13 de fevereiro de 2017

'Algarvia' teve a sua melhor colheita em 2004

por Vítor Sequeira Martins


Lance Armstrong e Sheryl Crow, uma relação mediática
que também marcou a Volta ao Algarve em 2004
(Fotografia: Direitos Reservados)
Já não me lembro se o ano de 2004 foi um ano excepcional para o vinho. Por esta altura só nas caves de algumas boas marcas é que existirão ainda garrafas, de reserva, a atestar se o ano foi bom ou não. Mas para o ciclismo português, particularmente para a Volta ao Algarve, 2004 ficará na história da prova e da modalidade. Porquê? Porque nesse ano a 'algarvia' recebeu a equipa norte-americana US Postal, com Lance Armstrong, o melhor ciclista da actualidade, vencedor consecutivo, à altura, de cinco Voltas a França e que escolheu o Algarve para atacar o sexto triunfo no Tour, feito que conseguiria, deixando de repartir o pódio com o espanhol Miguel Indurain, o único até então a conseguir, igualmente, cinco vitórias consecutivas na mais importante corrida velocipédica do planeta.

Escusado será dizer que o interesse desportivo nacional e uma boa parte do internacional mudou-se de armas e bagagens para o Algarve. O homem não era particularmente simpático. Era uma vedeta. Competente no que fazia. Senhor de uma vida cheia de alegrias desportivas, mas também com passagem pelo inferno, por causa da doença. A história é por demais conhecida e não vale a pena repisar a desgraça. Em 2004 Lance Armstrong  estava no auge, profissional - dono que era de uma mão cheia de triunfos no Tour -, e pessoal, pela ligação amorosa com Sheryl Crow, célebre cantora sua compatriota, que não o largava um minuto.

Armstrong não se preocupava com assuntos menores. O seu estatuto mostrava-o quase como uma empresa multinacional, em que ele era o CEO de si mesmo. Era avesso a dar autógrafos e conceder entrevistas. Logo de início deixou claro o que queria e grandes confianças com adeptos simpatizantes ou jornalistas não estavam no programa. E como era rei... a sua vontade era respeitada. Cumpria os serviços mínimos, umas declarações no final das etapas e sumia-se para os braços da cantora.

Sheryl Crow, por seu lado, quase não se deixava ver. Viajava num carro com vidros escuros e quase ninguém lhe punha a vista em cima. Mas ela estava lá. Sabia-se! E as revistas do coração, nomeadamente a Caras, também. Até que um dia, miss Crow deixou o esconderijo e surgiu, discreta, é certo, junto dos jornalistas para seguir a prestação do companheiro. Não se alongou a falar com ninguém. Deixou aqui e ali um sorriso, um obrigado, um ou outro assentimento e foi à vida dela. 

Armstrong venceu uma etapa e andou de amarelo, mas o triunfo final coube ao seu compatriota e companheiro de equipa, Floyd Landis, que no Alto do Malhão foi o mais forte e sentenciou a vitória na corrida. Landis acabaria por estar, pelas piores razões, ligado à história de vida de Lance Armstrong. Depois deste ter ganho o Tour por sete vezes consecutivas, entre 1999 e 2005, Landis sucedeu-lhe, em 2006, no ponto mais alto do pódio da prova gaulesa, embora ainda hoje se discuta se a sua vitória é ou não legítima, ensombrada que está por causa do doping e foi também Landis a causa da desgraça de Armstrong. Landis foi o 'garganta funda' que espoletou o escândalo do doping da sua equipa e de Armstrong no Tour.

Mas após a participação da US Postal e de Armstrong na Volta ao Algarve, a prova ganhou novo estatuto: passou de discreta e pouco apetecível pelas grandes equipas a imprescindível. E isso mesmo é atestado pelos nomes individuais e colectivos que a partir de então começaram a frequentar e competir nas estradas algarvias.

Jornalista que acompanhou e reportou praticamente todas as grandes provas nacionais durante duas décadas.

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