14 de setembro de 2019

Roglic conquista a Vuelta e o seu lugar na história

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Em Fevereiro de 2017 escreveu-se neste blog: "Desculpa Roglic, mas vamos falar de Amaro Antunes". Nesse dia o algarvio tinha acabado de vencer no Alto do Malhão, numa Volta ao Algarve conquistada pelo esloveno. Era uma vitória demasiado importante para o ciclismo nacional para não deixar Roglic em segundo plano. Hoje tudo é diferente e Roglic merece todo o destaque. Hoje é dia de Primoz Roglic ter textos sobre ele escritos nas mais variadas línguas, lidos em todo o mundo. Sim, vai partilhar um pouco da ribalta com o compatriota Tadej Pogacar, é inevitável, mas hoje é o dia que Roglic entra para história da Eslovénia, um país que agora pode dizer que tem um vencedor de uma grande volta. Sempre se há-de recordar que Roglic foi um saltador de esqui, que começou tarde no ciclismo, mas o importante é que chegou mais do que a tempo de ter o seu lugar na história.

Pé ante pé, Roglic foi conquistando estatuto na equipa, Jumbo-Visma, e no pelotão mundial. Começou a ganhar etapas - a primeira foi no Giro logo em 2016, o seu primeiro ano no World Tour -, com foco no contra-relógio. Depois foi-se afirmando em provas de uma semana. Ainda assim, há dois anos continuava-se a duvidar que se estaria perante um voltista com capacidade para lutar pela vitória na geral. O Tour de 2018 mudou tudo. Roglic ficou à porta do pódio, falhando, curiosamente, na sua especialidade, o contra-relógio. Pagou o esforço de no dia antes ter apostado numa fuga solitária para ganhar a etapa. Não subiu ao pódio em Paris, mas foi como se gritasse bem alto que estava na altura de ter a oportunidade de ser líder indiscutível.

A Jumbo-Visma apostou tudo no esloveno no Giro, mas foi entusiasmo a mais. Entrou forte em 2019 - ganhou todas as provas até à Volta a Itália: Volta aos Emirados Árabes Unidos, Tirreno-Adriatico e Volta à Romandia - e entrou ainda mais forte no Giro, quebrando a partir do meio da corrida. Fez pódio, terceiro, o que foi um prémio merecido. Mas Roglic queria mais.

Aprendeu a lição. Surgiu na Vuelta com menos competição antes da corrida, só competindo nos nacionais, na prova em linha (foi quarto). Entrou com calma na Volta a Espanha, ainda que tenha tido um arranque acidentado com a queda colectiva no contra-relógio por equipas. Nas etapas seguintes - e na Vuelta quase todas são difíceis -, manteve-se atento aos rivais, foi controlando o seu esforço e, no contra-relógio individual (10ª etapa), venceu e vestiu a vermelha, para não mais a largar.

Foi atacado por todos e sempre respondeu. Soube aliar-se nos momentos certos a rivais para ganhar tempo a outros rivais e assim foi garantindo a vantagem que, por outro lado, foi desmoralizando uma concorrência que percebeu que Roglic estava forte de mais, física e mentalmente.

Roglic aprendeu a lição do Giro, mas a Jumbo-Visma também. Foi escolhido um grupo mais forte, entre jovens e experientes ciclistas e nem a saída de Steven Kruijswijk devido à queda na primeira etapa, enfraqueceu a equipa. Tony Martin foi o bom velho Martin ainda que também tenha abandonado por queda na antepenúltima etapa. George Bennett variou entre o melhor e uns momentos menos bons, Robert Gesink é a voz da experiência e Sepp Kuss é um jovem de grande maturidade, tendo ganho uma etapa. Lennard Hofstede e Neilson Powless cumpriram a suas funções, sendo normalmente dos primeiros a serem sacrificados juntamente com Tony Martin.

