22 de fevereiro de 2019

"Pensava em júnior que era um bom ciclista, mas quando damos um salto destes, percebemos que há muito pela frente"

"Que idade tens?" É uma pergunta que Hélder Gonçalves tem ouvido várias vezes nos últimos dias, mas quando entre quem questiona está Steve Cummings e Wout Poels, o jovem ciclista responde de sorriso rasgado. Tem 18 anos e há um estava a competir nos juniores do Roriz. Agora, na UD Oliveirense-InOutbuild, está lado a lado com alguns grandes nomes do World Tour e a adorar cada minuto. Não esconde que foi um choque quando soube que ia à Volta Algarve e que estava receoso sobre o que ia encontrar, afinal nunca tinha sequer feito 200 quilómetros a pedalar antes desta época e agora até troca impressões com ídolos.

"É incrível. Eu só fiz uma corrida com o pelotão nacional e foi aquela que dizem que é a mais fácil [Prova de Abertura Região de Aveiro]. Na semana seguinte estou na Volta ao Algarve, que tem categoria acima da Volta a Portugal... Nem tenho palavras para explicar!" Hélder Gonçalves surge descontraído, ainda que já ia pensando nas dificuldades que iria sentir no conta-relógio, que não é a sua especialidade, mas principalmente porque o vento era bastante forte para quem é tão "levezinho". Quando o chamou, Manuel Correia tratou-o por "benjamim". Nada que o jovem ciclista não goste, afinal é mesmo o mais novo de todo o pelotão da Algarvia. "É uma coisa que ainda tenho de enquadrar melhor na minha cabeça. Sou mesmo o benjamim ao lado destas estrelas."

A ausência inesperada de um companheiro devido a problemas de saúda, abriu uma porta que Gonçalves não esperava acontecer tão cedo. Contudo, é uma oportunidade que está a aproveitar ao máximo. "Foi um choque quando o chefe me disse que vinha, nem reagi. Depois do choque inicial fiquei feliz", explicou ao Volta ao Ciclismo, contando ainda que tinha terminado a corrida de abriu a época em Portugal quando foi informado.


"Quando descolei, na fase mais dura da corrida [na etapa da Fóia], ele [Poels] ia a olhar de boca fechada para o GPS e eu a sofrer muito! Ele estava a fazer a subida com uma tranquilidade incrível e eu em choque!"

"Até agora tem corrido tudo muito bem. O Rafael tem estado muito bem, está numa forma incrível. A equipa está bem. Eu lá tenho sobrevivido, mas tem sido uma experiência incrível", salientou. E ao "sobreviver" está a cumprir ao que lhe foi pedido pelo director desportivo Manuel Correia: "Pediu-me para que eu sobrevivesse. Foi uma reunião muito rápida!" O responsável disse ainda a Hélder Gonçalves para desfrutar. "Não há grandes exigências dado os adversários e ainda temos poucas corridas [este ano]. Somos a equipa mais jovem. Estamos todos aqui para aprender", afirmou.

Ao ver-se ao lado de ciclistas que normalmente via na televisão, Gonçalves realçou que não ia desperdiçar a oportunidade de conversar com alguns corredores que mais gosta. Poels é um deles e já tem uma história para contar ao competir com o homem da Sky: "Há um momento que gostava de recordar. Quando descolei, na fase mais dura da corrida [na etapa da Fóia], ele ia a olhar de boca fechada para o GPS e eu a sofrer muito! Ele estava a fazer a subida com uma tranquilidade incrível e eu em choque!"

Com Cummings (Dimension Data) a história foi outra: "Cheguei a dizer-lhe que ele poderia ser meu pai. Ele pensava que o estava a chamar velhote!" Mas o britânico, que tem 37 anos, não levou Gonçalves a mal e até conversou com o jovem ciclista. "Perguntou-me a idade e falámos um pouco. Ele disse-me que no ano que nasci ele já corria! Disse-me para desfrutar", contou, acrescentando: "Ele é gigante e eu um franganote de 50 e poucos quilos ao lado dele."

Começar a sua fase de sub-23 numa equipa que tantos jovens tem lançado para o mais alto nível do ciclismo - os gémeos Oliveira e Ruben Guerreiro, por exemplo - é por si só uma conquista para Hélder Gonçalves, mas... "Eu ainda estou a evoluir. Pensava em júnior que era um bom ciclista, mas quando damos um salto destes, percebemos que há muito pela frente. Um trepador em juniores chegar à Fóia com o grupo dos sprinters, foi logo ali mais um choque!"

Hélder Gonçalves vai tentando lidar com todas estas novas experiências que está a viver, em tão poucos dias, como ciclista de uma equipa Continental sub-25. Até admite que nem tem muito tempo de lidar com tantas emoções, pois o dia é pedalar, ir para o hotel, comer e dormir. "Acredito que quando chegar a casa irei reflectir sobre tudo o que aconteceu. Antes de vir para o Algarve disse aos meus pais que, por muito que um dia seja ciclista profissional, esta será uma das minhas referências e das corridas com mais categoria que poderei realizar."


"Cheguei a um ponto na minha vida que tive de optar. Se se quer ser bom, só pode ser boa numa coisa"

É de Barcelos, terra de outros Gonçalves bem famosos - os gémeos José e Domingos -, mas também de mais ciclistas de referência no pelotão, como João Matias. "Ele até disse que poderíamos formar uma equipa de ciclistas de Barcelos para correr na Volta ao Algarve", contou Hélder Gonçalves. Chegar onde já conseguiu chegar não o fez perder a humildade. É um jovem agradecido a todos os que têm ajudado neste seu caminho. Começou por realçar as "pessoas fantásticas do Roriz, que ajudam a formar grandes atletas e, acima de tudo, grandes pessoas".

Depois recordou como começou o ano com uma lesão no joelho direito, o que também afectou a sua actual forma física, que gostaria que fosse melhor. "Tive uma grande equipa ajudar-me. Houve muito trabalho realizado para que eu pudesse estar a Prova de Abertura." Terminou salientando como encontrou uma união, uma família no ciclismo na UD Oliveirense-InOutbuild. E por falar em famílias, não se esquece de referir que foi com o pai que começou a andar de bicicleta quando se fartou do futebol. "Comecei um pouco tarde no ciclismo. Fui para o Roriz como juvenil de segundo ano." Mas foi muito a tempo para tentar construir uma carreira como ciclista de estrada, ainda que se esteja perante alguém que foi vice-campeão nacional de XCO e de ciclocrosse.

"Cheguei a um ponto na minha vida que tive de optar. Se se quer ser bom, só pode ser boa numa coisa. Foi sempre esse lema que me contaram. Eu próprio senti isso e decidi apostar tudo na estrada. Também gosto, senão não o faria", frisou. O ciclocrosse poderá não ser completamente riscado das suas épocas, já que, como vertente de Inverno, é apreciado por muitos corredores para preparar a temporada de estrada. Mas um dia de cada vez para Hélder Gonçalves. Sobreviveu ao contra-relógio, terminando na 148ª posição, a 4:43 minutos do vencedor Stefan Küng (Groupama-FDJ). Passado mais este teste, acredita que pode terminar a Volta ao Algarve e tornar assim ainda mais memorável a experiência que está a viver.

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