14 de dezembro de 2017

A luta pela credibilidade e pela sobrevivência

(Fotografia: Unipublic/Photogomez Sport)
Num momento temos um ciclista concentrado em concretizar uma enorme ambição de entrar para a história com feitos que poderiam variar entre os inéditos e os poucas vezes alcançados. Noutro momento, tudo muda. Chris Froome tem pela frente o maior desafio da sua carreira: manter a credibilidade. Intocável já nunca vai ficar, independentemente de como venha a terminar este caso de utilização do medicamento para a asma. No entanto, Froome espera que ainda possa sair de toda esta trapalhada com algum prestígio para defender uma carreira que estava a ser brilhante. Já nada será o mesmo para o britânico e será ainda pior para a equipa. Froome irá passar o resto da carreira a lutar pela sua credibilidade. A Sky pode mesmo estar perante uma luta pela sobrevivência.

Chris Froome sempre quis ser a imagem do ciclismo limpo. Fez disso o seu mote logo quando ganhou o seu primeiro Tour em 2013. Então disse que seria uma vitória que persistiria no tempo, tentando afastar as persistentes dúvidas sobre os famosos ganhos marginais da equipa. As suspeitas que rodeiam a Sky existem praticamente desde os seus primórdios. As suspeitas nunca foram confirmadas e a Sky e Froome continuaram a ganhar.

Froome tornou-se mesmo num ídolo, a Sky na equipa que mudou o ciclismo actual. Juntos dominam em França e em Setembro foi a vez de colocar o ciclista como o primeiro britânico rei na Volta a Espanha. Se Froome não conseguir provar que utilizou a substância salbutamol dentro dos limites legais - de salientar que a amostra B confirmou o primeiro resultado, que identificou o dobro do legalmente permitido -, mas que dado a outros factores atingiu os valores detectados (serão feitos estudos próprios para recriar as condições e como afectaram o metabolismo), o britânico fica sem a Vuelta e enfrenta uma suspensão. Em casos recentes foram aplicados nove meses a um ano. Na pior das hipóteses seriam dois anos se ficar provado que o ciclista não procurou melhorar a sua performance, ou quatro se tal não acontecer.

Mesmo que não lhe seja aplicada qualquer suspensão, Froome sabe que irá debater-se por reconquistar a sua credibilidade numa modalidade em que ela vale quase tanto como a qualidade como ciclista. Este é um pesadelo que poder-se-á ficar com a sensação que nunca se acorda e é agravado por tudo o que aconteceu no passado recente na Sky. Não é inédito estes casos permanecem confidenciais, pois a substância em causa, salbutamol - muito utilizada pelos ciclistas asmáticos -, não está entre as que dá suspensão imediata. Se assim fosse, teria acontecido a 20 de Setembro quando Froome e a Sky foram notificados. Ainda assim, a não divulgação deixou margem para comentários como se poderia estar a tentar proteger o ciclista e a equipa.

Desde a notificação que Froome tem preparado a sua defesa e claramente estaria confiante de que não haveria problemas, dados os planos que tinha para 2018. Dois jornais divulgaram o caso e tudo mudou, acabando-se a aparente tranquilidade do corredor e da equipa. Fazer a dobradinha Giro/Tour passou para segundo plano. Froome tem de se salvar a ele próprio e a sua imagem antes de pensar em mais vitórias.

Em entrevista à BBC, o britânico tentou reforçar a ideia que não fez nada de mal e que o resultado no teste anti-doping não foi positivo. E sim, para já é considerado anómalo ou adverso e não um positivo. Volta a dar razão à UCI por questionar os valores detectados, reiterando que está determinado em esclarecer as dúvidas. Palavras que valem o que valem perante o historial no ciclismo. O que se pede é que o processo não se arraste e que sejam divulgadas o mais rapidamente possível as conclusões. Ou seja, a ciência que comprove ou não as palavras de Froome.

A toda poderosa Sky abanou com o tal "pacote suspeito" de Bradley Wiggins e com a forma como se alegou ter recorrido ao uso terapêutico de substâncias proibidas, mas que, devidamente autorizadas, podem ser administradas. As suspeitas, sempre as suspeitas, é que este uso terapêutico excepcional seja uma forma de ajudar a melhorar a performance dos ciclistas de forma legal, ainda que recorrendo a substâncias que não o são.

O caso de Froome não é um destes, pois o ciclista pode recorrer ao salbutamol dentro dos limites estabelecidos. Porém, os valores irregulares de Froome mais o caso de Wiggins - que foi arquivado recentemente - deixa a Sky numa situação delicada. Dave Brailsford, o homem forte e que esteve também no centro da polémica de Wiggins, deixou uma curta declaração no comunicado da Sky, reiterando a confiança em Froome e dizendo que tudo será feito para esclarecer os factos daquele 7 de Setembro, dia em que foi recolhida a amostra de urina que revelaria os elevados números de salbutamol. Mais palavras que neste momento de pouco servem para acalmar as reacções de choque à notícia.

No início do ano falou-se de um possível desconforto de alguns ciclistas para com Brailsford devido ao tal "pacote suspeito". Froome foi quem deu a cara para defender o director da Sky, mas a ver vamos se não se verá algo isolado nesta luta pela sua credibilidade e pela sobrevivência da equipa.

As últimas semanas foram de conversas sobre como Froome fez história ao ganhar o Tour e Vuelta no mesmo ano, como queria ir atrás da dobradinha Giro/Tour e que tal poderia significar mais uma marca histórica de grandes voltas conquistadas de forma consecutiva. Os próximos meses iriam ser de expectativa quanto a um 2018 histórico. A história agora poderá ser bem diferente e se for suspenso, será uma sem Froome durante uns tempos.

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