15 de março de 2019

Viviani e Gaviria, aquela particular rivalidade

(Fotografia: © BettiniPhoto/UAE Team Emirates)
Há um ano esperava-se que estivesse a nascer uma intensa rivalidade entre Fernando Gaviria e Marcel Kittel, a estrela em rápida ascensão e o considerado um dos melhores do mundo. Dois dos mais poderosos sprinters em acção. Desilusão completa devido ao "apagão" que o alemão sofreu. Essa rivalidade devia-se ao facto de na época anterior terem sido companheiros de equipa. 12 meses volvidos e eis que temos situação idêntica, mas com um novo interveniente. Agora é Viviani vs Gaviria e eis um frente-a-frente que está a prometer cada vez mais. E quem diria?!

Quando no final de 2017 Elia Viviani quebrou contrato com a Sky para agarrar o lugar que Kittel ia deixar vago na então Quick-Step Floors, a aposta da equipa belga parecia ser de uma segunda opção, atrás de Gaviria, sem que o escolhido se importasse de estar em segundo lugar na hierarquia no sprint. Kittel escolheu mudar-se para a Katusha-Alpecin precisamente porque não queria entrar numa luta interna com o colombiano, a pensar na presença na Volta a França. Kittel não estava disposto a abdicar do seu estatuto e ficou-se sem saber se de facto estaria em risco logo em 2018, depois de um sensacional 2017.

Gaviria também tinha estado brilhante nessa temporada - ambos somaram 14 vitórias cada um - e tinha (e tem) a idade do lado dele. A forma como ganha e as vezes que o faz, até dá para esquecer que tem apenas 24 anos, enquanto Kittel já chegou aos 30. Em 2018 deu-se então a separação e pareciam estar reunidas as condições para que assistisse a uma rivalidade muito especial, faltando saber se a Katusha-Alpecin conseguiria formar um comboio tão forte como a da Quick-Step Floors. Não conseguiu e Kittel ainda menos conseguiu estar perto do seu nível habitual.

Apesar de uma temporada com altos e baixos devido a quedas, Gaviria foi um homem quase sem rival quando estava bem. Por seu lado, Viviani até pode ter começado na equipa belga escondido na sombra de um Gaviria que, por direito próprio, centrou os holofotes nele no que aos sprints diz respeito. No entanto, o italiano foi roubando um pouco da ribalta. E também por direito muito próprio. Acabou a temporada como o ciclista com mais vitórias, 17, mais a geral no Dubai, umas quantas camisolas dos pontos e um contra-relógio colectivo. Gaviria "ficou-se" pelas nove, mais a desejada camisola amarela na primeira vez que competiu no Tour. Perdeu-a logo no dia seguinte, mas foi um momento muito importante. Venceu mais uma etapa. Viviani conquistou quatro no Giro e a classificação dos pontos.

Por mais que Viviani sonhasse com o Tour, sabia bem qual seria o seu lugar na equipa. Gaviria era o número um nas corridas que escolhesse e assim estava previsto continuar. Contudo, a proposta da UAE Team Emirates foi irresistível e o director Patrick Lefevere deixou sair o seu ciclista, mesmo tendo conseguido encontrar uma empresa que garantisse uma almofada financeira para segurar o colombiano, que ainda tinha um ano de contrato.

A agora Deceuninck-QuickStep nem hesitou e deu o papel principal nos sprints a Viviani, um ciclista que sempre foi um sprinter de respeito, mas nunca se tinha previsto que pudesse ser tão poderoso. Ganha aos melhores porque ele próprio é um dos melhores. Faz toda a diferença estar numa equipa que aposta no seu ciclista, o que não acontecia na Sky. Na formação britânica ficava tantas vezes sozinho na procura de vitórias. O potencial estava lá, a equipa belga conseguiu que este fosse aproveitado por completo.

Viviani completou 30 anos em Fevereiro, Gaviria fará 25 em Agosto. Duas gerações, uma rivalidade que há duas temporadas nunca se imaginaria. Nem na época passada se imaginaria. Viviani soma quatro vitórias em 2019, Gaviria três, mas no frente-a-frente directo está 2-1 para o italiano, com o desempate a ser feito esta sexta-feira na terceira etapa do Tirreno-Adriatico.

O sprint foi tão confuso que só Peter Sagan tinha alguém da Bora-Hansgrohe a ajudá-lo no metros finais. Mas Viviani fez-se valer de uma longa experiência de ter de se "safar" sozinho entre os caóticos sprints e também de tudo o que aprendeu na pista. Gaviria ainda chegou a ter Simone Consonni - cada vez mais o seu braço direito -, mas acabou a agarrar-se à roda de Viviani, enquanto este estava na de Sagan.

Como um bom sprinter não é só força, Viviani mostrou muita inteligência. Bateu Sagan na força - o eslovaco está a recuperar a forma depois de sofrer de problemas de saúde e terá ficado satisfeito com o segundo lugar - e bateu Gaviria na boa colocação. Ao sair da roda de Sagan, Viviani, sabendo onde estava Gaviria, manteve-se bem perto do rival eslovaco, forçando o colombiano a ter de abrir mais para tentar ter espaço para acelerar. Esse desvio de trajectória seria demasiado. Gaviria ficou fechado e nem teve espaço para bater Sagan. O outro frente-a-frente entre o italiano e o colombiano tinha sido nos Emirados Árabos Unidos, com cada um a vencer uma etapa e, nestes casos, com o rival a ficar em segundo.

Viviani tem a vantagem de ter um comboio mais do que oleado. O da UAE Team Emirates está em formação. Porém, ambos sabem aproveitar bem o trabalho de terceiros. Ambos conhecem-se perfeitamente. Os pontos fortes, os pontos fracos, a mentalidade... Aqui, a diferença é como Viviani é mais frio e prático, enquanto Gaviria é mais emocional, o que às vezes é uma desvantagem quando algo lhe corre mal. Viviani recupera melhor de maus momentos. Milano-Sanremo, Volta a Itália, Volta a França são corridas que estão no calendário dos dois sprinters que, mesmo com a diferença de idades, estão a equiparar-se. Se assim continuarem, é espectáculo garantido no sprint.

Numa altura em que André Greipel (36 anos) e Mark Cavendish (33) entraram na fase descendente da carreira, em que Marcel Kittel tenta recuperar uma versão que o torne novamente competitivo, com Erik Zabel a treiná-lo, Gaviria e Viviani podem ser as figuras de uma rivalidade em particular. Porque no geral, além de Peter Sagan ou Arnaud Démare, por exemplo, há toda uma geração preparada para se intrometer entre os nomes já mais consagrados: Álvaro Hodeg e Fabio Jakobsen (Deceuninck-QuickStep), Caleb Ewan (Lotto Soudal), Jasper Philipsen (UAE Team Emirates), Matteo Moschetti (Trek-Segafredo)... E sim, Sam Bennett. Tal como Viviani um sprinter a alcançar o seu potencial um pouco mais tarde, comparativamente com um Gaviria, por exemplo. O irlandês venceu pela segunda vez no Paris-Nice, quarta vitória em 2019. Foi excluído do Giro pela Bora-Hansgrohe, está em final de contrato e muito receptivo a propostas.

Uma coisa é certa, nesta Deuceninck-QuickStep, seja que nome tenha, seja que ciclistas façam parte do plantel, mantém uma competitividade impressionante. Sai um ganhador, há sempre outro mais do que pronto para somar triunfos. Não há quebras com as mudanças. São poucas as equipas com esse tipo de capacidade, quando perdem uma referência.




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