27 de julho de 2019

A vitória de um país no início de uma era

(Fotografia: © ASO/Alex Broadway)
Chamavam-lhe o sueño amarillo. Durante os últimos anos foi um lema que acompanhou Nairo Quintana, o colombiano que se acreditava estar a caminho de se tornar no primeiro a vencer a Volta a França. Rigoberto Uran é um ciclista muito admirado no país, mas eram os resultados de Quintana que mais alimentavam o "sonho amarelo". Com Egan Bernal a vestir a camisola amarela, no público viu-se a bandeira colombiana com a inscrição, que no fundo alimentava o desejo de um país apaixonado pela modalidade, recheado de talentos e ansioso por dar outra imagem que não as suspeitas e casos de doping.

Na Colômbia, o triunfo de Egan Bernal é uma festa nacional. Viveram-se momentos tensos, daqueles que tanto se assiste quando as pessoas se reúnem em café, praças, seja onde for para assistir a um jogo de futebol. Na Colômbia reuniram-se nas ruas para ver Bernal. Para ver ciclismo. O El Tiempo partilhou uma galeria de fotografias, com crianças a chorar de alegria perante a conquista, tal como Bernal chorou quando vestiu a amarela.

(Fotografia: © ASO/Pauline Ballet)
"O triunfo não é só meu, é de toda a Colômbia", disse Bernal, com o Uran - que já foi segundo no Tour - a também dizer que a vitória é de todo um país. E se se perguntar a mais ciclistas colombianos, todos dirão o mesmo. O menino de oito anos que venceu a sua primeira corrida de BTT com um capacete tão grande que lhe tapava os olhos, entra para a história do ciclismo pela porta grande. Em dois anos no World Tour sabia-se que era inevitável ganhar um dia a Volta a França. A queda que o afastou do Giro, fechou uma porta, mas, realmente, pode sempre abrir-se outra.

É certo que durante muito tempo se pensou que Quintana também iria ganhar o Tour. Mas com Bernal foi diferente. Não foi só a sua capacidade física e técnica. Foi também a sua personalidade e forma de encarar um mundo tão competitivo como o ciclismo com apenas 21 anos (tem agora 22) que rapidamente conquistou tudo e todos. A sua maturidade torna-o o diferente de outros talentos da sua idade. Bernal é um dos mais novos a conquistar o Tour, numa altura em que o mais normal é ver ciclistas mais próximos dos 30 anos, ou mesmo com mais, a conquistar a mítica corrida. Jan Ullrich foi o mais novo em tempos recentes, pois tinha 23 anos quando venceu a sua única Volta a França em 1997.

No caso de Bernal acredita-se (e não só na Colômbia) que se iniciou uma era, que não deverá ficar apenas pelo Tour, mas claro, que a corrida francesa será sempre o grande objectivo. Se vai bater recordes, se vai dominar, o tempo o dirá, porque Bernal não está sozinho numa geração com mais talentos a amadurecer. Podem não estar a entrar no ciclismo de rompante como Bernal, contudo, o que espera ao ciclismo nas grandes voltas só pode ser bom, com este jovem colombiano como líder da geração, não fosse ele um vencedor do Tour tão novo.

Gesto de desportivismo de Thomas, numa passagem de testemunho
(Fotografia: © ASO/Alex Broadway)
E que ano tão diferente está ser. Em 2018, Grã-Bretanha venceu as três grandes voltas com três ciclistas diferentes: Chris Froome, Geraint Thomas (ambos da Sky, actual Ineos) e Simon Yates (Mitchelton-Scott). Em 2019 olha-se para o outro lado do Atlântico para ver um Equador que ainda se está a tentar perceber todo o potencial que por lá haverá para o ciclismo, mas já com Richard Carapaz (Movistar) a vencer o Giro, aos 26 anos. Na Colômbia conhece-se bem todo o potencial, com Gianni Savio, o director de uma equipa Androni caça-talentos, a trazer para a Europa alguns dos recentes nomes de sucesso, incluindo Bernal.

Até estava a ser um ano algo agridoce para os colombianos. Por um lado toda uma confirmação de jovens ciclistas a surgir no World Tour, por outro os casos de doping tomaram novamente conta das manchetes, arruinando, por exemplo, um dos projectos Profissionais Continentais que queria servir de trampolim para jovens colombianos, a Manzana Postobón. Mais ciclistas acabaram suspensos e Jarlinson Pantano (Trek-Segafredo) retirou-se ao ser acusado de utilizar EPO.

Estava-se entre a admiração do talento de Bernal, Daniel Martínez, Iván Ramiro Sosa, Sergio Higuita (e a lista continua) e a desconfiança de um problema que não larga o ciclismo colombiano. Mas não há nada como uma grande vitória para recordar a todos que são estes os momentos que são para recordar, são estes os momentos, as exibições de Bernal, a grande Volta a França a que se assistiu, que nos faz gostar tanto de ciclismo.


E para terminar...

Para terminar faltam 128 quilómetros de consagração para Egan Bernal. É altura de pedalar até Paris e celebrar, antes da etapa se tornar um pouco mais séria para quem ainda persegue uma vitória, principalmente os sprinters que sobreviveram ao inferno dos Pirenéus e Alpes para tentarem o triunfo na etapa mais desejada por este género de ciclista.



A penúltima etapa do Tour, este sábado, até fez recordar edições recentes, com poucas movimentações que de facto lançassem algum ataque sério a Bernal ou até pela luta pelo pódio. Bastou a Jumbo-Visma acelerar para deixar para trás um Julian Alaphilippe (Deceuninck-QuickStep) heróico, mas cujas as forças já o tinham deixado ao ficar sem a amarela no dia anterior. Era o que se previa, com Steven Kruijswijk a conquistar finalmente o seu pódio numa grande volta (a 1:31 minutos do vencedor) e Alaphilippe a aguentar o suficiente para fechar numa incrível quinta posição (a 3:45). Geraint Thomas (Ineos), o vencedor de 2018, fechou no segundo lugar, a 1:11 do companheiro.

Um eventual espectáculo mais interessante ficou comprometido quando a organização anunciou que a etapa de 130 quilómetros só teria 59,5. Mais uma vez o mau tempo e deslizamento de terras obrigaram a mudança de planos. Só se fez a última subida. Difícil, é certo, com 33 quilómetros de extensão em Val Thorens e pendentes quase sempre entre os 6 e 8%, quando não eram mais elevadas. Acabou por ser uma crono-escalada um pouco mais extensa com a Ineos desta feita a ter tudo perfeitamente controlado, com Wout Poels e Geraint Thomas sempre ao lado de Bernal.

A vitória ficou para um lutador Vincenzo Nibali. Pode ter sido obrigado a ir ao Tour pela Bahrain-Merida, mas a ser verdade, o italiano foi um profissional de nível e desde que percebeu que não iria lutar pela geral, nunca desistiu de procurar uma etapa, a sexta no seu palmarés.

Classificações completas, via ProCyclingStats.




Sem comentários:

Enviar um comentário