14 de fevereiro de 2017

Volta ao Algarve entre o brilho do World Tour e a ambição das equipas nacionais

(Fotografia: Facebook Volta ao Algarve)
Aos 43 anos de história a Volta ao Algarve atinge o seu ponto áureo. Ou não? Poderá esta competição dar mais um passo e chegar ao World Tour? Valerá a pena fazê-lo ou ser uma corrida 2.HC (o segundo escalão mais importante) é o equilíbrio perfeito entre ter algumas das melhores equipas mundiais e manter a porta aberta para as portuguesas, todas do escalão Continental?

A Volta ao Algarve mexe com sentimentos diferentes comparativamente com a Volta a Portugal. A nossa "grandíssima" continua a ser a corrida do povo, aquela onde se cumprem tradições quase religiosamente. E isso é positivo. Apesar de se gostar que pudesse regressar a tempos em que atraiu outro tipo de equipas, para já, agarramos esta tradição para manter a Volta a Portugal viva. Na Volta ao Algarve é tudo diferente. Nesta corrida vê-se mais aquele adepto do ciclismo, aquele que conhece praticamente todo o pelotão internacional e que procura as grandes estrelas tratando-as pelo nome sem hesitação ou necessidade de perguntar a alguém. São adeptos de todas as idades. Não significa que não gostem ou não sigam o ciclismo português. Mas enquanto na Volta a Portugal ainda se mantém aquela tradição muito em família de ir ver o pelotão passar, na Volta ao Algarve é tudo (ou quase) pelo autógrafo, pela fotografia, por um momento com uma grande estrela, que de outra forma dificilmente se verá in loco.

Onde encaixam as equipas portuguesas? Américo Silva considera que é a oportunidade dos ciclistas terem "um contacto internacional dentro de portas", mas José Santos considera que "o pelotão é tão forte, que não há hipótese", não vendo grandes benefícios para as formações nacionais. O director desportivo da Efapel e da Rádio Popular-Boavista têm duas visões bem diferentes desta internacionalização da Volta ao Algarve.

"É um nível competitivo completamente diferente, mas também necessitamos disso. Independentemente de estarmos a falar de patamar diferentes, é bom que os objectivos sejam por vezes altos para termos a noção da dificuldade que é para chegar às vitórias e assim querermos mais e trabalharmos mais. Se os objectivos se tornarem fáceis, as coisas tornam-se demasiado monótonas", explicou Américo Silva ao Volta ao Ciclismo.

Já José Santos faz uma comparação futebolística: "É como fazermos um torneio de futebol e incluir o Real Madrid, o Barcelona, o FC Porto e o Benfica e colocarmos lá uma equipa da terceira divisão!" O mais antigo director desportivo do pelotão nacional destaca ainda que "não é normal que um país tenha o seu pico de actividade em Fevereiro. É o mês mais competitivo em Portugal". José Santos refere-se ao facto da época por cá começar neste mês e que além da Prova de Abertura e da Volta ao Algarve, seguir-se logo a Volta ao Alentejo, a outra competição mais importante do calendário, a seguir à Algarvia e à Volta ao Portugal. E este ano a Taça do Alpendre foi cancelada, ou talvez adiada, já que está em aberto a possibilidade de se realizar noutra altura do ano.

Salienta ainda que tem dúvidas que valha a pena fazer uma preparação específica para a Volta ao Algarve, tendo em conta que não há previsão de alcançar um resultado de nota, ainda que diga que "no ciclismo não há nada que não possa acontecer".

E Amaro Antunes é a prova disso. Terminou na 10ª posição em 2016, então ao serviço da LA Alumínios-Antarte. Américo Silva recorda isso mesmo e realça também que a Efapel conseguiu ficar nos 15 primeiros colectivamente, algo que diz ter sido "muito positivo" tendo em conta a forte concorrência que enfrentou.

O responsável da Efapel refere ainda a transmissão televisiva que este ano está garantida no Eurosport e na TVI24. Ou seja, uma exposição mediática sempre desejada. No entanto, José Santos considera que na Volta ao Algarve só se fala das grandes equipas, "o que é normal". Mais uma vez fala em benefícios, realçando que vão todos para as equipas do World Tour: "Nos seus países de origem não podem treinar. Vêm para o sul de Espanha e para Portugal porque o clima é bom. Na Europa não há muitas provas nesta altura. Há fora da Europa. Se colocássemos a Volta ao Algarve em Maio não viria nenhuma dessas equipas."

