28 de julho de 2019

As equipas do Tour uma a uma

(Fotografia: © ASO/Alex Broadway)
Já pouco se esperava quanto a espectáculo no Tour, mas este foi o melhor dos últimos anos. Sendo a corrida mais importante quanto a grandes voltas, é altura de fazer balanços, celebrar o que correu bem e perceber o que correu mal. E há equipas a sair pouco felizes de França. A ordem no texto é a da classificação por equipas.

Movistar: O facto de constantemente vencer as classificações colectivas nas corridas de três semanas, demonstra como a equipa espanhola tem capacidade para ter constantemente ciclistas a terminar bem colocados. Porém, depois do sucesso do Giro, a Movistar regressou aos maus hábitos de sempre. Segundo ano a apostar no tridente, segundo ano com basicamente tudo a correr mal. Perante o poderio e os objectivos, vencer uma etapa - por Nairo Quintana - e ter colocado o tridente Quintana/Mikel Landa/Alejandro Valverde no top dez (6º, 8º e 9º), não apaga uma formação confusa, com demasiados a querer ser líder e pouco dados a ajudar companheiros. A juntar a isso, primeiro Quintana, depois Landa (que fez o Giro) não estiveram no seu melhor fisicamente. Mas destaque positivo para Nelson Oliveira. O português realizou novamente uma excelente Volta a França neste seu regresso, depois de duas edições afastado deste palco. É um ciclista que não falha na ajuda, ainda se intrometeu numa fuga e tentou a sorte na sua especialidade, o contra-relógio (11º). Terminou na 79ª posição, a 2:35:51 horas, mas o que importa é que cumpriu o seu trabalho e já tem um contrato por mais dois anos.

Trek-Segafredo: Richie Porte pode muito bem ter feito a sua despedida do Tour como líder. Ficou fora do top dez e só no contra-relógio mostrou alguma capacidade, que não repetiu na montanha. A equipa apostou tudo no australiano, nem levando John Degenkolb, que também não é garantia de nada nesta fase da carreira, mas há um ano ainda ganhou uma etapa. Valeu Giulio Ciccone. Depois da etapa e da camisola da montanha no Giro, o italiano andou dois dias de amarelo e não poderá ficar muito mais tempo em segundo plano, mesmo que Vincenzo Nibali esteja a caminho da formação americana.

(Fotografia: © ASO/Thomas Maheux)
Ineos: Não foi aquela equipa dominadora e até quebrou quase sempre cedo na montanha. Gianni Moscon foi erro de casting para o Tour, Michal Kwiatkwoski foi incansável na primeira semana e esteve demasiado cansado na segunda e terceira, Luke Rowe foi expulso após desentendimento com Tony Martin (Jumbo-Visma) e Wout Poels não esteve ao nível de outros anos. Porém, mesmo com Geraint Thomas e Egan Bernal a funcionarem com uma táctica algo estranha no Alpes, o colombiano acabou por impor toda a sua qualidade e com aquele que poderia ter sido o seu principal adversário a abandonar, Thibaut Pinot, não houve ninguém que aguentasse o ritmo de Bernal. Faltou-lhe a vitória de etapa, provavelmente tirada devido ao deslizamento de terras que interrompeu a tirada em que vestiu a amarela. Primeiro colombiano a vencer a Volta a França e tem apenas 22 anos. Thomas foi relegado para segundo lugar e esta Ineos está definitivamente em fase de mudança. Contudo, ganhou novamente e já são oito Tours em nove anos, com Bernal a ficar também com a classificação da juventude.

EF Education First: Faltou Daniel Martínez. O ciclista ficou de fora do Tour por lesão e fez alguma falta. Rigoberto Uran tem andado discreto esta temporada e não foi muito mais vistoso na Volta a França. Michael Woods cedo ficou afastado de um resultado para a geral e ainda tentou procurar a etapas, tal como Simon Clarke e Alberto Bettiol, mas sem sucesso. De Tejay van Garderen não se esperava muito, mas não teve tempo para se mostrar, pois antes dos principais momentos, caiu e foi para casa. Ficou cumprido o objectivo do top dez com Uran (7º, a 5:15 minutos), mas esta é uma equipa que também já pensa numa renovação e quer ver-se Martínez no Tour.

