20 de março de 2019

Ausência da Volta ao Alentejo deixa equipas sub-23 a temer o futuro

Sicasal-Constantinos foi uma das equipas sem convite para a Alentejana
Quando o pelotão partiu esta quarta-feira para a 37ª Volta ao Alentejo, ali, em Montemor-o-Novo, não estiveram seis equipas que agora temem pelo seu futuro. As formações de clube portuguesas, ou de sub-23, não receberam o convite para competir numa das corridas mais importantes a que tinham acesso. Mais do que a desilusão, o sentimento dos responsáveis é de preocupação. Alertam que foi aberto um precedente para que mais organizadores deixem de fora estas equipas e não hesitam em apontar o que está em causa: a continuidade destas estruturas. Apelaram a uma rápida intervenção da Federação Portuguesa de Ciclismo para evitar um cenário negro na modalidade.

Todos os directores mostram-se preocupados ao Volta ao Ciclismo com a eventual reacção dos patrocinadores, que tinham na Alentejana uma competição com maior visibilidade, visto não só ser uma corrida com história e internacional, mas com algum acompanhamento mediático, nomeadamente televisivo, através de resumos. O pior é recearem que esta seja apenas a primeira "exclusão". "Com esta decisão da Podium [organizadora da Volta ao Alentejo], abre-se um precedente. Qualquer organização que por algum motivo acha que tenha interesse em trazer equipas estrangeiras, independentemente da qualidade de algumas delas, em detrimento das equipas portuguesas, irá fazê-lo. A partir de agora vai ser fácil. O difícil era alguém fazer pela primeira vez", salientou Hélder Miranda. 

O director desportivo da Sicasal-Constantinos acrescentou que a equipa estava a preparar há algum tempo a Volta ao Alentejo, tendo inclusivamente feito dois estágios e teve para realizar um terceiro, pois queria fazer bem melhor do que em 2018. A notícia da falta de convite foi um rude golpe: "Pode deixar a equipa numa situação complicada. Espero que não tenha influência na [nossa] continuidade na estrada no próximo ano."

Hélder Miranda realçou como os organizadores são livres de decidirem quais as equipas que convidam, mas ficar de fora de mais corridas é um cenário que assusta qualquer dos directores dos sub-23: "Se pensarmos que poderemos não ir a mais alguma corrida... Então aí complica-se muito. Deixará de fazer sentido existirem equipas de clube. Não faz sentido ter até Maio seis dias de competição."

José Rodrigues respira bem fundo antes de afirmar: "É mais um revés na formação. Não sei de quem é a culpa, se da federação ou se da Podium. Essas entidades teriam que se entender. O que estão a fazer é cortar as pernas das equipas de sub-23." O director da Fortunna-Maia foi mais longe: "Ao meu patrocinador, a quem eu prometi a participação em várias provas, inclusivamente na Volta ao Alentejo, vou agora, infelizmente, passar por aldrabão. O meu orçamento se calhar vai ser inferior no próximo ano graças a estas invenções."

Há 35 anos no ciclismo, não esconde a enorme desilusão que sente, principalmente perante a possibilidade de mais corridas fecharem as portas às equipas sub-23. "Isto não é o ciclismo moderno. Estamos a andar para trás. Todas as outras provas se calhar vão pensar em fazer o mesmo e isto é fechar as equipas sub-23", frisou.

Para José Nicolau acaba por ser uma forma de discriminação e pede um regulamento da federação para salvaguardar o futuro destas estruturas importantes na formação dos jovens ciclistas. "O que sinto é que parece que as equipas de clube andam aqui a mais", desabafou. Na sua opinião, devem ser criadas garantias para que, se não todas, algumas das equipas possam ter sempre entrada garantida nas provas. "Ninguém poderia levar a mal [não serem todas convidadas]. Já aconteceu noutros anos alguém ficar de fora. Mas assim alguém teria de ir", disse o responsável da Jorbi-Team José Maria Nicolau.

Hélder Miranda, da Sicasal-Constantinos, prefere ver as seis equipas a terem entrada nas corridas. "Se calhar haver a obrigatoriedade de competirem duas ou três, seja por ranking ou por outro critério, é o mínimo, mas não é o ideal. Acho que deveriam ser todas", afirmou. Disse ainda que Joaquim Gomes, director da Volta ao Alentejo, ligou-lhe quando foi anunciada a decisão de deixar de fora as equipas sub-23: "Eu percebo o lado deles porque foi também um pouco a exigência dos municípios do Alentejo em ter equipas estrangeiras para dinamizar o turismo. Depois não há dinheiro para tudo. Se calhar, noutras corridas com menos impacto, deveria ser obrigatório. Mas tem de ser a federação a meter essas regras."

