1 de junho de 2019

A etapa que os adeptos esforçaram-se para estragar

Adepto provocou queda de López que reagiu (Imagem: print screen)
E aqui estamos de novo. Sempre que um adepto se esquece de comportar como tal e acaba a arruinar meses de trabalho de um ou até mais ciclistas, fica aquela muito ínfima esperança que se aprenda de vez a lição. Mas claro que já se sabe que tal não acontece. Hoje foi Miguel Ángel López. Há uns meses havia sido Vincenzo Nibali no Tour e os exemplos vão-se sucedendo. Para a maioria não é difícil perceber que há que, acima de tudo que respeitar os ciclistas. Mas haverá sempre aquela minoria que procura os seus segundos de fama na televisão, ou que tenta tirar selfies em pleno andamento (!) e o tradicional "vamos lá correr ao lado dos ciclistas, só porque sim".

Já neste Giro se tinha visto um adepto dar um trambolhão ao tentar correr ao lado dos ciclistas. Felizmente estava já um pouco para trás do grupo e acabou por ser apenas um momento que ficará bem no programa Watts do Eurosport. O momento de López será um que exemplificará toda a frustração de quem vê uma etapa estragada por quem não sabe ser adepto. Ganhar a tirada seria complicado numa fase em que o colombiano da Astana tinha perdido contacto com o grupo de Richard Carapaz. Mas ainda estava em jogo melhorar a classificação na geral.

Faltavam cerca de cinco quilómetros para o final da última montanha da Volta a Itália. Ambiente espectacular, uma multidão a apoiar os ciclistas. Numa zona que parecia ser um pouco mais tranquila, um adepto provoca a queda de López quando estava a correr ao lado dos ciclistas e ficou sem espaço porque havia mais espectadores na berma, parados, "apenas" a aplaudir. Como deve ser. López reagiu com fúria. Agrediu com umas chapadas o homem. Meses a preparar uma corrida como esta, para num instante tudo ficar estragado. López não ia ganhar o Giro, mas ainda tinha objectivos. O colombiano perdeu 1:49 para o vencedor, o companheiro Pello Bilbao. Menos quatro segundos para Carapaz, o líder do Giro.


A reacção de López até se pode dizer que é compreensível, contudo, não deixa de ser errada, pelo que rapidamente surgiram os rumores de uma possível expulsão da Volta a Itália. O regulamento da UCI assim o prevê, com o acréscimo de uma multa de 200 francos suíços, cerca de 178 euros. Porém, segundo o Cycling Weekly, os comissários terão considerado que López teve uma reacção humana e o ciclista da Astana vai poder terminar o Giro. Se assim for, ainda bem.


O ciclista da Astana já pediu desculpa, mas não escondeu o descontentamento pelo sucedido, pedindo respeito e realçando o grave que uma situação destas pode ser se se fractura algo e se é obrigado a ir para casa. Foi o que aconteceu com Nibali no Tour, numa queda provocada por um adepto que lhe estragou a restante temporada.

López bem pode dizer que lhe aconteceu de tudo numa Volta a Itália que queria tanto conquistar. Furos, avarias mecânicas, quebras físicas, um adepto a atirá-lo ao chão... Também teve bons momentos, mas sairá do Giro sem uma vitória de etapa, sem a camisola rosa e sem pódio. Isto no que diz respeito à geral, pois subirá ao pódio para levar novamente a camisola branca da juventude, a não ser que faça um péssimo contra-relógio, pois, mesmo com a queda, ficou com 1:53 minutos para gerir sobre Pavel Sivakov (Ineos).

Já Primoz Roglic não recebeu benevolência alguma dos comissários. Não é preciso provocar quedas para estragar corridas. Empurrar ciclistas mais uma vez só porque sim, também faz estragos. Não é inédito corredores receberem ajudas do público, principalmente quando estão longe da frente da corrida e a tentar sobreviver às etapas de montanha. Muitos deles são sprinters. Não é legal, mas tem sido algo que se fecha os olhos.


Porém, quando em directo se empurra um dos candidatos à geral, tem tudo para correr mal para o ciclista visado. Durante vários segundos Roglic foi empurrado por um adepto, que foi "rendido" por outro. O esloveno da Jumbo-Visma não fez qualquer gesto para afastar os dois homens e isso foi fatal. Dez segundos de penalização até acaba por ser simpático, mas ao juntar ao tempo perdido na estrada, significa que está a 3:16 de Richard Carapaz e a vitória no Giro está longe de depender só da sua classe como contra-relogista. Além disso, saiu do pódio, apesar dos 23 segundos para Mikel Landa certamente não assustarem Roglic.