Mesmo a possibilidade de jovens ciclistas terem contacto com o pelotão internacional, José Santos afirma ser preferível esse contacto ser feito em corridas como a Route du Sud. "O pelotão não é tão grande e estão lá algumas dessas equipas, mas o ambiente, organização e as pessoas são diferentes", diz.

Enquanto José Santos assume um tom mais crítico, Américo Silva considera que a Volta ao Algarve está no ponto certo. Crescer mais poderá trazer mais desvantagem às equipas portuguesas: "Crescer mais depois de terem cá estado Richie Porte, Marcel Kittel, Alberto Contador? Mais que isso não se pode pedir."

A subida para a segunda categoria da UCI e a transmissão televisiva são duas grandes vitórias para a Federação Portuguesa de Ciclismo. Se as equipas do World Tour já vinham marcando presença na Algarvia, a transmissão televisiva, por exemplo, poderá aumentar a atracção, pois a partir de agora a exposição mediática é outra e principalmente é aquela que as grandes equipas querem: mostrar os seus patrocinadores ao maior número de público, algo que o Eurosport traz garantias.

A organização da Volta ao Algarve terá agora o objectivo de consolidar esta posição da corrida no calendário internacional. Uma subida à categoria World Tour poderá ser uma tentação, mas exemplos recentes demonstram que, para já, a Algarvia estará na posição ideal.

Recentemente organizações de corridas que subiram ao World Tour manifestaram a preocupação que os custos (que podem chegar a triplicar) não compensem os eventuais benefícios, que até podem não ser muitos devido à regra que as equipas do principal escalão podem escolher se querem ou não estar presentes nas novas corridas. A Volta à Turquia, por exemplo, só tem uma garantida e dificilmente terá as dez que está obrigada para se manter na categoria.

Depois há outra situação que envolve a Volta à Califórnia. Com a subida à categoria World Tour e tendo em conta que já era uma corrida popular entre as grandes equipas, as formações Continentais dos EUA estão a ver a porta fechar-se para a principal competição no país, situação que está a gerar muitas críticas, mas que pouco haverá a fazer. A Volta à Califórnia sobe de categoria, mas deixa de receber muitas das equipas nacionais.

Demorou e foi necessário muito trabalho para dar a importância que hoje a Volta ao Algarve tem actualmente. Além das equipas do World Tour - que este ano serão 12 das 25 presentes (o máximo permitido) -, também atrai nomes importantes do escalão Profissional Continental. Caso da Caja Rural que muito gosta de marcar presença em Portugal. O director desportivo Eugenio Goikoetxea considera que a Algarvia "é uma prova muito importante e com boas equipas, equipas do World Tour". Mais habituado a lidar com formações deste nível, o responsável da formação espanhola diz que será difícil conseguir um grande resultado devido "à tanta qualidade que está na prova". Mas irá, naturalmente, tentar.

Até onde poderá chegar a Volta ao Algarve? O tempo o dirá, mas ao olhar para o pelotão que estará presente, o melhor é aproveitar o presente. John Degenkolb, Mark Cavendish, André Greipel, Tony Martin, Sep Vanmarcke...  E esta quarta-feira, Albufeira recebe a grande partida (12:30), com a primeira etapa a terminar em Lagos, com chegada ao sprint a ser a mais provável (cerca das 16:50).


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2 comentários:

  1. Recordo-me de ouvir em miúdo o grande Alves Barbosa na RTP criticar a redução dos dias na Volta porque não acreditava que ela aguentasse a concorrência internacional, defendendo a manutenção ao estilo popular e mais longo, devendo ser feita uma aposta noutra prova mais pequena para o calendário internacional. Eis que se verifica que ambas as realidades se confirmam, a volta não é carne nem peixe e sim conseguimos promover uma prova mais pequena.
    É manter o nível da Algarvia, acredito também que uma prova atlântica Galiza/Norte de Portugal teria uma projeção interessante e seria "fácil" de conseguir apoios que a levassem ao nível internacional. Espanha também precisa de provas internacionais e tanto a Galiza como o Norte se querem promover, com a queda de algumas provas, a oportunidade está aí...

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    1. Essa é, de facto, uma boa ideia. Seria uma corrida extremamente interessante, já para não falar com paisagens deslumbrantes que ficariam muito bem na televisão! E sim, espero também que o nível da Algarvia se mantenha. É fantástico ter estes ciclistas a competir em Portugal

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