29 de julho de 2018

Do falhanço da Movistar e Mitchelton-Scott ao renascer da Lotto-Jumbo e quase perfeição da Sky

(Fotografia: © ASO/Bruno Bade)
Ponto final numa 105ª edição do Tour que consagrou Geraint Thomas como o grande campeão. 145 ciclistas chegaram aos Campos Elísios, numa corrida que teve uma etapa de pavé que marcou muito alguns candidatos (houve quem não resistisse), ainda que logo no primeiro dia houve quem começasse a perder tempo. A aposta de poucas chegadas em alto pode por vezes ser um pouco frustrante para quem assiste, mas acabou por manter este Tour um pouco mais indefinido. Julian Alaphilippe surpreendeu na montanha, enquanto Sagan não dá hipóteses nos pontos. De referir ainda o adeus de um ciclista que marcou uma geração em França: Sylvain Chavanel. Agora é tempo de balanços e respeitando a classificação por equipas aqui fica a prestação das 22, com várias a saírem de França com poucas ou nenhumas razões para sorrir.

Movistar: Ganhar uma etapa, mesmo que tenha sido a muito aguardada de apenas 65 quilómetros nos Pirenéus, foi muito pouco para Nairo Quintana e ainda menos para uma Movistar que resolveu apostar tudo no Tour e saiu quase de mãos a abanar. O muito falado tridente nunca assustou ninguém. Quintana pode ter tido azar logo no primeiro dia ao partir as rodas, mas depois nunca foi aquele colombiano que entusiasmava sempre que atacava e deixava a concorrência em sentido. Mesmo a vitória na etapa foi muito consentida pelos adversários. Viu-se um pouco do bom Quintana, mas fica a questão de onde anda o grande Quintana. Mikel Landa só apareceu na última etapa de montanha em boa forma, tendo andado limitado com dores nas costas devido a uma queda na etapa do pavé. Alejandro Valverde fez o que lhe competia para ajudar, tal como Marc Soler, mas a super equipa não existiu. Andrey Amador, Daniele Bennati e Imanol Irviti - Rojas abandonou no final da primeira semana - são ciclistas de qualidade e trabalharam muito, mas não formaram o esperado bloco que fizesse frente à Sky. Para a maioria das equipas ter dois homens no top dez seria excelente, para a Movistar pouco significado tem quando os queria ver no pódio, um deles em primeiro.

Bahrain-Merida: A saída de Vincenzo Nibali foi de um tremenda injustiça para um ciclista que ameaçava construir no Alpe d'Huez uma candidatura que preocuparia a Sky. Irresponsabilidade, distracção, fosse o que fosse daquele adepto, acabou com a corrida do italiano, mas não com a da equipa. Antes Sonny Colbrelli só não conseguiu bater Peter Sagan num sprint e depois da saída de Nibali, os irmãos Izagirre tomaram conta das fugas, mas ambos não foram além de um segundo lugar. Perante as contrariedades, nem tudo foi perdido, contudo, saberá certamente a pouco.

(Fotografia: © ASO/Marie-Christine Lieu)
Sky: Quando parecia que começava a mostrar debilidades, a equipa britânica reapareceu neste Tour forte, imperturbável, até quando Gianni Moscon resolveu agredir outro ciclista e foi expulso. Este foi o ponto baixo de uma equipa que soube lidar com uma co-liderança, controlando os egos de Geraint Thomas e Chris Froome. O objectivo de ver Froome fazer história com a dobradinha Giro/Tour, ganhando quatro grandes voltas consecutivas e o quinto Tour não foi alcançado. Porém, a Sky ganhou o sexto Tour em sete anos, agora com um Thomas que cresceu dentro da estrutura e já não é um braço direito de luxo, é um líder de pleno direito. E para acabar em grande, só faltou a vitória de Froome no contra-relógio, no único erro cometido pela equipa. Thomas "levantou o pé" para que o companheiro ganhasse e depois Tom Dumoulin estragou a festa. Ainda assim, Froome foi ao pódio e, claro, ninguém irá esquecer que este foi o Tour em que apareceu o próximo grande voltista: Egan Bernal.

