15 de setembro de 2019

Equipas da Vuelta uma a uma

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Ponto final na terceira e última grande volta do ano. Houve espectáculo, reviravoltas, polémica, confirmações de jovens ciclistas e um vencedor justo, Primoz Roglic (Jumbo-Visma). Entra-se agora em modo final de temporada, com os Mundiais (entre 22 e 29 de Setembro) e o último monumento, Lombardia (12 de Outubro), como os derradeiros grandes objectivos de uma temporada que, a nível do World Tour, terminará novamente na China, com a Volta a Guangxi (17 a 22 de Outubro). Para concluir a Vuelta, uma análise às equipas, sem esquecer os ciclistas portugueses. A ordem é da classificação colectiva, que mais uma vez foi ganha pela espanhola Movistar.

Movistar: Nairo Quintana venceu uma etapa e foi líder por um dia. Alejandro Valverde também picou o ponto e aos 39 anos foi segundo na Vuelta, o que significa que não se pode dizer que tenha sido uma corrida má da equipa espanhola. Porém, queria ganhar, mas mais uma vez ter dois líderes que não estão muito interessados em ajudar o companheiro só prejudicou a concretização dos objectivos. Chegou-se ao ponto de ver Marc Solar protestar publicamente por ter de esperar por Quintana e abdicar de lutar pela etapa. O colombiano tem responsabilidade por ter novamente falhado na montanha, onde deveria fazer diferenças e assim ter deixado escapar o pódio, mas também não ajudou estar isolado dentro da equipa. Valverde fez a sua corrida, mas tem sempre o dia em que se afasta da luta pela vitória final. O episódio do ataque quando Roglic e vários outros ciclistas tinham caído não ajudou a que esta equipa ficasse bem vista. Uma Movistar unida e Roglic e a Jumbo-Visma poderiam ter tido uma rival à altura. Quanto a Nelson Oliveira, foi a prestação de nível habitual. É um dos melhores gregários do pelotão internacional e corrida após corrida demonstra porquê. Chegou a andar em fuga, mas não foi desta que repetiu a vitória de etapa de 2015. Foi 46º a 2:20.59 horas de Roglic.

Astana: Equipa fortíssima nas provas por etapas de uma semana, mas falhou nas três grandes voltas. Na Vuelta apostou tudo num Miguel Ángel López que começa a tornar-se num eterno candidato, sem confirmar credenciais. Ainda é um ciclista jovem, tem apenas 25 anos, mas esperava-se que pelo menos tivesse conquistado um lugar no pódio nesta edição. Começou bem no contra-relógio por equipas, López chegou a liderar por três vezes, mas como tem sido habitual, há sempre algo que acontece a este corredor. Ou cai, ou fura, ou simplesmente não tem pernas para os rivais, como foi o caso. Na última etapa de montanha, López deixou ainda escapar a camisola da juventude. A equipa não foi uma boa ajuda nas primeiras etapas mais complicadas, mas após o primeiro dia de folga, López não se pode queixar dos companheiros. No final, fica um quinto lugar a saber a pouco do colombiano (a 4:48 minutos de Roglic) e a vitória de etapa de Jakob Fuglsang, a sua primeira e já muito merecida numa grande volta. López acabou por subir ao pódio em Madrid como o ciclista mais combativo da Vuelta.

Jumbo-Visma: Aliou a juventude à experiência, escolhendo um sete de qualidade para rodear Primoz Roglic. Fez toda a diferença quando comparada com a equipa que foi ao Giro. Também havia qualidade, mas faltou mais experiência. Mesmo perdendo cedo Steven Kruijswijk, a Jumbo-Visma fez uma Vuelta positiva. Ainda assim, deixou algumas vezes o líder demasiado cedo sozinho. Aí valeu Primoz Roglic ser um grande chefe-de-fila. Respondeu a tudo, foi calculista, frio e não se deixou levar por emoções como no Giro. Venceu o contra-relógio e ganhou margem para ganhar a Vuelta, que segurou. Vitória mais do que merecida daquele que de facto foi o melhor entre os candidatos e que ficou ainda com a camisola verde dos pontos. Mas uma palavra para um excelente Sepp Kuss. Foi um gregário de luxo e tem apenas 25 anos. Na 15ª etapa foi para a fuga para eventualmente ajudar mais tarde Roglic. Não foi preciso e o americano aproveito para ganhar. Cuidado com esta Jumbo-Visma para 2020. A equipa melhora a cada grande volta e agora ganhou uma. Começou a Vuelta a cair no contra-relógio colectivo e acabou a ganhar. É a prova que o importante é como se acaba e não como se começa. Foi o contrário do que se viu no Giro.