Atenção aos empurrões aos ciclistas, podem prejudicar como aconteceu a Roglic e podem, em casos mais graves, provocar quedas, pois muitas vezes não estão à espera e a mudança de velocidade pode desequilibrar o atleta.

Há ainda mais um exemplo de mau comportamento. Recuando uma semana, Marco Haller tinha andado em fuga, estava esgotado e quando tentava passar pela confusão que é sempre a zona da chegada, com adeptos, staff da organização, das equipas, jornalistas, o ciclista da Katusha-Alpecin tinha o bidão seguro pelos dentes quando um homem lhe tenta tirá-lo. Pequena dica: normalmente basta pedir! Se o ciclista não precisar da bebida, costuma aceder ao pedido.  Haller reagiu também com fúria, sendo muito pouco simpático e com razão.

O ciclismo sem adeptos na estrada é uma modalidade triste - será difícil esquecer aquele ambiente desolador do Mundial do Qatar, por exemplo -, mas com adeptos a estragar corridas, o ciclismo vive muito bem sem eles. Respeito, por favor!

Giro à vista

(Fotografia: Giro d'Italia)
Dezassete quilómetros separam Richard Carapaz de um triunfo pouco ou nada esperado. Se alguém apostou no equatoriano, terá a conta bancária certamente bem mais preenchida amanhã. Era um candidato, um outsider, na sombra de Mikel Landa. Se confirmar o que neste momento se vê como provável, Carapaz não estará na sombra de mais ninguém na Movistar, com a equipa a ganhar mais um líder. O ciclista de 26 anos estava a ser preparado para um dia assumir essa responsabilidade, mas resolveu que estava na altura e não quis ser um plano B se Landa falhasse. O espanhol até começou mal o Giro, mas Carapaz fez a sua corrida, ganhou duas etapas e deixou Landa na sua sombra.

Dezassete quilómetros para que em Verona possa tornar-se no primeiro equatoriano a ganhar uma grande volta e a dar uma saudável dor de cabeça à equipa. Todos os líderes estão em final de contrato, tal como Carapaz. Em quem Eusebio Unzué irá apostar? É certo que Alejandro Valverde terá sempre lugar na equipa até se retirar, mas também já não é ciclista para discutir grandes voltas, salvo uma surpresa. A pressão aumenta para Nairo Quintana na Volta a França... E também mantém-se a incógnita com Landa.

Carapaz tem 1:54 para segurar a maglia rosa sobre Vincenzo Nibali. O italiano da Bahrain-Merida é melhor do que o equatoriano nesta vertente, mas em condições normais será muito complicado haver uma última reviravolta. Mikel Landa também dificilmente cumprirá o objectivo de pelo menos chegar ao pódio, mas depois de uma má primeira semana, o espanhol foi dos mais activos e quando foi preciso, soube ser um verdadeiro companheiro de equipa. Desta vez, colocou mesmo de lado os seus interesses em prol de Carapaz.

Ganhou a Movistar que está toda de parabéns! Funcionou como um colectivo coeso, sem divisões e eis a diferença para o que tem acontecido nos últimos dois anos: está perto de conquistar novamente uma grande volta.

Roglic seria uma preocupação, mas os 3:16 são de mais. Mas claro, o imprevisto acontece. O esloveno só tem de ir a fundo para fechar pelo menos no pódio e esperar que Carapaz tenha um mau dia. Depois do que já se viu neste Giro, é de pensar que tudo pode acontecer.

Como curiosidade, por três vezes o Giro assistiu a uma mudança de líder no contra-relógio da derradeira etapa: 1984, de Laurent Fignon para Francesco Moser; 2012, de Joaquim Rodriguez para Ryder Hesjedal e em 2017, de Nairo Quintana para Tom Dumoulin.

Classificações completas, via ProCyclingStats.

21ª e última etapa: Verona - Verona (contra-relógio), 17 quilómetros


E assim chegamos ao fim de três semanas de competição. As forças já não são muitas, mas há um contra-relógio individual para completar, com uma subida de 4,5 quilómetros, com uma pendente média de 5% pelo meio. Será um contra-relógio com fases algo técnicas devido às estradas estreitas, curvas que exigem atenção e cuidado para não se perder muito tempo nelas.




»»Chaves volta a sorrir um ano depois««

»»Ao ataque««

Sem comentários:

Enviar um comentário