4 de dezembro de 2016

A nova vida da Katusha

(Fotografia: Facebook Katusha)
É o romper com as origens russas, apostando numa equipa mais internacional, mudando a nacionalidade, acrescentando um patrocinador alemão e, claro, o início da era pós-Rodríguez. Para trás fica a história do nascimento de uma equipa que queria recuperar a glória perdida do ciclismo russo após o fim da União Soviética. Entre 2008 e 2015 muito foi mudando na formação do magnata Igor Makarov. Apesar da forte presença de ciclistas russos, as principais vitórias aconteceram por parte dos estrangeiros, principalmente de Joaquim Rodríguez e Alexander Kristoff.

Os primeiros sintomas que a Katusha poderia estar a entrar numa fase de mudança apareceram ainda no final de 2014. Com a economia russa a viver momentos difíceis, estava a tornar-se complicado para Makarov aguentar a equipa no World Tour se o governo não ajudasse, apesar do magnata estar envolvido no rentável negócio do gás natural. O aparecimento da Gazprom-RusVelo parecia inicialmente poder funcionar como uma extensão da Katusha. A equipa Profissional Continental como que fazia a formação de ciclistas russos que eventualmente seriam aproveitados pela Katusha. A equipa do World Tour foi, no entanto, contratando mais estrangeiros, ainda que a sua estrutura continuasse a ser maioritariamente russa.

Em 2017 tudo será diferente. Dos 14 ciclistas russos que estavam no plantel permanecem apenas cinco. Alguns dos que saíram foram aproveitados pela Gazprom-RusVelo para reforçar a sua equipa. Até o director geral Viacheslav Ekimov passou o testemunho ao português José Azevedo. Das dez contratações feitas - é das formações que terá mais caras novas no próximo ano - nenhuma é de nacionalidade russa. Como vestígio do passado acaba por ficar Ilnur Zakarin, que tem vindo a ser preparado há pelos menos quatro anos como o líder nas grandes voltas, sendo que dois deles passou-os precisamente na Gazprom-RusVelo, depois de se ter mostrado como estagiário na Katusha.

Apesar da crise económica, o futuro da Katusha nunca pareceu estar em risco, mas Makarov foi avisando que não seria possível continuar a ser a sua empresa a suportar os custos de uma equipa com um dos maiores orçamentos do World Tour (em 2016 terá sido de 32 milhões de euros, só superada pelos 35 da Sky). Este ano os responsáveis admitiram que procuravam mais um patrocinador. Esse acabou por surgir vindo da Alemanha, com a Alpecin a abandonar a Giant e a juntar-se à Katusha, que já tinha anunciado a sua mudança de nacionalidade, passando a correr como formação suíça. Com o fim da Tinkoff, a Rússia deixa assim de ter equipas no principal escalão.

A Alpecin, marca de champôs, procurava uma nova aliança com uma equipa vencedora. A empresa não terá ficado satisfeita com a saída do alemão Marcel Kittel (que competiu este ano na Etixx-QuickStep), até então a principal estrela da equipa e dos anúncios da Alpecin. Os fracos resultados da Giant este ano também não terão ajudado e o acordo não foi renovado. Com este importante apoio financeiro a Katusha deverá manter-se como uma das equipas com maior orçamento. E apostou na contratação de um ciclista que certamente não sairá barato: o alemão Tony Martin.

Liderança a três, sem que existam conflitos de interesse

Os líderes Martin, Zakarin e Kristoff (Fotografia: Facebook Katusha)
Com a saída algo atribulada de Joaquim Rodríguez - primeiro disse que ia acabar a carreira e depois assinou pela Bahrain-Merida, ainda que não tenha decidido se vai competir ou não - a Katusha colocará agora Ilnur Zakarin como líder para as grandes voltas. O russo já o tinha sido no Giro e depois de em 2015 ter ganho uma etapa, este ano atacou a geral. Estava em quinto e ainda com aspirações a pelo menos chegar ao pódio quando teve uma queda assustadora que o tirou da prova na 18ª etapa. Foi depois ao Tour ganhar uma etapa, ainda que Rodríguez fosse o líder.