Mitchelton-Scott: Era uma Vuelta para principalmente testar Johan Esteban Chaves. O vencedor de 2018, Simon Yates, ficou desta feita de fora depois de ter feito o Giro e o Tour. Chaves regressou este ano após uma longa ausência por doença, após a Volta a Itália do ano passado. Ganhou uma emotiva etapa no Giro, mas o regresso à liderança da equipa na Vuelta não correu bem. Rapidamente começou a ficar fora da disputa até pelo top dez e mesmo ficando entre os 20 melhores, terminar a quase uma hora de Roglic lança muitas dúvidas sobre o futuro deste colombiano de 29 anos. Luka Mezgec pouco se viu nos sprints e num acabou por cair e acabou a Vuelta no hospital. De resto, foi uma equipa discreta, muito diferente da Mitchelton-Scott de 2018.

AG2R: Com Pierre Latour a não aproveitar a oportunidade de lutar por um bom resultado, valeu à equipa francesa Geoffrey Bouchard, um ciclista que há um ano foi estagiário na segunda metade da temporada, depois de se destacar nos escalões amadores. Tem 27 anos e na sua primeira grande volta foi o rei da montanha. A partir da segunda semana e aproveitando uma fuga, apresentou a sua candidatura ao título a Ángel Madrazo, que esteve mais de meia volta como o líder da classificação. Bouchard venceu e foi assim o destaque de uma equipa que de outra forma estava a passar ao lado da corrida.

Sunweb: Foi uma época muito aquém do esperado nas grandes voltas dada a lesão de Tom Dumoulin no Giro. Na Vuelta, a equipa salvou um pouco deste 2019 na Vuelta. Nicolas Roche foi líder durante três dias - acabaria por abandonar pouco depois devido a uma queda - e Nikias Arndt venceu uma etapa. Foi ainda activa em fugas, na procura por mais vitórias. Wilco Kelderman voltou a desiludir, apesar de ter recuperado posições até ao sétimo lugar. Um menos mal, mas a equipa gostaria de ter mais garantias do ciclista agora que vai perder Dumoulin para a Jumbo-Visma.

Euskadi-Murias: Fez o que se esperava, ainda que Óscar Rodríguez tenha desiludido um pouco. Não se mostrou na montanha e esteve longe de lutar por um top dez. Ainda assim, foi uma boa Vuelta para a equipa Profissional Continental. Os seus ciclistas foram incansáveis para tentar ganhar uma etapa e Mikel Iturria conseguiu-a. O futuro da equipa está um pouco incerto, mas a prestação na corrida espanhola foi positiva e uma boa apresentação a potenciais patrocinadores.

Bahrain-Merida: Dylan Teuns foi a figura da equipa no Tour e na Vuelta, ainda que em Espanha partilhe a atenção com Hermann Pernsteiner. O belga esteve perto de ganhar outra etapa numa grande volta, mas teve como consolação vestir a camisola vermelha por um dia. Depois andou num sobe e desce na classificação, mas não conseguiu um top dez, com o seu companheiro austríaco também a lá estar por dois dias, sendo uma das surpresas da Vuelta. Viu-se pouco do jovem talento ucraniano Mark Padun. Foi uma Bahrain-Merida de que não se esperaria muito mais do que aquilo que fez.

Dimension Data: Há um ano salvou a temporada na Vuelta, mas desta feita Ben King não conseguiu ganhar etapas e os companheiros não estiveram muito melhor. Quase que deu para esquecer que Louis Meintjes esteve na corrida, não fosse vê-lo em fuga. Ben O'Connor continua a tentar repetir a forma da primeira metade da temporada de 2018, mas está longe de o conseguir. Vuelta fraca da equipa sul-africana, tal como toda a temporada.

