13 de setembro de 2019

Não vale tudo para ganhar

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Não é uma atitude inédita, não há nada nos regulamentos que a proíba, mas o fair play não é uma treta, mesmo quando uma das equipas mais importantes do pelotão internacional, que tem nas suas fileiras o campeão do mundo, resolve quebrar a mais básica das regras de respeito no ciclismo. Atacar a corrida quando o líder tinha ficado envolvido numa queda foi uma atitude de baixo nível para a formação espanhola, com repercussões que podem ir muito além das críticas de que está a ser alvo de ciclistas e até antigos corredores. Ninguém vai esquecer tão cedo o que a Movistar fez.

A queda deu-se aos 65 quilómetros. Foi grave ao ponto do médico da corrida pedir a presença da ambulância, com vários ciclistas no chão. Tony Martin, companheiro de Primoz Roglic na Jumbo-Visma abandonou com um ferimento no olho e Marco Marcato (UAE Team Emirates) também não retomou a prova. Houve mais ciclistas afectados que demoraram a conseguir regressar à corrida. O líder, Primoz Roglic, não sofreu qualquer problema físico, mas teve de trocar de bicicleta. Miguel Ángel López (Astana), quarto na geral, ficou com mais uns arranhões. Os ciclistas da Jumbo-Visma e da Astana ficaram quase todos envolvidos na queda. Quando recomeçaram a pedalar foram surpreendidos com a decisão da Movistar em atacar.

A regra de respeito, vamos chamar assim, tem normalmente a excepção se a corrida já estiver lançada. Ou seja, se a Movistar já estivesse ao ataque quando se deu a queda, a reacção seria um pouco diferente, ainda que provavelmente nunca pacífica. Porém, não foi isso que aconteceu. A Movistar acelerou depois da queda. Marc Soler, José Joaquín Rojas e Nelson Oliveira receberam ordens para aumentar o ritmo, levando com eles Alejandro Valverde, o campeão do mundo e segundo na Vuelta.

Atitude feia, de falta de fair play e que apenas passou a imagem de uma equipa que ao não conseguir derrotar Roglic e a Jumbo-Visma na luta de igual para igual, tentou explorar o azar do líder da Volta a Espanha. Muitas eram as cabeças a abanar de ciclistas de outras equipas em sinal de repreensão à postura Movistar. No final houve críticas, mas nenhuma como a de López: "Os [ciclistas] da Movistar são sempre os mesmos estúpidos que fazem estas coisas. São sempre os mesmos tontos. [...] Estas acções estúpidas são o que a equipa do campeão do mundo faz. É com isso que estamos a lidar. Que campeão do mundo temos!" O colombiano escreveria mais tarde no Twitter um pedido de desculpas pelas palavras utilizadas, explicando que foi no calor do momento.

O colombiano da Astana não escondeu em nada o que sentia perante a acção da Movistar e de Valverde. O espanhol é uma voz de liderança no pelotão, mas não foi o exemplo que se esperaria numa situação como esta e este tipo de atitudes não são esquecidas, com a Movistar arriscar a ficar isolada não só nesta Vuelta, mas noutras corridas também. No final das etapas, Valverde é dos ciclistas que fala praticamente sempre aos jornalistas. Desta feita, rapidamente se afastou recusando fazer qualquer comentário.

A equipa emitiu entretanto um comunicado a pedir desculpa, repetindo o que o seu director desportivo José Luis Arrieta já tinha dito, ou seja, que o ataque já estava programado, para aproveitar o vento. Lê-se que a Movistar nunca quis tirar partido da queda dos rivais e a equipa pede ainda para que haja "um critério único, tanto por parte das equipas, como do regulamento da corrida, sobre como actuar em situações como esta".

As desculpas de pouco servirão, mas o comunicado refere a outra questão em causa nesta 19ª etapa. Os comissários da UCI, perante o ataque da Movistar, decidiram permitir que os ciclistas atrasados pudessem aproveitar os carros para chegar ao grupo da equipa espanhola. Arrieta ficou furioso e foi quando deu ordem aos seus ciclistas para parar o ataque. Já tinham sido percorridos 15 quilómetros. A decisão dos comissários surpreendeu, pois no regulamento nada proíbe uma equipa de atacar só porque o líder sofreu uma queda ou outro problema. Pode ter sido uma decisão feita na perspectiva de manter a verdade desportiva, mas fica aberto um precedente para situações futuras.

Rémi Cavagna, mais um jovem a triunfar na Vuelta

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Como se esperava, a Volta a Espanha está a ser marcada pelas boas prestações de ciclistas com menos de 25 anos. Na etapa entre Ávila e Toledo (165,2 quilómetros), polémicas à parte, Rémi Cavagna estreou-se a ganhar numa grande volta ao estilo do veterano companheiro de equipa Philippe Gilbert. O francês, de 24 anos, deixou o grupo que estava em fuga com mais de 20 quilómetros ainda por cumprir.

Com tanta confusão no pelotão, a perseguição à frente da corrida começou mais tarde. Cavagna não esteve longe de ver a vitória escapar-lhe quase sobre o risco de meta, mas aguentou na subida em empedrado em Toledo. Pela segunda vez, Sam Bennett viu um homem da Deceuninck-QuickStep ficar à sua frente após um ataque, desta feita mais distante, já que Gilbert precisou de "apenas" uns metros para ganhar a sua segunda etapa há uns dias, frente ao irlandês da Bora-Hansgrohe. E já são quatro etapas da Vuelta para a equipa belga.

Na geral acabou por ficar tudo na mesma. A vitória e o restante pódio na Vuelta serão decididos este sábado com Roglic a ter mais 2:50 minutos sobre Valverde, 3:31 sobre Nairo Quintana (Movistar), 4:17 sobre Miguel Ángel López e 4:49 sobre Tadej Pogacar (UAE Team Emirates).

Classificações completas, via ProCyclingStats.

20ª etapa: Arenas de San Pedro - Plataforma de Gredos (190,4 quilómetros)


Seis contagens de montanha e com o vento a poder ter um papel importante para dificultar ainda mais a missão de Roglic, isto partindo do princípio que, sendo a última oportunidade para definir a geral, vão haver ataques. A ausência de Tony Martin será um rude golpe para a Jumbo-Visma no controlo da etapa, não esquecendo que perdeu no início da Vuelta Steven Kruijswijk.

Os ciclistas vão terminar as subidas praticamente sempre acima dos mil metros de altitude e a primeira categoria a enfrentar pode não ter pendentes muito difíceis - a média é de 4,4% -, mas tem 18,4 quilómetros. Depois o pelotão descerá um pouco, antes de voltar logo a subir mais nove quilómetros com dificuldade idêntica. A última primeira categoria da Vuelta será novamente extensa: Puerto de Peña Negra tem 14,2 quilómetros, a 5,9% de pendente média. E para terminar, a 1750 metros de altitude, estará a Plataforma de Gredos, uma terceira categoria com 9,4 quilómetros a 3,8% de média.

Com tanto desgaste na etapa e de toda uma Vuelta tão montanhosa, não serão uns quilómetros finais fáceis para ninguém.

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