26 de dezembro de 2017

"Gostaria muito de voltar a trabalhar com o Nelson Oliveira"

(Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo)
Ricardo Scheidecker tem uma vasta experiência no ciclismo internacional. Passou pela UCI, tendo estado envolvido em alguns dos projectos mais importantes na modalidade nos últimos anos, como a Leopard-Trek, a Tinkoff e actualmente a toda poderosa Quick-Step Floors, uma equipa que ganhou o hábito de somar mais de 50 vitórias por ano. Trabalhou com grandes nomes do ciclismo e com alguns dos portugueses que passaram pelo World Tour. De Sérgio Paulinho ficou amigo, tal como de Bruno Pires, que considera não ter demonstrado "todo o seu talento". Ainda se cruzou, por pouco tempo, com Tiago Machado e Nelson Oliveira. Elogiou os dois e admitiu que gostaria de estar novamente ao lado do quatro vezes campeão nacional de contra-relógio. Quanto aos estrangeiros, os irmãos Schleck, Fabian Cancellara e Peter Sagan são difíceis de esquecer.

O director técnico da Quick-Step Floors, de 42 anos, recordou como aconselhou Sérgio Paulinho a aceitar o convite de Bjarne Riis para deixar a RadioShack e assinar pela Saxo Bank. A estrutura americana acabaria um ano depois por confirmar a fusão com a Leopard, e o conselho de Scheidecker fez com que não trabalhasse com o ciclista português. "Eu e o Sérgio somos como irmãos. Ironia do destino, acabámos por nos encontrar mais tarde e foi excepcional trabalhar com ele durante todos aqueles anos", contou o responsável, que foi contratado pela então Saxo-Tinkoff.

"[O Bruno Pires] talvez tenha, por vezes, exigido demasiado dele próprio e isso pode ter tido o efeito contrário"

Trabalhou também com Bruno Pires, ciclista que começou no World Tour na Leopard-Trek, mas um ano depois mudou-se para a equipa de Riis. "O Bruno teve dois primeiros anos extremamente positivos. Era um corredor que tinha todas as condições para estar no pelotão internacional e fazer um bom trabalho para os seus líderes e fê-lo muitas, muitas, muitas vezes", salientou Scheidecker. No entanto, os anos passaram e o director técnico considera que Bruno Pires "não demonstrou todo o seu talento". "Talvez tenha, por vezes, exigido demasiado dele próprio e isso pode ter tido o efeito contrário, limitando-o na sua performance nos últimos anos. É uma opinião pessoal e ele sabe o que eu penso. Somos grandes amigos", referiu.

Sérgio Paulinho (37 anos) continua a sua carreira na Efapel, enquanto Bruno Pires (36) colocou um ponto final em 2016, depois da Team Roth ter optado por apostar na formação de ciclistas. Tiago Machado (32) e Nelson Oliveira (28) mantém-se no World Tour, ainda que o primeiro tenha tido uma passagem pelo escalão Profissional Continental. Scheidecker cruzou-se com ambos na Leopard, mas por pouco tempo, já que deixou a equipa meses depois da fusão que deu lugar à RadioShack-Leopard. Os dois portugueses estavam na até então RadioShack-Nissan.

Elogiou-os como atletas e como pessoas e não escondeu um desejo: "Gostaria muito de voltar a trabalhar com o Nelson Oliveira. É um ciclista com grande versatilidade. É capaz de fazer tudo e gosta muito das corridas do norte, das clássicas. É um excelente contra-relogista e sobe bem." Perante a "deixa" se Nelson Oliveira ficaria bem na Quick-Step Floors, Scheidecker sorriu e salientou: "Ele ainda nos vai dar muitas alegrias." Entenda-se que falava como português, recordando a grande exibição nos Mundiais de Bergen, em que Oliveira ficou na quarta posição no contra-relógio. Por curiosidade, o ciclista de Anadia tem contrato até 2019 com a Movistar.

Andy Schleck e a falta que faz ao ciclismo

Recordando uma entrevista antiga em que Scheidecker se mostrava orgulho de ver um jovem Andy Schleck de amarelo na Volta a França, o responsável lamentou que o luxemburguês tenha tido uma carreira tão curta, não duvidando que se hoje estivesse na estrada, estaria a fazer frente a Chris Froome: "Seria um corredor que o poderia bater." Em 2014, então com 29 anos, o mais novo dos irmãos Schleck anunciou a retirada, justificando a decisão com a lesão no joelho que o deixou quase sem cartilagem. Porém, os últimos tempos já não estavam a ser muito produtivos.

"Acho que estava numa fase da carreira em que tentava encontrar-se. Penso que sofreu muito com a fusão entre a Leopard e a Radioshack", referiu, acrescentando sem hesitação: "Poderia ter sido um dos melhores corredores de todos os tempos. Tinha um talento excepcional." Ricardo Scheidecker descreveu os irmãos como "excelentes pessoas", considerando que Frank "tirou o que tinha a tirar das suas potencialidades". Mas o mesmo não aconteceu com Andy. "Ele era um fenómeno e estas pessoas são especiais. Têm talento e têm a sua dinâmica, digamos, artística, não exacta, não matemática, não organizada... Ele era assim. Era puro talento", frisou. Desabafou ainda que Andy Schleck "faz muita falta" ao ciclismo. E só como referência, o luxemburguês é 21 dias mais novo que Chris Froome. Andy ganhou a Volta a França em 2010, após a desclassificação de Alberto Contador, contando também com o monumento Liège-Bastogne-Liège, conquistada no ano antes.

"[O Andy Schleck] poderia ter sido um dos melhores corredores de todos os tempos. Tinha um talento excepcional"

Os Schleck deixaram a sua marca em Scheidecker, tal como Peter Sagan e Fabian Cancellara, dois nomes que rapidamente nomeia como dos ciclistas com quem mais gostou de trabalhar. Porém, destaca igualmente um menos mediático: "O Michael Rogers é uma pessoa fora de série." Trabalhou com o australiano na Tinkoff, já na recta final da carreira do ciclista, que chegou a ser três vezes campeão do mundo de contra-relógio.

Com tantos anos de experiência, será que alguma vez Ricardo Sheidecker olhou para um ciclista e pensou que se estava perante um grande corredor? "Nunca me pus a adivinhar", respondeu. No entanto, afirmou que já viu "casos isolados de corredores com potencial que depois não apareceram". "Acontece", disse. E depois há aqueles que podem demorar um pouco mais a confirmar as expectativas, com o responsável a destacar Jay McCarthy.

"Foi um ciclista que eu e o Bjarne [Riis] vimos nos Mundiais de Valkenburg, em 2012, e contratámos para 2013. Teve alguns azares, mas tem muito talento e foi uma aposta ganha. Vai aparecer e ganhar corridas, de certeza absoluta", garantiu. Depois da Tinfoff acabar, McCarthy assinou pela Bora-Hansgrohe.

O australiano tem 25 anos e é assim mais um ciclista a seguir com atenção, como o estreante no World Tour Pavel Sivakov (Sky) e, claro, muitos dos ciclistas da equipa de Scheidecker, como Enric Mas e Laurens de Plus, como exemplificou o director técnico em declarações que pode ler na primeira parte da entrevista publicada ontem (ver link em baixo).

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