22 de março de 2019

Dez anos depois de vencer a Milano-Sanremo e de nunca a ter falhado, vai ver o monumento de fora

(Fotografia: © Stiehl Photography/Team Dimension Data)
Há dez anos, um jovem talentoso sprinter começava a dar forma a um impressionante currículo que o colocaria entre os melhores da história, independentemente do que ainda venha ou não a fazer na carreira. Poderoso no arranque, personalidade muito forte, extremamente competitivo, como normalmente são ciclistas com as suas características. Este britânico estava no ciclismo para ganhar e nada mais. Em 2008 apareceu de rompante a conquistar quatro etapas no Tour, depois de duas no Giro, além de outras vitórias importantes - que começaram em 2007 - que rapidamente deram àquele rapaz de 22 anos o estatuto de estrela mundial. Na época seguinte, na estreia em monumentos, não perdeu tempo e ganhou a Milano-Sanremo. Nunca mais falhou esta corrida italiana desde então. Dez anos depois, o nome Mark Cavendish não aparece na lista de inscritos, numa fase negra da sua carreira e que muitas questões se levanta se não se estará perante uma cada vez mais próxima despedida.

Naquela edição de 2009 percebe-se bem porque recebeu alcunha de "míssil da Man" (referência à ilha onde nasceu). Heinrich Haussler arranca para o que parecia ser uma grande vitória frente a nomes como Thor Hushovd, seu companheiro na Cérvelo, e Alessandro Petacchi, por exemplo. Porém, lá veio disparado da roda do australiano, que nem um míssil, Cavendish, a grande figura de uma equipa que marcou a modalidade, a Columbia-HTC. E quantas vezes mais se viu Cavendish ganhar assim. Ou alcançado o que parecia já ser impossível, ou então meter-se na frente e era o "apanha-me se puderes" e normalmente ninguém podia.

Bons velhos tempos de um sprinter como poucos. É talvez inevitável sentir algum saudosismo de um ciclista que tinha tanto de espectacular na estrada, como de mau feito fora dela. E às vezes nela! Foi preciso esperar pela paternidade para acalmar um pouco os ânimos. Infelizmente também a sua carreira e a sua capacidade de sprintar com os melhores acalmou.

Teve um primeiro período de menos fulgor, mas quando parecia ter recuperado, na mudança para a Dimension Data, deu-se um total apagão. O diagnóstico do vírus de Epstein-Barr mudou-lhe a vida. Os últimos dois anos têm sido um inferno. Entre o ter de parar para recuperar da doença e depois tentar ganhar forma, parecer que está bem e sofrer quedas atrás de quedas, como aconteceu no início da temporada passada... Cavendish não consegue ser algo próximo da sua sombra. Em 2018 parou no final de Julho, pois estava novamente a precisar de recuperar do problema de saúde que não mais o irá largar.

Apesar da indefinição quanto ao que Cavendish ainda poderá fazer no ciclismo, a Dimension Data renovou com o ciclista. Aos 33 anos, encetou novo regresso nesta temporada. Esteve mais na ajuda a companheiros, pois rapidamente se percebeu que estava longe de poder disputar sprints. As dificuldades ficaram bem patentes no Paris-Nice. Nas etapas iniciais, marcadas por muito vento, Cavendish não aguentou o ritmo. Abandonou na segunda, naquela que era a sua terceira corrida do ano, depois das presenças na Volta a San Juan e dos Emirados Árabes Unidos

Ir à Milano-Sanremo parecia fazer pouco sentido perante a evidente falta de forma. A Dimension Data mantém a confiança que Cavendish poderá recuperar mais adiante na temporada, talvez já a pensar na Volta a França, onde o sprinter soma 30 vitórias de etapas. O seu grande objectivo e talvez único nesta fase da carreira, é bater o recorde de Eddy Merckx. Dar Cavendish como acabado pode ser um erro, como já demonstrou no passado, mas cada vez mais parece uma missão impossível ganhar cinco etapas ou pelo menos quatro para igualar o "Canibal" belga.

Talvez Cavendish possa voltar à Milano-Sanremo numa próxima edição, até porque no ano passado o seu monumento terminou com uma queda arrepiante. Merece sair de outra forma. Pelo menos isso. Aquela vitória de 2009 acabou por ser a única nestas corridas históricas do ciclismo. Tentou a Volta a Flandres e o Paris-Roubaix, mas não se deu nem com as rampas em pavé da primeira, nem com os sectores de empedrado infernais da segunda. A Milano-Sanremo era e é o seu monumento, mas não mais conseguiu sequer regressar ao pódio.

Neste vídeo recorda-se a grande vitória de Cavendish na Milano-Sanremo, com os comentadores a transmitirem tão bem a emoção do momento. Só no photo finish se conseguiu perceber quem tinha vencido.

(Texto continua por baixo do vídeo.)



O monumento que não é sempre dos sprinters

Apesar de ser o monumento que melhor assenta aos sprinters, ainda que tenham de ultrapassar uma Cipressa e um Poggio que nem sempre ajuda o mais puro dos sprinters, esta corrida também é pródiga em surpresas. Vincenzo Nibali foi o autor de uma no ano passado e Michal Kwiatkwoski em 2017. Ambos vão liderar a Bahrain-Merida e a Sky, respectivamente, mas mesmo sendo vencedores da Milano-Sanremo, o favoritismo acaba por recair sempre em homens com características de sprinters.

Claro que poucos faltam à chamada. Será que é desta que Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) vence depois de dois segundos lugares? Ou será que o seu companheiro de equipa, Sam Bennett, chegar-se-á à frente, já que está num excelente momento? Arnaud Démare (Groupama-FDJ), Matteo Trentin (Mitchelton-Scott), Fernando Gaviria (UAE Team Emirates) e Christophe Laporte (Cofidis) não são para menosprezar. Muito menos serão os três fortíssimos candidatos e três dos sprinters em melhor forma nesta primeira fase da temporada: Caleb Ewan (Lotto Soudal) e, principalmente, Dylan Groenewegen (Jumbo-Visma) e Elia Viviani (Deceuninck-QuickStep).

Quanto à Dimension Data, sem Mark Cavendish, dará a liderança ao italiano Giacomo Nizzolo, reforço de 2019 e que terminou a época passada a ser operado a um joelho. Este ano já ganhou uma etapa na Volta a Omã.

José Gonçalves (Katusha-Alpecin) será o único português presente nos longos 291 quilómetros deste primeiro monumento dos cinco da temporada. Pode confirmar neste link a lista de inscritos, via ProCyclingStats.


Sem comentários:

Enviar um comentário