12 de setembro de 2017

A época do ciclismo nacional chegou ao fim... e soube a pouco

A época chegou ao fim no ciclismo nacional. Já! Estamos em Setembro, com um tempo ainda a convidar tantas pedaladas, mas a nível competitivo, na estrada, a temporada chegou ao fim com o Troféu Concelhio de Oliveira de Azeméis e o Memorial Bruno Neves neste último fim-de-semana, duas provas que até já se deveriam ter realizado, mas foram adiadas para esta altura do ano. Fica a faltar o Festival de Pista de Tavira, mas como o nome bem indica, já não se verá os ciclistas na estrada. O início do ano prometeu, com o pelotão nacional a ser dos melhores dos últimos anos. Os directores desportivos partilhavam essa opinião. Melhores ciclistas, mais potencial para espectáculo. Assim foi, mas... soube a pouco.

Domingos Gonçalves (Rádio Popular-Boavista), Fábio Silvestre (Sporting-Tavira) e Edgar Pinto (LA Alumínios-Metalusa-BlackJack) regressaram ao pelotão nacional, que também voltou a contar 12 anos depois com Sérgio Paulinho (Efapel), medalha de prata em Atenas 2004 e um dos homens de confiança durante muitos anos de Alberto Contador. Este grupo juntou-se a uma W52-FC Porto ainda mais forte com a integração de Amaro Antunes, apesar da perda de Rafael Reis, a um Sporting-Tavira que desta feita começou a tempo e horas a mexer-se no mercado e foi buscar Joni Brandão (ex-Efapel) e Alejandro Marque (ex-LA Alumínios-Antarte). Também houve uma Rádio Popular-Boavista que foi buscar Filipe Cardoso à Efapel e João Benta ao Louletano-Hospital de Loulé, tendo perdido César Fonte para a LA Alumínios-Metalusa-BlackJack. Ou seja, muitas mexidas que permitiram equilibrar um pouco melhor as forças no pelotão, com a equipa de Nuno Ribeiro a demonstrar durante a temporada ser ainda claramente superior.

Quanto a competições, o calendário português continua a ter problemas. Falta dinheiro e patrocínios, já se sabe, pelo que organizar corridas não é fácil. Logo no início do ano, por exemplo, foi cancelada a corrida em Vila Nova de Cacela, Algarve, e as duas que agora fecharam a temporada foram adiadas. Houve dúvidas sobre a sua realização, mas acabaram por ir para a estrada. O início do ano até foi algo intenso, mas houve paragens que sempre quebram o ritmo competitivo. As equipas portuguesas tentam gerir os curtos orçamentos para de vez em quando ir a Espanha. A W52-FC Porto até apostou bem forte nestas corridas e com bons resultados, tanto por parte de Amaro Antunes, como de Raúl Alarcón, que venceu a Volta às Astúrias e foi segundo na de Madrid.

No entanto, não é fácil para a maioria das seis formações de elite ir muito lá fora, tentando assim suprimir a falta de corridas por cá. Mas regressando às provas portuguesas. Podem ser poucas, mas há corridas com grande potencial. A Volta ao Algarve já está mais do que confirmada como tal, pertencendo ao segundo escalão mundial, contudo, há que olhar com atenção para as clássicas da Arrábida e Aldeias do Xisto. Percursos muito interessantes, a proporcionar espectáculo, com potencial para chamar ciclistas de outro nível. E claro que há que destacar a vertente visual que o ciclismo tanto ajuda a "vender": que bonitas paisagens! A nossa grande corrida, a Volta a Portugal, acabou por ficar um pouco aquém. A culpa não é da W52-FC Porto dominar, o percurso acabou por criar pouco entusiasmo e isso nota-se nas bermas da estrada despedidas de público, mesmo na Senhora da Graça (que se quer ao fim-de-semana e não a uma terça-feira). Na Torre foi uma desilusão e foi uma etapa para recordar.

Nos 90 anos da Volta, a RTP foi recordando alguns grandes momentos da corrida. Nessas imagens via-se precisamente como as pessoas procuravam todos os cantos, todas as pedras para ver os ciclistas passar na Torre e na Senhora da Graça, por exemplo. Os tempos são outros, é certo. O ciclismo português não tem a fama junto da população de outrora, ainda assim, é triste ver como a Volta a Portugal atrai tão pouco público, tão pouco interesse (excluindo os brindes dos patrocinadores, sempre muito procurados).