Lotto-Jumbo: Quarto e quinto lugar na geral, um pódio que escapou no contra-relógio e três etapas ganhas.  No início do Tour nada disto era esperado. Primoz Roglic comprovou que é ciclista para disputar as três semanas. Pode ter perdido o pódio na sua especialidade, o contra-relógio, mas até esse dia servirá para o esloveno evoluir, se tirar as ilações correctas do que correu mal. Venceu uma etapa, juntando às duas do sprinter Dylan Groenewegen. Steven Kruijswijk mostrou que ainda tem algo mais para dar, mesmo estando a perder o protagonismo para Roglic. Excelente corrida desta equipa, que passará a ser vista com outros olhos nas próximas grandes voltas.

Astana: É urgente encontrar um líder para as três semanas. Jakob Fuglsang teve a sua oportunidade e desperdiçou-a. No entanto, esta é uma equipa que praticamente todos os ciclistas têm um espírito de lutadores, muito à imagem do director Alexander Vinokourov. A perda muito cedo de Luis Leon Sánchez foi um rude golpe - sofreu uma queda -, mas Omar Fraile e Magnus Cort Nielsen foram buscar duas vitórias de etapas muito desejadas, principalmente depois de um início de temporada forte, que acabou por não ter continuidade no Giro. Esperava-se um pouco mais da Astana, de Fuglsang, mas duas vitórias de etapa, mais a participação em várias fugas, faz com que tenha sido um Tour menos mal, tendo em conta o falhanço do dinamarquês (12º a 19:16 minutos).

Sunweb: Segundo lugar na geral e vitória no contra-relógio com Tom Dumoulin. Esta é uma equipa que segue os passos da Sky no que diz respeito em concentrar toda a responsabilidade num ciclista para ganhar. Para quem ia ao Tour para se testar (nunca tinha feito Giro/Tour com a intenção de tentar vencer ambos), pode-se dizer que passou com distinção. Foi novamente segundo atrás de um ciclista da Sky, mas Dumoulin esteve muito bem. Só ele e Thomas não tiveram um mau dia. Não restam dúvidas que o holandês terá o Tour como principal objectivo e que a Sunweb irá continuar a construir uma equipa forte para melhor proteger o seu líder. Nesse aspecto, o Giro correu melhor. Sam Oomen fez falta.

AG2R: Perder Axel Domont, Alexis Vuillermoz e Tony Gallopin foi um rude golpe, quando ainda faltava metade do Tour e praticamente todas as principais etapas. Pierre Latour esteve muito concentrado em garantir a classificação da juventude e em certos momentos deveria ter estado ao lado do seu líder Romain Bardet. Porém, foi mesmo Latour quem deu a maior alegria a uma equipa que acreditava em algo especial para este Tour, mas Bardet não esteve à altura dos acontecimentos. E não se pode apenas culpar os abandonos precoces. O francês falhou quando tinha de ser ele a mostrar-se. Desta feita nem foi o contra-relógio o seu calcanhar de Aquiles. Bardet falhou na montanha e a AG2R nem uma vitória de etapa conseguiu. Valeu a classificação da juventude, mas que deve saber a pouco.

BMC: A presença da equipa americana resume-se ao triunfo no contra-relógio e a Greg van Avermaet. Mas sete dias de camisola amarela é algo de positivo, com o belga a salvar a BMC, que viu Richie Porte cair novamente e abandonar na nona etapa, enquanto Tejay van Garderen (sim, acabou o Tour), não esteve à altura da responsabilidade de assumir a liderança. A outra boa notícia acabou por ser a garantia que a estrutura vai continuar, agora como apoio da empresa polaca CCC. De resto, a BMC sairá de França com poucas razões para sorrir.

Quick-Step Floors: Quatro vitórias de etapa e a classificação da montanha. Perfeito dentro dos objectivos desta equipa. Aliás, a conquista de Julian Alaphilippe até é um bónus, já que não deixou de ser algo surpreendente vê-lo segurar a camisola das bolinhas na mais alta da montanha. Só faltou Fernando Gaviria ter capacidade para passar as maiores dificuldades, ele que há um ano venceu a classificação dos pontos no Giro. Mas venceu duas etapas e vestiu a camisola amarela logo na estreia no Tour. Bob Jungels ficou à porta do top dez, com pouco mais de dois minutos a separá-lo de Nairo Quintana. Mais um passo rumo à evolução do luxemburguês. A Quick-Step Floors sai de França sendo uma das equipas com melhor prestação.

