito com as vitórias anunciadas, etapas controladas pela Sky e percursos que pouco favorecem o espectáculo. Este ano a ASO mexeu um pouco nas etapas, promovendo o regresso do pavé e aquele dia "canhão" de apenas 65 quilómetros, por exemplo. E com um lote de candidatos tão forte e com um Froome a perder alguma força, pode ser que este ano tenhamos um melhor espectáculo na competição que se diz rainha, mas que tem perdido no interesse para a Vuelta e até para o Giro.

Que comece La Grande Boucle.

Primeira etapa: Noirmoutier-en-l'Île - Fontenay-le-Comte, 201 quilómetros



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