Bora-Hansgrohe: Peter Sagan pode não ser o ciclista de outros anos. Mas ganhou a sua etapa e tornou-se no recordista de camisolas verdes: sete. Porém, o Tour da Bora-Hansgrohe foi além do eslovaco, comprovando que o trabalho feito a pensar em classificações gerais está a dar frutos. Que excelente corrida de Emanuel Buchmann. A Alemanha tem novamente um ciclista para pensar em, talvez, lutar por um pódio no Tour, que nesta edição ficou a 25 segundos. Boa Volta a França de uma Bora-Hansgrohe que está a conseguir cada vez mais mostrar que é mais do que Sagan.

Groupama-FDJ: Se houve ano em que se acreditava que era mesmo possível um francês ganhar o Tour foi este. Thibaut Pinot alimentou esse sonho com Julian Alaphilippe (Deceuninck-QuickStep). Finalmente encontrou o equilíbrio entre a boa forma física e a capacidade mental para suportar a intensa pressão de correr em casa. Ganhou uma etapa, no mítico Tourmalet, e esteve exímio em todas as etapas nos Pirenéus. Mas não foi desta. Pinot sofreu uma ruptura muscular e abandonou em lágrimas nos Alpes, numa das imagens marcantes desta edição. Merecia pelo menos um regresso ao pódio e ficar-se-á sempre a pensar no que poderia ter sido a batalha com Bernal se tivesse em condições. Pinot admitiu que acreditava que poderia ganhar o Tour e espera-se que mantenha essa atitude e continue a acreditar. Este é um Pinot vencedor e tem um David Gaudu que pode muito bem evoluir também ele para um excelente voltista. Para já, é um braço direito de confiança.

(Fotografia: (Fotografia: © ASO/Thomas Maheux)
Jumbo-Visma: Não é preciso dizer muito. Quatro vitórias de etapa (Mike Teunissen, Dylan Groenewegen, Wout van Aert e o contra-relógio colectivo), dois dias de amarelo (Mike Teunissen), excelente trabalho de equipa que quebrou inclusivamente a Ineos, que foi coroado pelo pódio de Steven Kruijswijk. O holandês chegou finalmente a um lugar que lhe tinha escapado no Giro há uns anos, mas conseguiu no Tour. Foi uma corrida perto da perfeição da equipa holandesa. Perto, porque Wout van Aert caiu no contra-relógio e lesionou-se com gravidade e Tony Martin (está de volta a locomotiva de trabalho) foi expulso após desentendimento com Luke Rowe (Ineos).

AG2R: Apostar tudo num ciclista tem destas coisas. Romain Bardet falhou por completo. Não foi só no contra-relógio, como é habitual. A única coisa que se pode dizer é que Bardet nunca tinha estado tão mal, mas salvou-se a sua atitude. Poderia ter abandonado e pensado na Vuelta, por exemplo. Mas não. Ficou e foi à luta por uma etapa que não conseguiu, mas conquistou a camisola da montanha. Beneficiou um pouco das tiradas encurtadas devido ao mau tempo para segurá-la, sempre importante para os franceses. Porém, a equipa tem muito a pensar, tanto em centrar-se exclusivamente em Bardet e se não faria bem ao ciclista passar pelo processo de Pinot: afastar-se um pouco do Tour e apostar num Giro e/ou Vuelta.

UAE Team Emirates:  Faltou Fernando Gaviria, mas havia Daniel Martin, Rui Costa, Sergio Henao, Alexander Kristoff...  Porém, o melhor classificado acabou por ser o homem que foi ao Tour para apurar a forma para a Vuelta depois de ter sido operado à perna: Fabio Aru (14º, a 27:07). Rui Costa ainda procurou a etapa, mas não conseguiu entrar na discussão nos momentos decisivos. Depois de um Giro muito positivo da equipa, não foi um Tour auspicioso. Quanto ao português, lutou dentro do possível - ainda arranjou uma discussão com a Deceuninck-QuickStep por ter arrancado do pelotão com Julian Alaphilippe tinha parado para urinar -, mas não foi o Tour que o português precisava, numa altura em que está a procura da renovação de contrato ou de uma nova equipa. Foi 53º, a 1:59:02 horas.