Ineos: Foi das piores grandes voltas da equipa. Todos os ciclistas começaram a falhar logo nas primeiras etapas. Tao Geoghegan Hart tentou salvar algo, entrando em fugas e ficou perto de ganhar uma etapa. Wout Poels e David de la Cruz foram desilusões completas e a restante equipa passou mais tempo na retaguarda do pelotão ou em grupos atrasados. Salvo Hart, foi uma prestação má de mais para uma equipa do estatuto da Ineos.

Bora-Hansgrohe: Sam Bennett pode ter ficado frustrado por não ter ido ao Giro nem ao Tour, mas estreou-se na Vuelta com duas vitórias e ficou perto de vencer em Madrid, sendo batido por Fabio Jakobsen. Mas esta equipa alemã mostrou novamente que pode alcançar mais do que ganhar etapas. Rafal Majka fechou mais um top dez (sexto, a 7:33). Porém, o polaco voltou a revelar que não tem capacidade para discutir uma grande volta e pode começar a perder espaço, dado os ciclistas que estão a emergir na estrutura, como Emanuel Buchmann. Boa volta da Bora-Hansgrohe.

Deceuninck-QuickStep: Cinco vitórias de etapas: duas pelo veterano e sempre com enorme classe, Philippe Gilbert, duas pelo estreante Fabio Jakobsen (incluindo em Madrid) e uma pelo jovem francês Rémi Cavagna. É preciso dizer mais? Apenas uma referência a James Knox. Teve azar no Giro, caindo e abandonando. Na Vuelta, caiu na polémica antepenúltima etapa, ficou muito mal tratado e não resistiu na tirada de montanha de sábado. Conseguiu acabar, mas saiu do top dez, ficando em 11º. Ainda sim, boa prestação do britânico de 23 anos.

Lotto Soudal: Foi a equipa habitual, a procurar vitórias de etapa, mas desta feita sai de Espanha a zero. O objectivo de Thomas de Gendt em querer terminar o maior número de grandes voltas consecutivas, não falhando nenhuma durante a temporada, fez com que chegasse à Vuelta muito cansado. Há um ano tornou-se no primeiro belga a ganhar a camisola da montanha na corrida espanhola, desta feita, pouco se viu deste excelente ciclista.

UAE Team Emirates: A equipa não esteve bem na montanha e Fernando Gaviria está a ter um ano de estreia na formação dos Emirados Árabes Unidos para esquecer. Fabio Aru foi para casa mais cedo. Porém, houve Tadej Pogacar. Um estreante numa grande volta, que há um ano era amador, mas tinha vencido de forma espectacular a Volta a França do Futuro. E foi ainda mais espectacular na Vuelta. Três vitórias de etapa, a última num ataque a mais de 30 quilómetros da meta! E com essa ousadia, garantiu ainda o terceiro lugar no pódio e a camisola da juventude. Um fenómeno!

Katusha-Alpecin: Sem líder para a geral, sem um grande sprinter e com a equipa ainda sem ter definido o seu futuro, os oito ciclistas eleitos para a Vuelta tinham liberdade para fazerem a sua corrida. E a referência foi Ruben Guerreiro. Ao terceiro ano no World Tour estreou-se finalmente numa grande volta e que grande corrida fez o português de 25 anos. Andou muitas vezes em fuga, fez um segundo e um quarto lugar, terminou em 17º na geral a 42:05 minutos e foi dos ciclistas que mais se mostrou na Vuelta, merecendo destaque por parte dos meios de comunicação social. Estará a caminho da Lotto Soudal e, se assim for, é um contrato mais do que merecido para continuar ao mais alto nível. Ruben Guerreiro confirmou todo o seu potencial na Volta a Espanha.

Groupama-FDJ: Foi à Vuelta sem grande ambição e mostrou ainda menos na corrida. Marc Sarreau é um sprinter interessante, mas não tem capacidade para disputar etapas com os melhores da especialidade. A Groupama-FDJ limitou-se a cumprir calendário e a dar alguma experiência a Bruno Armirail e eventualmente seria o objectivo para Benjamin Thomas, que, no entanto, abandonou após a 11ª etapa.