E a federação está já a trabalhar para encontrar uma solução e assim evitar que se repita esta ausência total das equipas de clube. É que a falta de convite deixou inclusivamente de fora a única formação alentejana a este nível. A Crédito Agrícola-Jorbi-Almodôvar foi para a estrada esta temporada e sofreu logo este golpe.

"A organização não é obrigada a convidar. Mas a federação tem de ter cuidado com o que vai organizando na parte dos sub-23. Está sujeita que as equipas sub-23 acabem por desaparecer. Servem para encher pelotão em certas alturas e noutras, quando há equipas internacionais em quantidade, já não precisam delas", afirmou Fernando Vieira. O director desportivo da formação alentejana tinha indicações que iria à Alentejana. Contudo, a realidade foi outra: "Houve alterações em termos de pensamento do organizador. Ele [Joaquim Gomes] pode fazer o que quiser. Mas sendo a nossa equipa do Alentejo foi um erro não ser convidada."

Fernando Vieira não tem dúvidas que os patrocinadores vão deixar de apostar no ciclismo jovem, pois não têm retorno mediático se as equipas não estão em corridas de maior importância como a Volta ao Alentejo.

José Martins, do ACDC Trofa-Trofense, é directo nas palavras: "É muito mau. Está em risco o futuro das equipas." O responsável considera que a partir de agora é impossível prometer seja o que for a potenciais patrocinadores, referindo ainda como o ACDC Trofa-Trofense tem um centro de estágio e oferece condições para os seus ciclistas evoluírem, mas que se fica sem corridas, então: "[Os patrocinadores] começam a duvidar da equipa de ciclismo, mais vale apostar numa de domingueiros."

A JV Perfis-Gondomar Cultural é a outra equipa nova no escalão de sub-23. José Barros considera que não é fácil explicar aos patrocinadores esta ausência de convite. "Começam a pensar duas vezes se vão investir no ciclismo. Se não temos corridas, não há divulgação, não há competição. Isso é menos bom para patrocinadores e para os atletas."

Diz mesmo que o "ciclismo fica mais pobre" sem as equipas de sub-23 numa Volta ao Alentejo e apela a um entendimento entre a federação e organização da corrida. "É uma perca grande para as equipas sub-23. Não temos só provas para nós, tirando os Nacionais e Volta a Portugal do Futuro. O calendário é curto. A federação deveria repensar mais esta juventude. Se não há formação, sem estes sub-23, acaba o ciclismo."

Federação quer garantir quotas

Sem um calendário próprio, os sub-23 competem maioritariamente com a elite, com os Nacionais e a Volta a Portugal do Futuro a serem as "suas" corridas. Este ano entrará a Volta a São Miguel. Em Portimão e Curia, os sub-23 e os juniores vão juntar-se num pelotão. Porém, a maior preocupação é agora evitar que faltem mais convites para as provas com a elite.

"Este ano não havia muito a fazer. O organizador não é obrigado a convidar as equipas. Nunca aconteceu, não era expectável que acontecesse. Foi uma opção do organizador que não concordamos, mas aceitamos", disse Delmino Pereira ao Volta ao Ciclismo. O presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo é rápido em salientar que têm de ser tomadas medidas e essas estão a ser preparadas já para 2020: "Temos de arranjar uma quota, um compromisso, que terá de ser negociado com as partes."

Quanto a 2019, resta, segundo o dirigente, apelar ao bom senso, mas para o próximo ano quer então introduzir um sistema de quotas. "No acto de inscrição o organizador saberá os compromissos a que será obrigado. Haverá uma quota por uma questão de coerência desportiva. Por outro lado, as equipas ao inscreverem-se também saberão os direitos que vão ter."

Estas negociações vão abranger as corridas de categoria internacional 2, com a criação de quotas mínimas. No entanto, a questão também irá tratada a nível nacional, para assegurar que haverá equipas sub-23 em provas de referência como o Grande Prémio Jornal de Notícias e o Abimota, por exemplo. "A nível nacional também vamos negociar e veremos até onde poderemos ir", explicou Delmino Pereira.

»»Volta ao Alentejo abrangente no percurso mas de portas fechadas para equipas sub-23 portuguesas (inclui declarações de Joaquim Gomes)««

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