Astana: Entre quedas e perda de tempo no corte na etapa dos "abanicos", Jakob Fuglsang continua a ter uma relação difícil com o Tour. Abandonou, mas desta Astana esperava-se ainda assim mais. Era equipa que, mesmo concentrada em proteger o líder, também tinha ciclistas para lutar por etapas. Tem sido uma temporada fortíssima da equipa cazaque, principalmente nas provas por etapas, mas o Tour não correu bem, depois de um Giro em que Miguel Ángel López também não foi feliz.

Mitchelton-Scott: Adam Yates falhou por completo. Para quem ambicionava o pódio, até o top dez ficou fora dos planos mal chegou a montanha. Porém, esta Mitchelton-Scott viu um Simon Yates corrigir o mau Giro com duas vitórias de etapas no Tour, entrando para o grupo de ciclistas com vitórias em todas as grandes voltas. Daryl Impey e Matteo Trentin também alcançaram triunfos. Não foi um Tour perfeito, mas com quatro vitórias de etapas, também não pode ser negativo, pelo contrário.

Deceuninck-QuickStep: Mais uma equipa que não é preciso dizer muito. Elia Viviani e Julian Alaphilippe (duas) venceram etapas, mas o francês foi muito além disso e da camisola da montanha que venceu no ano passado:  14 dias de camisola amarelo. Por um lado não se acreditava que fosse possível Alaphilippe resistir, por outro, por França, lá se ia sonhando com um conto de fadas. Alaphilippe só quebrou na penúltima etapa de montanha e não segurou o pódio. Contudo, o quinto lugar, a 3:45, faz deste Tour excelente para o ciclista, que mais do que nunca irá pensar se quererá evoluir para voltista. O único senão da equipa chamou-se Enric Mas. Ambicionou alto e falhou. O próprio admitiu que a Volta a França foi uma lição, mas esperava-se um pouco mais, tanto na luta por um top dez e até na ajuda a Alaphilippe, que foi nomeado o mais combativo do Tour.

Wanty-Group Gobert: Equipa igual a si mesma. Andou na luta por etapas ao apostar em fugas, enquanto Guillaume Martin confirmou que merece dar o salto para uma equipa World Tour. Porém, houve mais um ciclista a destacar-se: Xandro Meurisse. Entre as Profissionais Continentais, a formação belga foi a mais activa, mesmo que continue a faltar a vitória de etapa, que não desiste de procurar.

CCC: Entrou em fugas, mas o ponto alto acabou por ser ver Greg van Avermaet subir ao pódio nas etapas belgas do arranque do Tour, por ter vestido a camisola da montanha. Foi pouco para a equipa polaca que precisa urgentemente de um homem para a geral.

Bahrain-Merida: Dylan Theuns ganhou uma etapa e um Vincenzo Nibali demasiado cansado após o Giro, não baixou o braços em também conquistar a dele. Conseguiu a fechar os Alpes. Não foi um Tour de grandes memórias para a Bahrain-Merida, mas dadas as limitações, ganhar duas etapas deixa os responsáveis satisfeitos. No entanto, há um problema a resolver. Rohan Dennis abandonou sem dizer nada a ninguém, no dia antes de um contra-relógio em que era candidato a vencer. Episódio negativo de indisciplina, que só prejudicou a equipa e a imagem do ciclista.

Dimension Data: Passou ao lado da Volta a França. A decisão de deixar Mark Cavendish de fora não foi consensual internamente, mas justificada pela forma física duvidosa do sprinter, que tantos problemas de saúde tem tido. Giacomo Nizzolo ainda tentou entrar nos sprints, mas não teve nível para os grandes nomes da especialidade. Edvald Boasson Hagen ainda tentou salvar a corrida em fuga, mas nesta Dimension Data nada se salvou, sendo um Tour à imagem da fraca temporada que está a realizar.