Cofidis: A equipa francesa Profissional Continental (que pode estar a caminho do World Tour) tem alcançado resultados bem melhores na Vuelta do que no Tour. Tal como em 2018 vestiu a camisola vermelha, ainda que por um dia, com Nicolas Edet, com Jesús Herrada - que tinha sido líder há um ano - a ganhar uma etapa. O irmão, José, também esteve perto. Foi uma equipa combativa e sai da Vuelta com o sentimento de missão cumprida.

Trek-Segafredo: John Degenkolb está de saída e tirando a vitória na etapa de Roubaix no Tour em 2018, não vai deixar saudades. Esteve desaparecido na Vuelta. Gianluca Brambilla nunca mais foi o ciclista dos tempos da QuickStep e a restante equipa pouco se mostrou, perante a fraca exibição das duas principais figuras. Edward Theuns quase salvou a honra, mas perdeu ao sprint frente a Sam Bennett na terceira etapa. Vuelta fraca da equipa americana.

EF Education-First: Correu quase tudo mal à formação dos Estados Unidos. Levou um dos blocos mais fortes, mas na sexta etapa perdeu Rigoberto Uran e Hugh Carthy numa queda e nesse mesmo dia, Tejay van Garderen, que ia na fuga, também caiu e não partiu na tirada seguinte. Daniel Martínez desiludiu, mas Sergio Higuita confirmou as expectativas. O primeiro colombiano falhou o Tour por lesão, regressou com uma vitória nos Jogos Pan-Americanos, mas ficou doente, o que prejudicou a sua preparação para a Volta a Espanha. Ainda não foi desta que confirmou credenciais na luta pela geral. Já o estreante Higuita venceu uma etapa em que esteve praticamente os 178 quilómetros em fuga, os últimos sozinho. 22 anos de um talento que irá à procura de se tornar também ele um grande voltista da Colômbia.

Caja Rural: Merecia mais. Equipa muito lutadora que ficou tão perto de ganhar uma etapa, mas acabou por ser a única Profissional Continental que não o conseguiu fazer. Alex Aranburu foi duas vezes segundo e somou mais boas prestações. Vai assinar por duas temporadas pela Astana. Jonathan Lastra também andou muito em fuga e a desilusão foi o russo Sergei Chernetski, que deveria ter-se mostrado na montanha e procurado um bom lugar na geral. Foi 111º, a mais de quatro horas de Roglic. Também Domingos Gonçalves ficou aquém das expectativas, na sua estreia em grandes voltas. Não se viu em fugas e foi uma pena não ter conseguido mostrar aquela sua característica garra quando está em boa forma. Abandonou, não partindo para a 14ª etapa.

CCC: Quando é um ciclista mais forte no sprint a mostrar-se em fugas em etapas de montanha, Jonas Koch, diz muito sobre uma equipa. A CCC foi outra equipa a passar despercebida, esperando que pelo menos tenha servido para que um jovem talentoso como Will Barta tenha ganho experiência para se mostrar no futuro. Vuelta fraca da formação polaca a precisar de bons reforços para 2020.

Burgos-BH: Ángel Madrazo fez a Volta a Espanha de uma Burgos-BH a precisar e muito de uma boa prestação. O espanhol de 31 anos venceu uma etapa e foi durante 14 dias líder da classificação da montanha. Porém, gastou muitas forças na primeira metade da Vuelta e até aparecer Geoffrey Bouchard (AG2R), ninguém estar interessado naquela camisola. Quando o francês entrou na disputa, Madrazo e a Burgos-BH não teve capacidade para defender a liderança. Porém, a equipa conseguiu muito mais do que apenas mostrar o equipamento e tem de ser considerada uma boa corrida de uma Burgos-BH, que foi sempre colocando ciclistas em fugas à procura de mais. Quanto aos dois portugueses, não se viu Ricardo Vilela nas etapas de montanha como se esperaria (105º, a 4:04.24 horas) e na estreia numa grande volta, Nuno Bico sai de Espanha como o lanterna vermelha (153º, a 5:56.02). Numa corrida tão difícil, Bico terminou, o que foi o mais importante para quem foi para a Burgos-BH para recuperar a alegria de competir. E muitos foram os que não chegaram ao fim desta difícil 74ª edição da Volta a Espanha.

Classificações completas, via ProCyclingStats.




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