22 de junho de 2018

"Não sei se algum dia vou ser uma grande líder, mas tenho a certeza que posso ser uma gregária de luxo"

E já são seis títulos nacionais para Daniela Reis, o quarto no contra-relógio. Depois de umas semanas difíceis, marcadas por problemas de saúde, a ciclista portuguesa que nos últimos dois anos tem estado ao mais alto nível conseguiu recuperar a forma para conquistar sem discussão mais uma medalha da especialidade e neste sábado vai tentar juntar a camisola de campeã da prova de fundo. Este fim-de-semana é o início de uma fase importante da temporada de uma ciclista determinada em ir mais longe, que acredita que se trabalhar poderá continuar a subir os difíceis degraus no ciclismo feminino internacional. Tem também a certeza que irá ter mais atletas a seguir as suas pisadas, deixando grandes elogios a duas jovens ciclistas.

Daniela Reis foi quem abriu as portas do ciclismo feminino para Portugal. O ser pioneira deu-lhe um estatuto de referência entre outras ciclistas, principalmente as mais novas. Ainda só tem 25 anos, mas não consegue escapar ser vista desta forma. No entanto, nem gosta muito de ser vista assim: "Ser referência... de certa forma é um bocado de pressão. Eu não quero ser diferente. Eu vou para as corridas para dar o meu melhor, em tudo o que faço. Em cima de tudo fico contente por haver mais portuguesas a acreditar que podem lá chegar e aos poucos sermos mais a correr lá fora. Acreditámos e conseguimos."



A ciclista da Doltcini-Van Eyck Sport refere-se a Soraia Silva e Maria Martins - que a acompanharam no pódio nos Nacionais de contra-relógio -, que este ano assinaram pela equipa espanhola da Sopela Women's Team. "São diferentes, a Tata [Maria Martins] é uma grande sprinter, tem uma ponta final excelente. A Soraia é uma atleta completa. Acredito que quando fizer uma pausa ou acabar a faculdade também irá conseguir chegar a um nível mais alto", explicou.

Mas vamos falar sobre a Daniela Reis. "Sim, estou mais adaptada [ao nível em que compete]. Fiz grandes corridas nas clássicas. Não sou uma das líderes, o meu papel é ajudar até às partes mais importantes das corridas. Estou mais adaptada ao ritmo e à forma de correr delas", disse. Como mulher de trabalho, já vai tendo os seus créditos bem firmados e é nisso que quer continuar a evoluir. Ser líder, não a atrai. "Por agora estou bem como gregária. Não gosto muito de pressão. Sou boa a trabalhar. Mandas-me fazer isto eu faço, mandas-me ganhar uma corrida e não ando nada nesse dia", referiu. "Adoro fazer o meu trabalho. Ando o dobro do que se me pedirem para ganhar. Não sei se algum dia vou ser uma grande líder, mas tenho a certeza que posso ser uma gregária de luxo. E quando é assim, a tua oportunidade aparece. Um dia tens sorte, vais para a fuga e ganhas. Se se tem capacidade para trabalhar uma etapa toda, também se tem para ganhar", acrescentou.


"Tive um bom início de época nas clássicas. De há dois meses para cá, no início de Abril, tive uma fase muito complicada, vários problemas de saúde que me deitaram um pouco abaixo"

Até volta a falar de Maria Martins: "A Maria é uma ganhadora. Se chegar aos 500 metros, vê o risco e ganha. Eu não tenho essa capacidade. Não consigo fazer essa mudança de ritmo, mas garanto que a consigo levar até aos 400 ou 300 metros da meta." Então, e será que vai "meter uma cunha" para a levar para a sua equipa? "Quem sabe... Mas ela não precisa de cunha, ela vai lá chegar e quando lá chegar, ganha!"

Sobre a sua temporada, Daniela Martins já teve altos e baixos. "Tive um bom início de época nas clássicas. De há dois meses para cá, no início de Abril, tive uma fase muito complicada, vários problemas de saúde que me deitaram um pouco abaixo. Felizmente que as coisas voltaram a compor-se e consegui chegar aos Nacionais a andar bem. As próximas duas semanas tenho grandes objectivos", afirmou. Primeiro foi uma infecção respiratória depois da Volta a Flandres. Quando ia para a China, foi uma infecção nos dentes que a debilitou. "Demorou muito a se conseguir tratar. Foi uma fase muito complicada. Felizmente as coisas melhoraram e faz parte do passado."