Cofidis: Também deixou um sprinter de fora: Nacer Bouhanni. Já se sabe que não se entende com o director da equipa, mas Christophe Laporte mal se viu e abandonou cedo devido a uma intoxicação alimentar. Ainda tentou entrar em fugas, mas foi um Tour aquém do que se esperaria de uma equipa que está a "namorar" uma licença World Tour.

Arkéa Samsic: André Greipel está definitivamente em fase descendente. Porém, Warren Barguil reapareceu. Desde que tinha deixado a Sunweb no final de 2017, depois de vencer duas etapas no Tour e a camisola da montanha, que o francês nunca mais tinha sido o mesmo. A conquista do título nacional, uma semana antes da corrida, deu-lhe novo impulso na carreira. Lutou por etapas e terminou em 10º, a 7:32. A equipa que estará prestes a garantir Nairo Quintana, viu Barguil responder muito bem e ainda tem um Élie Gesbert, ciclista de 24 anos, que vai começando a chamar a atenção.

Sunweb: Sem Tom Dumoulin, Michael Matthews foi o líder para ir procurar etapas ao sprint e lutar pela camisola verde dos pontos. O Tour não correu bem ao australiano e o foco foi para um dos jovens da equipa. O alemão Lennard Kämna teve liberdade para se mostrar e não a desperdiçou. 22 anos e sem medo de estar entre os melhores. Se Dumoulin sair da equipa, como tanto se fala, a Sunweb tem jovens em formação para deixar a estrutura a acreditar que pode ter um futuro promissor.


(Fotografia: © ASO/Thomas Maheux)
Lotto Soudal: Excelente Tour e Caleb Ewan já vai mostrando que foi a escolha certa para preencher a vaga de André Greipel. O australiano fez a estreia na Volta a França e ganhou três etapas, incluindo a mais ambicionada pelos sprinters: nos Campos Elísios. O australiano, de 25 anos, deixou a Mitchelton-Scott precisamente para poder estar no Tour e dificilmente voltará a ficar de fora, estando em boas condições físicas. Foi o rei dos sprints, pois foi o único a ganhar mais do que uma etapa desta forma. Além de Ewan, ainda tivemos o momento Thomas de Gendt. A habitual exibição solitária que deixa tudo e todos rendidos ao belga. Tim Wellens ainda andou grande parte do Tour com a camisola da montanha, mas os Alpes quebraram o ciclista.

Direct Energie: Tal como a Cofidis quer subir de escalão e dinheiro não falta para grandes contratações. Bem precisa de reforçar-se, tendo passado ao lado do Tour, o que para uma equipa francesa é ainda mais grave. O futuro poderá ser bem diferente, mas Lilian Calmejane, Anthony Turgis estiveram muito abaixo do exigível e Niki Terpstra esteve azarado, abandonando após queda, a segunda que lhe estraga a temporada, depois de ter acontecido o mesmo na Volta a Flandres.

Katusha-Alpecin: Terá o fantasma da equipa correr o risco de fechar no final da temporada afectado o rendimento dos ciclistas? É a última classificada e percebe-se porquê, pois foi uma Volta a França muito fraca. Ilnur Zakarin não lutou pela geral e ainda tentou ganhar etapas, mas não nunca preocupou ninguém. Nils Politt foi o mais activo na procura de pelo menos um triunfo, mas foi insuficiente. José Gonçalves teve uma estreia no Tour discreta. Pouco se viu do português, de quem se esperava mais depois de uma semana antes do arranque do Tour, em Melgaço, ter vencido o título nacional de contra-relógio e ter garantido que se sentia bem para a corrida francesa. Trabalhou para estar no pico de forma, mas não correu bem. Terminou na 128ª posição, a 3:47:15 horas de Bernal.

Classificações completas, via ProCyclingStats.




»»A vitória de um país no início de uma era««

»»Lágrimas, espectáculo e um deslizamento««

Sem comentários:

Enviar um comentário