12 de março de 2019

O grito de revolta de Sam Bennett

(Fotografia: © Bora-Hansgrohe/BettiniPhoto)
Quando se começa a temporada tendo como "homem de lançamento" no sprint um ciclista chamado Peter Sagan e depois de uma época de 2018 memorável, Sam Bennett esperava tudo, menos descer na hierarquia da Bora-Hansgrohe, ficar de fora do Giro e ter de ponderado se chegou o momento de mudar. O irlandês não escondeu a desilusão de ter sido excluído da corrida na qual, há um ano, afirmou-se finalmente ao mais alto nível. Contudo, a sua reacção às más notícias são um sinal do profissionalismo que a Bora-Hansgrohe ou outra equipa, caso saia, pode contar.

Após conhecer a decisão que não iria à Volta a Itália, com a escolha a recair em Pascal Ackermann, Bennett reagiu vencendo uma etapa na Volta aos Emirados Árabes Unidos e agora somou mais um triunfo no Paris-Nice, sempre frente um forte lote de sprinters. Contando ainda com a etapa na Volta a San Juan, na Argentina, onde teve Sagan a ajudá-lo, Bennett ganhou em todas as corridas em que participou esta temporada, duas das quais de categoria World Tour.

Este irlandês tem sido um ciclista incansável na procura por um lugar entre os melhores. Subiu a pulso na carreira. Já pertencia à estrutura da actual Bora-Hansgrohe quando a equipa estava no escalão Profissional Continental. Chegou em 2014 para a então NetApp-Endura, cruzando-se com os portugueses José Mendes e Tiago Machado. Quando a equipa subiu a World Tour, em 2017, Bennett soube aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas, tendo em conta que Peter Sagan tomou conta da liderança nos sprints e não só.

No ano antes, Bennett tinha conquistado uma etapa no Critérium du Dauphiné, que lhe ajudou a ter argumentos para que não fosse relegado a apenas um membro de apoio aos líderes. Quando era para ajudar, ajudava, quando era para lutar por vitórias, lutou. Ganhar no Paris-Nice colocou o seu nome na história da Bora-Hansgrohe. Foi a primeira vitória como equipa World Tour numa corrida de categoria máxima. Peter Sagan tinha aberto a contagem na Kuurne-Bruxelles-Kuurne, que é 1.HC (segunda categoria).

Acabou esse 2017 com dez vitórias, a melhor da carreira, cinco de provas World Tour, tendo contribuído o domínio na Volta à Turquia (quatro triunfos em etapas). No Giro tinha somado três terceiros lugares e um segundo. Com a boa restante temporada, a Bora-Hansgrohe não hesitou em levá-lo novamente a Itália em 2018, novamente como um dos líderes. Respondeu com três etapas ganhas, sendo um rival que chegou a parecer não existir para Elia Viviani (Etixx-QuickStep). Juntou três terceiros lugares e dois segundos. Foi sempre muito competitivo nos sprints. A Bora-Hansgrohe tinha garantido que havia mais um sprinter a conquistar grandes vitórias.

O problema de Bennett foi que enquanto confirmou que era um sprinter que a equipa poderia contar, Pascal Ackermann aproveitou o calendário bem diferente do irlandês para mostrar todo o seu potencial. O jovem alemão, de 25 anos, foi mesmo o mais ganhador da equipa - nove vitórias contra as sete de Bennett - e com alguns triunfos importantes, como uma etapa no Critérium du Dauphiné, outra na Volta à Romandia e a clássica britânica Prudential RideLondon-Surrey. Os dois contribuíram para uma época de sucesso da Bora-Hansgrohe, não se podendo dizer que ficaram completamente na sombra de um Peter Sagan a ganhar no Tour e o monumento Paris-Roubaix. Bennett e Ackermann também conseguiram brilhar.

2019, nova época e a equipa não esconde que Pascal Ackermann é a nova coqueluche em crescimento. Bennet está em final de contrato. "Tenho 28 [anos], 29 na próxima temporada. Não estou a ficar mais novo e estes são os meus melhores anos. Quero oportunidades", desabafou Bennett quando soube que só lhe sobrava a Volta a Espanha, com Ackermann a ser a escolha para o Giro e Sagan, claro, para o Tour. Bennett nem se importa de ir à Vuelta, pois mesmo não sendo a grande volta que mais etapas tem para sprinters, o irlandês admite gostar da corrida. Porém, quer mais.

E com razão. Bennett não é um sprinter que ganhe quando faltam grandes nomes. Não. Bennett tem conseguido bater os melhores e nos últimos dois anos demonstrou como tem qualidade para estar nas grandes corridas e que dele pode-se esperar bons resultados. Não tem o mediatismo de um Sagan, Marcel Kittel ou Fernando Gaviria. Despontou mais tarde do que qualquer das actuais grandes estrelas, mas a tempo de estar a conquistar triunfos que justificam que possa ter um papel mais relevante.

No entanto, é o primeiro admitir que está numa equipa que tem uma forte concorrência interna e esse poderá ser um problema para Bennett. Ser um ciclista da casa não é garantia de nada, numa Bora-Hansgrohe a ambicionar cada vez mais e além de Peter Sagan. Pode não estar a ir para novo, como diz, mas está numa idade em que muitos sprinters alcançam o seu maior potencial. Contudo, a equipa alemã procura ter mais referências do seu país, algo natural quando se vive de patrocinadores. Pascal Ackermann junta-se a Emanuel Buchmann, com o reforço Max Schachmann a ser a mais recente aposta para ciclistas germânicos líderes na Bora-Hansgrohe. Isto não significa que se feche a porta a estrangeiros de qualidade. O austríaco Patrick Konrad, o australiano Jay McCarthy, o polaco Rafal Majka e o próprio Bennett são a prova disso. Com Sagan como exemplo máximo, naturalmente.

Bennett vê-se na situação de ter de tomar uma decisão que lhe poderá marcar a restante carreira. É difícil não ver a Bora-Hansgrohe oferecer-lhe uma renovação, mas o irlandês quer um papel de maior relevo. Quer estar na Volta a Itália. Quer ir a uma Volta a França. O grito de revolta de Bennett chegou em forma de vitórias para as equipas World Tour verem e talvez contratarem-no como um líder. Com esta atitude, ganham todos, Bennett, Bora-Hansgrohe e as corridas em que o ciclista participa, já que anima sempre o sprint.

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