Em 2017 a Katusha não vai tentar ganhar a Volta a França. Zakarin tentará a vitória no Giro e na Vuelta. No Tour, o objectivo são as etapas. Tony Martin quer vestir a camisola amarela, agora que recuperou o estatuto de campeão do mundo de contra-relógio (foi o quarto título do alemão) e Alexander Kristoff terá grandes responsabilidades nos sprints. O norueguês será ainda uma forte aposta para as clássicas, mas Martin disse numa entrevista ao site espanhol Ciclo 21 - durante a apresentação da equipa em Benidorm - que gostaria de também tentar tornar-se num homem de corridas de um dia. Aos 31 anos, Tony Martin não só procurou mudar de ares ao deixar a Etixx-QuickStep (estrutura onde esteve cinco anos), como parece querer dar um novo rumo à carreira.

Dos restantes reforços, a maioria foram contratados ou para ajudar Zakarin, ou para serem os homens de confiança de Kristoff. É o caso de Rick Zabel. Aos 22 anos deixa a BMC, onde esteve três temporadas. Filho de um grande sprinter, Erik Zabel, o jovem alemão é visto por José Azevedo como um ciclista de futuro. O português explicou que Zabel irá estar com Baptiste Planckaert (que será o outro sprinter da formação) e também com Kristoff. Será a forma de continuar a evolução do jovem, que claramente Azevedo aposta para se tornar num dos sprinters da equipa a curto prazo.

Um dos reforços é português. Aos 27 anos, José Gonçalves considerou que tinha chegado o momento de experimentar o World Tour, depois de dois anos em grande nível na Caja Rural. Será certamente um homem de trabalho importante, mas sendo um ciclista que gosta de pedalar ao ataque, a ver vamos até que ponto terá liberdade para mostrar esse seu lado que tanto o define como ciclista. O próprio admitiu numa entrevista ao Volta ao Ciclismo que gostaria de ter essa liberdade numa ou outra corrida.

José Gonçalves junta-se a Tiago Machado, que renovou por mais um ano com a Katusha e que também é um ciclista que gosta de atacar, mas que tem tido um papel de gregário, tendo poucas oportunidades para se mostrar. A ver vamos como será 2017 para os dois portugueses.

Como reforços a Katusha-Alpecin tem além de Gonçalves, Zabel, Planckaert e Martin, Jenthe Biermans, Reto Hollenstein, Robert Kiserlovski, Maurits Lammertink, Mads Würtz Schmidt e o campeão do Mundo de contra-relógio em sub-23 Marco Mathis.

Continuam na equipa além de Zakarin, Kristoff e Machado, os russos Maxim Belkov, Pavel Kochetkov, Viacheslav Kuznetsov e mais uma das grandes esperanças da equipa Matvey Mamykin. Sven Erik Byström, Marco Haller, Michael Mörköv, Nils Politt, Jhonatan Restrepo, Simon Spilak e os antigos homens de confiança de Rodríguez, Alberto Losada e Angel Vicioso.

Serão 14 nacionalidades diferentes, lideradas por um português, José Azevedo. Depois de uma excelente carreira como ciclista, Azevedo está a construir uma reputação como um dos mais respeitados responsáveis de uma equipa World Tour.

Apesar de Igor Makarov continuar a ser o dono da equipa, a Katusha-Alpecin espera deixar no passado problemas que, por exemplo, chegaram a colocar em causa a licença World Tour em 2013, quando a UCI ameaçou não a dar à equipa russa, evocando questões éticas. A guerra entre Makarov e o então presidente do organismo máximo do ciclismo, Pat McQuaid, acabou com a saída do dirigente da UCI.

A quebra de alguns dos laços russos também poderá vir a ser positivo na eterna desconfiança quanto ao doping. Os problemas de atletas russos com substâncias ilícitas tem sido um tema quente e chegou inclusivamente a impedir a presença nos Jogos Olímpicos no atletismo e de atletas que já tinham tido problemas com doping no passado (caso de Zakarin). A Katusha não tem sido imune a casos de doping e chegou a enfrentar uma suspensão este ano, que não aconteceu porque a UCI decidiu que o consumo de cocaína por parte de Luca Paolini (que testou positivo na Volta a França em 2015) tinha sido recreativo e não com a intenção de melhorar a sua performance.

2017 poderá ser o virar importante de uma página na história da Katusha, que inevitavelmente será seguida com interesse em Portugal devido à crescente influência de José Azevedo e de ter dois dos melhores ciclistas nacionais do momento: José Gonçalves e Tiago Machado.

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