7 de dezembro de 2017

Um fantástico meio ano de Valverde e o desmoronar de Quintana

Valverde esteve sensacional no início da época (Fotografia: Facebook Movistar)
Eusebio Unzué pensou em grande. E porque não? Nairo Quintana é um ciclista de enorme qualidade. Ganhou um Giro e uma Vuelta, tem o pódio no Tour, onde apenas não conseguiu encontrar o antídoto para Chris Froome. Mas lá se diz que quem tudo quer, tudo perde e a decisão de tentar a dobradinha Giro/Tour acabou por custar muito caro ao colombiano. Custou-lhe a temporada que acabou sem vitórias em grandes voltas e poderá também lhe ter custado o lugar de destaque na Movistar. Apesar de na estrutura espanhola estar um senhor chamado Alejandro Valverde, o ciclista espanhol não interfere minimamente no calendário de Quintana e até trabalha para o colega. Ao contrário de Quintana, Valverde esteve simplesmente fenomenal até àquele 1 de Julho. O contra-relógio de Dusseldorf, no arranque da Volta a França, terminou com a sua temporada, mas não com a carreira, como se chegou a temer.

E se foi de Quintana que muito se falou devido ao seu ousado objectivo - ousado porque desde 1998 que ninguém consegue ganhar a Volta a Itália e a França no mesmo ano, como fez então Marco Pantani -, foi Valverde que roubou as atenções durante a primeira fase da temporada. O ciclismo é uma das modalidades que vai tendo cada vez mais exemplos de atletas que competem a alto nível até mais tarde. O espanhol tem 37 anos e entre 11 de Fevereiro, quando ganhou a "sua" Volta a Múrcia - onde vive -, e 24 de Abril, quando conquistou a sua quarta Liège-Bastogne-Liège, somou 11 vitórias entre etapas, corridas de um dia e classificações gerais. Pode-se ainda juntar duas camisolas dos pontos e duas da montanha.

Além de dominar no monumento das Ardenas, antes venceu a quinta Flèche Wallonne, mas a Amstel Gold Race continua a fugir-lhe. Ganhou pela primeira vez a Volta ao País Basco e a segunda Volta à Catalunha. Foi o melhor meio ano da carreira de Valverde e ficará sempre a dúvida de quantas vitórias teria conquistado se não tivesse fracturado com gravidade a perna na queda em Dusseldorf. A Movistar terminou o ano com 31 triunfos, 11 e quase todos os mais importantes foram da autoria de Valverde.

Quando chegou a vez de Nairo Quintana assumir o destaque na temporada, o colombiano chegou ao Giro convencido que poderia ganhar apostando nas suas características de grande trepador, mas não contou com um Tom Dumoulin que se tornou num ciclista que se defende muito bem nas subidas e com um pormenor importante: faz do contra-relógio a sua arma. E assim venceu, justamente, o Giro, tirando a maglia rosa na última etapa a Quintana. O colombiano ficava sem a vitória e começava a dor de cabeça. Não ganhou e desperdiçou energias que poderiam fazer falta no Tour. Surgiu em França uma pálida imagem deste ciclista sempre candidato, mas desta feita, esteve longe de ser uma ameaça. Falar de Quintana era dizer que "lá está o colombiano a ficar para trás". Se ficar sem Valverde para ajudar tinha parecido um problema no primeiro dia, rapidamente se percebeu que não haveria ninguém capaz de salvar Quintana de se afundar  e adiar novamente o sueño amarillo.


Ranking: 6º (7399 pontos)
Vitórias: 31 (incluindo duas etapas no Giro, na Liège-Bastogne-Liège, uma tirada na Volta ao Algarve e outra na Volta ao Alentejo e os títulos nacionais de estrada e contra-relógio)
Ciclista com mais triunfos: Alejandro Valverde (11)

A conquista da Volta à Comunidade Valenciana, do Tirreno-Adriatico e a etapa no Giro não chegaram para atenuar o mal-estar que se terá formado entre Quintana e Unzué. A família do ciclista veio a público acusar o director da Movistar de ter obrigado Quintana a fazer o Giro e o Tour. Entretanto, Unzué anunciou que conseguiu contratar Mikel Landa, corredor que em duas ocasiões tinha tentado convencer a assinar pela sua equipa, mas sem sucesso. O espanhol tinha assumido que queria ir ao Tour em 2018. Quintana acabou o ano numa marcação de território, a dizer que na Volta a França seria ele o líder indiscutível. Landa lamentou não ter uma recepção melhor do colombiano. Os elogios que se ouviram quando os três líderes para o próximo ano se juntaram, não convenceram ninguém.

