(Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo) |
Ricardo Scheidecker tem uma vasta experiência no ciclismo internacional. Passou pela UCI, tendo estado envolvido em alguns dos projectos mais importantes na modalidade nos últimos anos, como a Leopard-Trek, a Tinkoff e actualmente a toda poderosa Quick-Step Floors, uma equipa que ganhou o hábito de somar mais de 50 vitórias por ano. Trabalhou com grandes nomes do ciclismo e com alguns dos portugueses que passaram pelo World Tour. De Sérgio Paulinho ficou amigo, tal como de Bruno Pires, que considera não ter demonstrado "todo o seu talento". Ainda se cruzou, por pouco tempo, com Tiago Machado e Nelson Oliveira. Elogiou os dois e admitiu que gostaria de estar novamente ao lado do quatro vezes campeão nacional de contra-relógio. Quanto aos estrangeiros, os irmãos Schleck, Fabian Cancellara e Peter Sagan são difíceis de esquecer.
O director técnico da Quick-Step Floors, de 42 anos, recordou como aconselhou Sérgio Paulinho a aceitar o convite de Bjarne Riis para deixar a RadioShack e assinar pela Saxo Bank. A estrutura americana acabaria um ano depois por confirmar a fusão com a Leopard, e o conselho de Scheidecker fez com que não trabalhasse com o ciclista português. "Eu e o Sérgio somos como irmãos. Ironia do destino, acabámos por nos encontrar mais tarde e foi excepcional trabalhar com ele durante todos aqueles anos", contou o responsável, que foi contratado pela então Saxo-Tinkoff.
"[O Bruno Pires] talvez tenha, por vezes, exigido demasiado dele próprio e isso pode ter tido o efeito contrário"
Trabalhou também com Bruno Pires, ciclista que começou no World Tour na Leopard-Trek, mas um ano depois mudou-se para a equipa de Riis. "O Bruno teve dois primeiros anos extremamente positivos. Era um corredor que tinha todas as condições para estar no pelotão internacional e fazer um bom trabalho para os seus líderes e fê-lo muitas, muitas, muitas vezes", salientou Scheidecker. No entanto, os anos passaram e o director técnico considera que Bruno Pires "não demonstrou todo o seu talento". "Talvez tenha, por vezes, exigido demasiado dele próprio e isso pode ter tido o efeito contrário, limitando-o na sua performance nos últimos anos. É uma opinião pessoal e ele sabe o que eu penso. Somos grandes amigos", referiu.
Sérgio Paulinho (37 anos) continua a sua carreira na Efapel, enquanto Bruno Pires (36) colocou um ponto final em 2016, depois da Team Roth ter optado por apostar na formação de ciclistas. Tiago Machado (32) e Nelson Oliveira (28) mantém-se no World Tour, ainda que o primeiro tenha tido uma passagem pelo escalão Profissional Continental. Scheidecker cruzou-se com ambos na Leopard, mas por pouco tempo, já que deixou a equipa meses depois da fusão que deu lugar à RadioShack-Leopard. Os dois portugueses estavam na até então RadioShack-Nissan.
Elogiou-os como atletas e como pessoas e não escondeu um desejo: "Gostaria muito de voltar a trabalhar com o Nelson Oliveira. É um ciclista com grande versatilidade. É capaz de fazer tudo e gosta muito das corridas do norte, das clássicas. É um excelente contra-relogista e sobe bem." Perante a "deixa" se Nelson Oliveira ficaria bem na Quick-Step Floors, Scheidecker sorriu e salientou: "Ele ainda nos vai dar muitas alegrias." Entenda-se que falava como português, recordando a grande exibição nos Mundiais de Bergen, em que Oliveira ficou na quarta posição no contra-relógio. Por curiosidade, o ciclista de Anadia tem contrato até 2019 com a Movistar.
Andy Schleck e a falta que faz ao ciclismo
Recordando uma entrevista antiga em que Scheidecker se mostrava orgulho de ver um jovem Andy Schleck de amarelo na Volta a França, o responsável lamentou que o luxemburguês tenha tido uma carreira tão curta, não duvidando que se hoje estivesse na estrada, estaria a fazer frente a Chris Froome: "Seria um corredor que o poderia bater." Em 2014, então com 29 anos, o mais novo dos irmãos Schleck anunciou a retirada, justificando a decisão com a lesão no joelho que o deixou quase sem cartilagem. Porém, os últimos tempos já não estavam a ser muito produtivos.
"Acho que estava numa fase da carreira em que tentava encontrar-se. Penso que sofreu muito com a fusão entre a Leopard e a Radioshack", referiu, acrescentando sem hesitação: "Poderia ter sido um dos melhores corredores de todos os tempos. Tinha um talento excepcional." Ricardo Scheidecker descreveu os irmãos como "excelentes pessoas", considerando que Frank "tirou o que tinha a tirar das suas potencialidades". Mas o mesmo não aconteceu com Andy. "Ele era um fenómeno e estas pessoas são especiais. Têm talento e têm a sua dinâmica, digamos, artística, não exacta, não matemática, não organizada... Ele era assim. Era puro talento", frisou. Desabafou ainda que Andy Schleck "faz muita falta" ao ciclismo. E só como referência, o luxemburguês é 21 dias mais novo que Chris Froome. Andy ganhou a Volta a França em 2010, após a desclassificação de Alberto Contador, contando também com o monumento Liège-Bastogne-Liège, conquistada no ano antes.
"[O Andy Schleck] poderia ter sido um dos melhores corredores de todos os tempos. Tinha um talento excepcional"
Os Schleck deixaram a sua marca em Scheidecker, tal como Peter Sagan e Fabian Cancellara, dois nomes que rapidamente nomeia como dos ciclistas com quem mais gostou de trabalhar. Porém, destaca igualmente um menos mediático: "O Michael Rogers é uma pessoa fora de série." Trabalhou com o australiano na Tinkoff, já na recta final da carreira do ciclista, que chegou a ser três vezes campeão do mundo de contra-relógio.
Com tantos anos de experiência, será que alguma vez Ricardo Sheidecker olhou para um ciclista e pensou que se estava perante um grande corredor? "Nunca me pus a adivinhar", respondeu. No entanto, afirmou que já viu "casos isolados de corredores com potencial que depois não apareceram". "Acontece", disse. E depois há aqueles que podem demorar um pouco mais a confirmar as expectativas, com o responsável a destacar Jay McCarthy.
"Foi um ciclista que eu e o Bjarne [Riis] vimos nos Mundiais de Valkenburg, em 2012, e contratámos para 2013. Teve alguns azares, mas tem muito talento e foi uma aposta ganha. Vai aparecer e ganhar corridas, de certeza absoluta", garantiu. Depois da Tinfoff acabar, McCarthy assinou pela Bora-Hansgrohe.
O australiano tem 25 anos e é assim mais um ciclista a seguir com atenção, como o estreante no World Tour Pavel Sivakov (Sky) e, claro, muitos dos ciclistas da equipa de Scheidecker, como Enric Mas e Laurens de Plus, como exemplificou o director técnico em declarações que pode ler na primeira parte da entrevista publicada ontem (ver link em baixo).
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