29 de dezembro de 2017

Está a cumprir 12 anos de suspensão, mas quer voltar a competir aos 40. Nem que tenha de criar uma equipa

(Fotografia: IPAFoto.nl/Wikimedia Commons)
Ricardo Riccò estava a ter uma ascensão meteórica no ciclismo. Foram as vitórias e outras grandes exibições que o tornaram rapidamente num corredor mediático e com a Itália a vê-lo como possível ídolo, mas a não conseguir evitar uma certa desconfiança. E o ciclista acabaria por confirmar o pior, tornando-se numa ovelha negra que a modalidade tenta esquecer, mas que uma declaração colocou-o de novo no centro das atenções: "Mais cedo ou mais tarde, eu vou voltar a competir."

A frase dita numa entrevista à Gazzetta dello Sport causou certamente um calafrio a muitas pessoas, numa altura em que o caso Chris Froome engrossou de novo a nuvem de suspeição que paira sobre o ciclismo e não ajuda Lance Armstrong ter uma tendência a reaparecer, sempre em grande estilo. Agora foi por ter sido convidado a estar num evento ligado à Volta a Flandres. Portanto, o ressurgimento de Riccò tem um timing... de causar vários calafrios só de se pensar na hipótese que dificilmente será mais remota.

Doze anos de suspensão terminariam com a carreira de qualquer atleta. Seja qual for a sua idade. Ou pelo menos assim se pensaria. Mesmo que queira regressar, quem confiaria dar um contrato a alguém com a reputação completamente manchada, ainda mais numa modalidade como o ciclismo que vive dos patrocínios? Para Riccò isso não é um problema: "Se nenhuma equipa me quiser, então eu criarei a minha própria equipa." Lá tempo para preparar o regresso Riccò tem, pois só poderá voltar em 2024, quando tiver 40 anos. "Ainda serei competitivo", garantiu, salientando que se estivesse a treinar agora, estaria melhor do que nunca, exemplificando com alguns ciclistas com quem competiu e que agora estão em bons momentos de forma.

Até este hipotético regresso, Riccò vai continuar dedicado à sua loja de gelados, que abriu em Tenerife. Até vende para cães e afirmou que o negócio corre-lhe bem. Continua a andar de bicicleta, ainda que sem grande intensidade, dizendo que vai assistindo a algumas corridas. Elogia Vincenzo Nibali, ciclista da sua geração, gosta de Fabio Aru e apelida Peter Sagan de "único".

Inevitavelmente falou-se de doping. Sobre a sua suspensão, considera ter sido tão pesada porque sempre disse o que pensava. "Também nunca tive ninguém a ajudar-me. Comparativamente, o [Ivan] Basso tem sido bom em vender a sua imagem aos meios de comunicação. É uma das suas qualidades. Também se rodeou das pessoas certas", salientou. Recordou que quando foi apanhado "todos desapareceram", acusando os empresários dos ciclistas e os directores desportivos de apenas pensarem em dinheiro, considerando ainda que os familiares dos corredores mais jovens têm igualmente responsabilidade se estes recorrerem ao doping.

Recuando um pouco aos primeiros passos no profissionalismo de Ricardo Riccò. O italiano não conseguiu mais cedo um contrato porque a percentagem de hematócritos (volume de glóbulos vermelhos) era elevada. Ultrapassava os 50% que normalmente levanta suspeitas de doping, ainda que possa ser de facto normal em algumas pessoas. O então director desportivo da Saunier Duval, Mauro Gianetti, levou o ciclista até à UCI para realizar exames que mostrassem que Riccò tinha uma percentagem elevada normal e não por recorrer a substâncias proibidas. Foi-lhe dada luz verde. Estávamos em 2006 e mesmo com o passe dado pelo organismo, Riccò não se livrou de alguns comentários nos bastidores (e não só).

Dois anos depois, Riccò foi um dos três ciclistas que acusou CERA (também conhecida por EPO de terceira geração) no Tour e sempre assegurou que havia mais a desrespeitar as regras. Tudo mais pareceu uma telenovela, com o ciclista a começar por desmentir depois de passar uma noite na esquadra da polícia, depois admitiu, até acusou quem o ajudou e pelo meio soube-se que o italiano tinha tentado fugir na quarta etapa ao controlo anti-doping (seria esse que daria positivo) o que fez com que começasse a ser chamado todos os dias. Foi suspenso, regressando à competição em 2010, na então Vancansoleil. No início de 2011, Riccò correu risco de vida. Os relatos dão conta que terá feito uma auto-transfusão de sangue que estaria contaminado. Entre sépsis e falha nos rins, o ciclista esteve internado duas semanas. Acabou despedido e no ano seguinte veio a suspensão de 12 anos. De nada valeu recorrer ao Tribunal Arbitral do Desporto.

Riccò recordou aquele momento que poderia ter sido fatal. Afirmou que nunca receou estar a colocar em perigo a sua vida, pois apenas tinha medo de ser apanhado. Disse ainda que não era estúpido e que "não guardava o sangue no frigorífico junto dos vegetais". "Tinha um frigorífico especial para isso", garantiu.

Questionado sobre o ciclismo actual, Riccò respondeu com perguntas: "Estão limpos agora? Tem a certeza? Estou fora desse mundo, por isso não sei. O que acha?" Acrescentou que prefere o "doping químico" ao "doping mecânico". "Pelo menos tens a coragem de correr os teus próprios riscos. O doping mecânico significa um desporto diferente. Nunca consegui usá-lo. Sentir-me-ia como merda", salientou. E mais uma frase de uma entrevista que está a ter enorme repercussão nos media internacionais: "Penso que o [doping] químico ajuda sendo controlado medicamente, mesmo que o chamem de doping. Faz menos danos do que o esforço de correr a Volta a França a pão e água."

Não há dúvidas que Riccardo Riccò conseguiu ter mais uns minutos de fama, ou pelo menos de atenção. Agora é esperar para vez se a 19 de Janeiro de 2024 estará novamente na estrada, numa equipa que o próprio criará, ou se regressa à discreta vida de um empresário dedicado ao negócio dos gelados, longe do ciclismo.

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