A Jumbo-Visma não foi perfeita e chegou a deixar cedo de mais o seu líder sozinho, mas também aí Roglic comprovou que é o chefe-de-fila que a equipa precisa. Respondeu com categoria às dificuldades e só o facto da Vuelta ser propícia a reviravoltas é que não deixou que se dissesse há mais tempo que a corrida estava ganha.

Na Plataforma de Gredos, Roglic pôde finalmente celebrar. Não é dos ciclistas mais efusivos, mas o lugar na história é seu. Agora há que chegar a Madrid este domingo para fechar um ciclo que a equipa da Jumbo-Visma tanto queria e começar a pensar no próximo, o da consolidação entre as melhores equipas nas grandes voltas. Ou seja, ser a grande rival da Ineos! A descendente da Rabobank ganha novamente uma grande volta dez anos depois de Denis Menchov ter conquistado o Giro. 

Foi um caminho difícil, de incerteza - a estrutura quase fechou portas quando perdeu o patrocínio da Rabobank -, mas aí está uma Jumbo-Visma a ganhar e a ser a única equipa que colocou um ciclista no pódio das três grandes voltas. Roglic foi terceiro no Giro e Kruijswijk alcançou a mesma posição no Tour.

Depois de Madrid, depois da festa será altura de assumir o próximo desafio para 2020. Roglic irá atrás da confirmação de voltista vencedor, querendo uma segunda vitória que nem sempre é fácil de alcançar. Que o diga Tom Dumoulin! O holandês que será precisamente um dos rostos novos da Jumbo-Visma para assim rivalizar com a Ineos. Conquistada a Vuelta, arranca uma nova era numa equipa que já pode dizer que sabe o que é ganhar uma grande volta em tempos recentes.

Pogacar irresistível


(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Roglic chegou tarde ao ciclismo, mas aos 29 anos está longe de ser um velho corredor. Porém, já sabe que na Eslovénia terá o seu rival na história que este país começa a escrever na modalidade. Com apenas 20 anos (faz 21 a 21 de Setembro), Pogacar já conquistou tudo e todos. Mais uma brilhante exibição na 20ª etapa, Arenas de San Pedro - Plataforma de Gredos (190,4 quilómetros). Na primeira tirada de montanha da última semana, Pogacar fraquejou um pouco, mas para quem não sabia o que era competir três semanas, ficou-se a saber que tem de facto tudo e mais alguma coisa para ser um excelente voltista.

Pogacar fez o que tão poucos têm coragem de fazer. Atacou sozinho a quase 40 quilómetros da meta. Ninguém o conseguiu ou quis seguir. Arriscou e assim garantiu a classificação da juventude que tirou a um Miguel Ángel López que antes tinha tentando atacar, mas nem ele nem a Astana já tinham forças para fazer melhor. A Movistar ficou a olhar não se sabe bem para onde e para quem e Nairo Quintana perdeu o seu lugar no pódio para Pogacar. Alejandro Valverde ainda se teve de aplicar para garantir que não cedia o segundo posto. O esloveno, sem ter qualquer ajuda dos colegas da UAE Team Emirates, saltou de quinto para terceiro, ganhou a sua terceira etapa na Vuelta e tudo na estreia de uma grande volta.

Este sábado e domingo serão dias para se falar de Roglic, mas não vai demorar a que se fala e muito deste fabuloso Pogacar. E puxando um pouco para o lado português, são dois ciclistas vencedores da Volta ao Algarve!

Classificações completas, via ProCyclingStats.

20ª etapa: Fuenlabrada - Madrid (106,6 quilómetros)



Etapa de consagração para Primoz Roglic, Tadej Pogacar e Geoffrey Bouchard (vencedor da classificação da montanha, da AG2R) e com os resistentes sprinters à procura de subir ao último pódio da Vuelta. Cai o pano na 74ª edição da corrida, na qual se celebrou 10 anos de camisola vermelha que vai para a Eslovénia.




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