Mitchelton-Scott: Depois da performance no Giro, de ter optado deixar o sprinter Caleb Ewan em casa para apostar tudo em Adam Yates, a Mitchelton- Scott sai vergada por uma ambição que esbarrou num líder incapaz de se apresentar ao melhor nível e numa equipa que esteve longe do nível daquela que esteve em Itália. Quando Yates começou a fraquejar, ainda tentou ir buscar uma etapa, tal como Mikel Nieve. Contudo, a equipa australiana termina o Tour com uma prestação fraca. Está a tornar-se numa estrutura mais forte para este tipo de corridas, mas ainda há trabalho a fazer para se aproximar de uma Sunweb, por exemplo, e já nem se fala da Sky, que continua num patamar só dela nas grandes voltas.

(Fotografia: © ASO/Bruno Bade)
UAE Team Emirates: Daniel Martin e Alexander Kristoff cumpriram. Venceram uma etapa cada e o sprinter conquistou a mais desejada nos Campos Elísios. O irlandês ganhou uma tirada, cedeu tempo, reconquistou-o, teve o top dez em risco, mas lutou para o garantir. Por tudo isto recebeu o prémio de supercombativo da Volta a França. Fechou na oitava posição, a 9:05 de Geraint Thomas. Mesmo que tivesse ao seu lado um bloco mais forte, Martin não foi (e talvez não seja) um ciclista para discutir um pódio no Tour. E quase que deu para esquecer que haviam mais seis ciclistas em prova, pois mantém-se o eterno problema desta formação. Já Kristoff esteve sempre na disputa dos sprints e no final teve a recompensa. Pode-se dizer que faltaram os grandes nomes e que Sagan estava limitado, mas o norueguês teve todo o mérito em bater uma concorrência que não deixou de ser de respeito.

Cofidis: Christophe Laporte esteve perto de agradecer a confiança depositada nele para os sprints, mas Arnaud Démare relegou-o para segundo lugar, da única vez que esteve realmente na disputa. Para uma equipa que deixou Nacer Bouhanni em casa de forma a ter parte dela a apostar em fugas para procurar uma etapa, os planos da Cofidis estiveram longe de ser concretizados. Tour negativo para a equipa francesa. Praticamente não se viram os seus corredores.

(O texto continua por baixo do vídeo.)



Trek-Segafredo: Valeu o renascimento de John Degenkolb, ou pelo menos assim se espera depois de ganhar em Roubaix e ter sido segundo nos Campos Elísios. Toms Skuijns também esteve bem e chegou a estar com a camisola da montanha, antes das etapas mais complicadas chegarem. Já Bauke Mollema falhou por completo, tentou salvar algo entrando em fugas, mas se há uma ilação a tirar deste Tour, é que não restam dúvidas que está na altura de renovar, algo que estará a ser preparado para 2019.

Fortuneo-Samsic: Pode não ser uma equipa forte, mas Warren Barguil não se pode queixar de falta de apoio para que concretizasse o objectivo de ganhar a etapa. Chegou a ter quase todos os companheiros em fuga com ele. Foi Barguil quem esteve mal. Quando foi necessário assumir a corrida, a condição física não estava lá. Uma sombra comparativamente com o ciclista entusiasmante de 2017, que venceu duas etapas e a camisola da montanha com a Sunweb. Nem frente a um ciclista que não é um puro trepador como ele, Julian Alaphilippe - mas que agiu como tal -, conseguiu pelo menos garantir aquela classificação. Há muito a mudar neste Barguil que saiu da Sunweb porque queria ser líder indiscutível, mas que não mostrou estar preparado para a responsabilidade.

Groupama-FDJ: Arnaud Démare salvou a corrida da equipa francesa ao vencer uma etapa, mas a desconfiança lançada que recebeu ajuda do carro da equipa para chegar dentro do tempo limite na etapa dos 65 quilómetros, acaba por estragar ainda mais uma prova em que a Groupama-FDJ mostrou precisar de ter um Pinot Pinot para pelo menos aspirar a algo mais. Démare tem mérito na vitória, mas quando estavam todos os principais sprinters revelou dificuldade para estar lado-a-lado com eles. Foi pena não se ter visto mais do jovem talento David Gaudu.