Depois dos Nacionais, Daniela Reis tem então duas semanas com grandes objectivos. Primeiro serão os Jogos do Mediterrâneo e depois viajará para a República Checa para uma prova por etapas. Está claramente entusiasmada pela recuperação de forma, ao que ajuda ter conquistado mais um título nacional e recordou as três corridas que mais gosta: "Foram as que apontei este ano e que andei mais, o Trofeo Alfredo Binda [26º lugar], Tour de Flandres [29º] e seria o Giro, mas a equipa não foi convidada. São três corridas espectaculares."

Estar numa equipa internacional de alto nível não é o mesmo que estar numa estrutura idêntica, mas masculina. Daniela Reis falou de como se passam dificuldades e como não se fica a viver à grande com o que se paga às ciclistas. Algumas nem recebem nada. "As pessoas acham que por estar numa equipa World Tour é espectacular. Não é! Temos muitas dificuldades. Mesmo a nível financeiro não é como nos homens, que ganham aos milhares. Eu fui para França e nem ganhava dinheiro. Temos de acreditar que as coisas vão melhorar. Não ganhas dinheiro, para o ano pode ser melhor. Agora ganhas pouco, ok continua-te a esforçar-te que vais chegar mais longe. Nunca vamos ganhar tanto como os homens, mas desde que dê para sustentar..."


"Queria mais e melhor. Quero sempre. Sou um bocado inconformada. Mas é acreditar que as coisas podem melhorar e têm tudo para melhorar"

Queixar, não se queixa e Daniela Reis até contou como na pré-época, nos meses de Inverno, trabalha na padaria "para ganhar uns trocos". "Gosto muito daquilo e dá para conciliar com os treinos. Se formos esperar por ordenados das equipas estamos tramadas. As 20 melhores atletas ganham muito, o resto... é o resto, algumas nem são pagas", realçou. No entanto, considera que as condições estão a melhorar no ciclismo feminino, apesar do enorme fosso entre o que se paga às melhores e às restantes atletas. Confessou que de certa forma o que está a encontrar foi de acordo com as suas expectativas, mas... "Queria mais e melhor. Quero sempre. Sou um bocado inconformada. Mas é acreditar que as coisas podem melhorar e têm tudo para melhorar."

A médio/longo prazo quer "mudar de equipa e subir mais um degrau". "Até chegar a este nível é de certa forma fácil, digamos assim. Depois são degraus pequeninos, mas difíceis de subir. E são eles o objectivo. É possível. Quando acreditamos e trabalhamos é possível", afirmou. A sua determinação é mais do que clara e mesmo não estando confortável na posição de referência, a forma como tem encarado a sua carreira de atleta é por si só um grande exemplo.

Este sábado Daniela Reis partirá com essa determinação à procura de mais um título nacional, num final de manhã e início de tarde em Belmonte dedicado ao ciclismo feminino, antes dos sub-23 masculinos partirem às 15:00. As corridas começam às 11:00. Em baixo da imagem ficam as classificações do contra-relógio.



Resultados:
1ª Daniela Reis (Doltcini-Van Eyck Sport), 38:43 minutos (24,1 quilómetros, com uma média de 37,348 quilómetros/hora)
2ª Maria Martins (Sopela Women's Team), a 1:09 minutos
3ª Soraia Silva (Sopela Women's Team), a 3:26
4ª Celina Carpinteiro (5Quinas-Município de Albufeira-CDASJ), a 4:57
5ª Liliana Jesus (BTT Seia), a 5:43
6ª Raquel Santos (5Quinas-Município de Albufeira-CDASJ), a 6:45
7ª Ana Vigário (Sporting-Tavira-Formação Eng. Brito da Mana), a 7:28
8ª Inês Pereira (Academia Joaquim Agostinho-UDO), 7:44
9ª Rita Soares (Jorbi-Team José Maria Nicolau), a 10:28

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