Especulou-se que Quintana esteve com o pé fora da Movistar, mas tem contrato até 2019 e diz que quer cumprir. A verdade, é que com uma equipa espanhola sem líder na Vuelta e que acabou por passar ao lado da corrida, sem sequer vencer uma etapa, o assunto dos últimos meses foi Quintana/Landa e como irá ser gerida uma equipa que poderá ficar dividida entre dois ciclistas com ambição idêntica. Poderá salvar-se o facto de Landa estar tentado a fazer o Giro depois de saber que Chris Froome irá lá estar.

Na estrada, há que referir que os jovens que tiveram a oportunidade de se mostrar na Vuelta não apareceram como se esperava. Porém, Marc Soler ou o equatoriano Richard Carapaz, por exemplo, são ciclistas com um futuro muito promissor. A Movistar parece ter ainda conseguido o que parecia impossível: recuperar Carlos Betancur. O colombiano apareceu finalmente ao melhor nível, mas uma queda violenta na Vuelta acabou com a sua corrida, mas não com a ambição de fazer melhor em 2018. Betancur já avisou que não quer ser apenas uma figura secundária...

Na Movistar temos dois portugueses. Nuno Bico foi uma contratação surpresa, já quase no final do ano. Estreou-se no World Tour. Foi uma temporada de clara aprendizagem para o ciclista de 23 anos, que a equipa está a preparar para o futuro. No entanto, em 2018 é possível que a responsabilidade de Bico aumente e que se comece a ver o português a outro nível e a procurar outros resultados, sendo um ciclista de qualidade de uma geração promissora que aos poucos se vai afirmando.

Quanto a Nelson Oliveira, a queda no Paris-Roubaix tirou-lhe provavelmente o Tour. A paragem foi longa e só na Vuelta o ciclista de Anadia mostrou-se, aproveitando a falta de líder da equipa na corrida. Chegou a ser o melhor classificado e agarrou a oportunidade para testar as suas capacidades, sem ter de trabalhar para outro ciclista. O grande momento do ano chegou, contudo, nos Mundiais de Bergen. A 20 de Setembro, Nelson Oliveira esteve sentado no trono do melhor contra-relogista. Acabou por ficar naquele sempre tão frustrante quarto lugar, atrás de Dumoulin, Primoz Roglic e Froome, mas o português está definitivamente entre os melhores do mundo na especialidade e não irá certamente baixar os braços para agarrar uma medalha que já é merecida e, quem sabe, a camisola do arco-íris.

Já nos Nacionais, em Junho, um insólito tirou-lhe a oportunidade de tentar o quinto título, quarto consecutivo. Oliveira não sabia que a hora de partida tinha sido alterada pelo que acabou por nem partir. Um ano de altos e baixos, mas a Movistar confia neste ciclista e a prova estão nos mais dois anos de contrato que lhe foram dados.

Para 2018, a Movistar terá baixas importantes como os Herrada - José e Jesús vão para a Cofidis -, Gorka Izagirre (Bahrain-Merida), Jonathan Castroviejo (Sky) e um Alex Dowsett (Katusha-Alpecin) que há muito tinha perdido estatuto na equipa. No entanto, Landa é uma das grandes contratações para a próxima temporada, com Jaime Rosón a dar o salto para o World Tour depois de se mostrar na Caja Rural. Rafael Valls procura recuperar as melhores sensações, deixando a Lotto Soudal. Já Eduardo Sepúlveda, argentino da Fortuneo-Oscaro, ainda levanta algumas interrogações, apesar de ser um ciclista que poderá ser importante nas grandes voltas na ajuda a Landa ou Quintana.

De referir ainda que a Movistar perdeu um ciclista de destaque na sua estrutura no apoio aos líderes até ao incidente no início do ano passado. Adriano Malori fez uma recuperação milagrosa depois de uma queda na Volta a San Luis, na Argentina. Foi com o rosto ao chão, esteve em coma induzido, mas em Setembro estava a competir de novo. Em Julho deste ano, no dia de descanso da Volta a França, anunciou que não conseguia estar ao nível necessário para ser ciclista profissional. Malori tem 29 anos, era um especialista no contra-relógio e somou 16 vitórias na carreira.

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