Direct Energie: Podem ter entrado nas fugas, tentaram, esforçaram-se, mas esta equipa francesa foi mais uma a desiludir. Esperava-se mais, principalmente de Lilian Calmejane, que há um ano venceu uma etapa. No primeiro Tour sem Thomas Voeckler, esta Direct Energie ficou aquém do que poderia fazer. Mas uma palavra para Sylvain Chavanel. Foi o adeus de um ciclista que marcou uma geração em França. Passou mais de um ano da sua vida a participar em Voltas a França, venceu três etapas e só não terminou duas das 18 que fez. Chavanel bem tentou uma daquelas vitórias a atacar de longe, mas não estava destinado. No final da temporada, o francês de 39 anos sairá de cena.

Katusha-Alpecin: Ilnur Zakarin lá apareceu nas duas últimas etapas para entrar no top dez e salvar um pouco um Tour muito fraco desta equipa. Dividida para ajudar o russo e Marcel Kittel, a aposta no alemão foi completamente falhada. O sprinter esteve muito longe das suas reais capacidades. Nunca demonstrou estar sequer perto do nível de Fernando Gaviria e Peter Sagan, por exemplo, acabando mesmo por abandonar nos Alpes. Já Zakarin demonstrou que consegue ter uma última semana forte, mas entre azares e algumas fraquezas nas duas primeiras, acaba por arruinar a possibilidade de fazer algo mais. Fez pódio na Vuelta, mas precisa de ser mais consistente no Tour e a equipa precisa de se reforçar para a montanha.

(Fotografia: © ASO/Bruno Bade)
Bora-Hansgrohe: Três etapas e a camisola verde de Peter Sagan, portanto, principal objectivo cumprido, depois de no ano passado ter sido uma desilusão com a expulsão do eslovaco. Sagan é um senhor que dá garantias e igualou o recorde de Erik Zabel. Já Rafal Majka ficou aquém do que deveria ter feito. Era um ano importante para o polaco afirmar-se, mas a única imagem que deixou é que pode ser um eterno candidato ao top dez (nesta edição nem isso), um potencial vencedor de etapas (que também não alcançou desta feita) e talvez se apontar a esse objectivo, voltar a conquistar a camisola da montanha, mas um verdadeiro candidato a disputar a Volta a França... este Majka não é.

Wanty-Groupe Gobert: A equipa belga mostrou-se em algumas fugas, mas foi em Guillaume Martin que residiu a esperança de algo espectacular. O jovem francês esteve durante muito tempo na luta pela camisola da juventude com Pierre Latour, mas os Pirenéus acabaram por estragar um sonho. Não foi um Tour muito conseguido por esta equipa de ciclistas combativos, juntando-se às restantes Profissionais Continentais - Cofidis, Direct Energie e Fortuneo-Samsic - que fizeram pela vida, mas nada alcançaram.

EF Education-First- Drapac p/b Cannondale: Sem Vincenzo Nibali, a Bahrain-Merida socorreu-se dos irmãos Izagirre para não passar ao lado Tour. Sem Rigoberto Uran, uma das "vítimas" da etapa do pavé, a equipa americana não teve ninguém. Até parece irónico que o ciclista que mais destaque teve foi o "lanterna vermelha" Lawson Craddock. Ao falhar todos os objectivos competitivos de ganhar, a luta do americano de permanecer na corrida depois de fracturar a omoplata na primeira etapa foi a grande vitória da formação americana.

Dimension Data: Serge Pauwels tentou salvar algo deste Tour entrando em fugas, mas uma queda atirou-o para fora da corrida. Mark Cavendish foi uma nulidade no sprint e se houve abandono que não surpreendeu foi o do britânico. Foi uma Volta a França demasiado fraca da equipa sul-africana que está a precisar de sangue novo para reaparecer como candidata a pelo menos não passar quase completamente despercebida.

Lotto Soudal: A equipa caça-etapas que viu tudo correr-lhe bastante mal. Perder Tiesj Benoot logo após a quarta tirada, devido a queda, acabou por ser um rude golpe. André Greipel está na fase descendente da carreira, ainda que num sprint não ficou longe de mais uma vitória no seu impressionante currículo (11 triunfos só no Tour). O inevitável Thomas de Gendt ainda tentou, mas não foi aquele ciclista muito activo em fugas como já se viu. Se era preciso mais para se perceber como é uma Volta a França para esquecer, só três ciclistas completaram as 21 etapas.

Para terminar, o link para as classificações finais da Volta a França (via ProCyclingStats) e o melhor do Tour no vídeo em baixo.




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