Talvez seja por aqui que seja necessário começar. Com a Volta ao Algarve consolidada e com algumas corridas de um dia a irem crescendo aos poucos, é na Volta a Portugal que se quer mais. Para tal é preciso apostar de uma diferente forma, tentar subir novamente o escalão e assim atrair outro tipo de equipas, que não algumas que por cá acabam com um ou dois ciclistas e que nem numa fuga quase tentam entrar. Começar por chamar equipas do nível Profissional Continental seria algo interessante, mas subir de escalão poderá ser essencial. Este ano, só a Israel Cycling Academy cá veio e até venceu a classificação da juventude.

Este ano foi aberto o concurso para a organização das próximas edições da Volta a Portugal, nas linhas definidas pela Federação Portuguesa de Ciclismo, é fácil perceber que é precisamente a subida de nível da corrida que se pretende, mesmo que não de imediato. A Volta é organizada pela Podium, tendo como director o antigo ciclista Joaquim Gomes, e vai continuar a ser até 2025. Foi a única candidatura apresentada.

A Volta teve o seu espectáculo. Disso não há dúvida, mas lá está... soube a pouco. O nosso pelotão foi de qualidade em 2017 e estava preparado para outro desafio mais intenso numa corrida que continua a ser vista como a mais importante para as equipas nacionais. Aqui ainda não falámos do Louletano-Hospital de Loulé, mas apesar de mais discreta nas contratações, a formação apostou na continuidade com Vicente García de Mateos e o espanhol retribui com excelentes resultados, inclusivamente o pódio na Volta a Portugal. A equipa algarvia também foi uma das que mais animou algumas corridas.

Talvez seja querer de mais. Porém, com um pelotão como este gostar-se-ia de ter visto mais corridas e quando foi possível ver uma na televisão (a Volta a Portugal), teria sido excelente se o percurso puxasse um pouco mais pelos ciclistas de qualidade que lá estavam. Das equipas estrangeiras que cá estiveram, alguns dos seus responsáveis não tinham dúvidas que as portuguesas eram de um nível elevado, até colocaram algumas como de nível Profissional Continental e não só a W52-FC Porto.

Quanto ao pós-Volta, não varia mal uma dinamização dos tradicionais circuitos. Marcados por um espírito de descontracção, é uma festa de ciclismo muito particular, mas que em certos sítios parece que vai caindo no esquecimento, até da população local que tem ali uma oportunidade de conviver de uma forma muito próxima com os ciclistas.

Aos poucos o ciclismo português vai renascendo. Não bem das cinzas, mas quase, depois de anos em que o dinheiro escasseou e foi um martírio manter as equipas na estrada. Alguns patrocinadores não perderam a esperança e ainda hoje se vão mantendo, agora com uma projecção outra vez um pouco maior e que merecia ser mais dado os ciclistas que representam as formações nacionais.

O ciclismo português tem qualidade, tem pessoas de muita dedicação e profissionalismo que continuam a dedicar-se seja à elite, seja aos escalões de formação que tantas dificuldades continuam a atravessar, mas resistem. De salientar que os sub-23 competem quase o ano todo com a elite, ajudando a compor o pelotão. E de vez em quando aparecem nas discussão das corridas, que o diga Francisco Campos, do Miranda Mortágua.

O ciclismo português merece mais atenção de todos (media, público...). Os ciclistas que vamos vendo dar o salto para equipas do World Tour, ou para o escalão Profissional Continental começaram por cá, evoluíram cá o suficiente para atrair as atenções de grandes equipas. Portugal não é o World Tour (ainda que temos uma Volta ao Algarve que nos permita viver um pouco esse ambiente), mas se o crescimento continuar em 2018, aos poucos vamos tendo mais e, principalmente melhores corridas. Não é um mar de rosas, mas não é preciso tanto pessimismo. Há muito a corrigir e a melhorar, mas já se vão fazendo coisas bem feitas e é a partir daí que se deve continuar o trabalho. Estaremos aqui para acompanhar, na esperança que para o ano não saiba a pouco!

E como derradeira referência, os dois últimos vencedores do ano foram Domingos Gonçalves, que conquistou o Troféu Concelhio de Oliveira de Azeméis, e Mario González (Sporting-Tavira), vencedor do Memorial Bruno Neves. Tudo acabará a 5 de Outubro, no Festival de Pista de Tavira.


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