11 de abril de 2019

"As pessoas devem fazer o que gostam. Sinto que posso ser útil, portanto estou aqui"

Durante dois anos apostou no BTT, competiu em provas internacionais, treinou uma equipa de juniores, o que o manteve ligado à vertente de estrada estrada. Poderia parecer que se tinham fechado as portas do ciclismo no qual fez a sua carreira, mas de Angola chegou um projecto que o aliciou e permitiu que regressasse ao pelotão. Aos 36 anos, Micael Isidoro é muito mais do que um ciclista na BAI-Sicasal-Petro de Luanda, assumindo um papel importante no desenvolvimento de equipa e da própria modalidade daquele país africano.

Em 2019, a estrutura do director desportivo Carlos Araújo - antigo ciclista que competiu em Portugal na década de 90 - alcançou finalmente o objectivo de obter uma licença Continental e o projecto começa assim a dar passos rumo à sua consolidação como forma de promover o ciclismo e o ciclista angolano. "Vejo solidez no projecto. São pessoas sérias e as instituições que estão ligadas são grandes em Angola. Passo a passo podemos acreditar que [o projecto] irá crescer muito mais", salientou Micael Isidoro ao Volta ao Ciclismo.

A equipa começou na Volta ao Ruanda e também tem andado por Portugal, onde deverá competir bastantes vezes. A Volta a Portugal é mesmo um dos grandes objectivos em obter bons resultados, tal como no Troféu Joaquim Agostinho ou no Grande Prémio Jornal de Notícias. Em África, a BAI-Sicasal-Petro de Luanda quer participar nas principais corridas daquele continente. "Temos a Sicasal que tem interesses em Angola, mas tem uma fábrica cá, pelo que os objectivos passam por fazer as principais corridas africanas e as portuguesas. A tendência é crescer, se tudo correr bem no próximo ano, prevê-se que o orçamento seja melhor. Estamos a ir a pouco e pouco e a tentar desenvolver o ciclismo em Angola, torná-lo mais forte", referiu o ciclista.

"Na última época que fiz senti-me bem e à última hora fiquei um pouco desamparado. Sentia que podia render e ser útil no pelotão"

E acrescentou: "Este projecto pretende desenvolver o ciclismo angolano de uma maneira mais internacional, promover a boa qualidade que eles já têm e fazer com que exista uma aposta mais elevada, com mais orçamento na formação."

Micael Isidoro acaba por estar envolvido em quase todo o processo desta estrutura. Dá uma importante ajuda em criar condições para que não falte nada à equipa quando está em Portugal. Nem tudo começou bem, com alguns acordos a não se concretizarem, mas nada que desanimasse Isidoro: "Estamos a tentar ter uma estrutura a tempo inteiro em Portugal para fazer as coisas de forma mais condigna."

Além de ajudar na logística, Micael Isidoro também tem o papel de transmitir a sua experiência aos ciclistas mais jovens angolanos, colocando ainda em prática outra das suas formações: de preparador físico. "As pessoas devem fazer o que gostam. Sinto que posso ser útil, portanto estou aqui", realçou.

Os dois últimos anos passou-os mais dedicado ao BTT como atleta e como treinador orientava os juniores da Sicasal-Liberty Seguros-Bombarralense. Porém, o regresso à estrada já estava no horizonte. "No ano passado a equipa estava para subir a Continental, mas depois sofreu um revés. Já há algum tempo que as coisas estavam a ser preparadas. Surgiu a oportunidade de correr este ano e foi uma decisão que estava bem ponderada."

Em 2016 viu-se forçado a mudar, após terminar uma ligação de quatro temporadas com o Louletano. "Na última época que fiz senti-me bem e à última hora fiquei um pouco desamparado. Sentia que podia render e ser útil no pelotão", recordou. E continuava a sentir-se bem fisicamente quando surgiu a possibilidade de representar a BAI-Sicasal-Petro de Luanda, naquela que é a sua segunda experiência numa equipa estrangeira. Era um jovem de 21 anos quando assinou pela italiana Maltinti-Lampadere, filial da então bem conhecida Saeco. Agora, na recta final da carreira, tem uma nova aventura fora do seu país: "Já tinha pensado nisso... É estranho... Atípico", disse, sorrindo. A primeira serviu para ganhar experiência, a segunda está a servir para a transmitir.

"O ciclismo angolano está a crescer. Temos o Bruno [Araújo] e o Dário [António], por exemplo, que têm bastante nível. Têm muita qualidade"


Acabou por ser em Portugal que fez a sua carreira, vivendo tanto uma fase alta do ciclismo nacional, como depois uma de enorme dificuldade para a modalidade, que aos poucos dá sinais de não só estar a recuperar, como a consolidar a construção de um bom caminho para o futuro. Porém, Isidoro, apesar de satisfeito por ver o ciclismo português a recuperar, deixa um alerta: "Passei por todas as fases. Custou-me e custa-me saber os salários que se ganha, saber que as pessoas reconhecem o ciclismo e que todos deveriam ganhar mais. Sei que é difícil, mas fico feliz por ver que, a pouco e pouco, se está a dar a volta."

Para o ciclista do Cadaval, "vai depender das pessoas que estão à frente das estruturas" para garantir que a modalidade continue a crescer em Portugal. "Se fizerem as coisas como devem ser feitas, vai ser óptimo para o ciclismo português e para os jovens que vêm aí. Espero que seja assim!"

No entanto, a sua atenção agora centra-se em Angola e reiterou como está satisfeito por integrar o projecto da BAI-Sicasal-Petro de Luanda. "Estou muito surpreendido pela positiva. São boas pessoas, há bons atletas. Temos as nossas responsabilidades, mas somos descontraídos, vemos o lado positivo das coisas e eu estou muito agradado", afirmou. "O ciclismo angolano está a crescer. Temos o Bruno [Araújo] e o Dário [António], por exemplo, que têm bastante nível. Têm muita qualidade. Ao trabalhar com as pessoas certas e com os contactos certos, têm tudo para crescer", acrescentou, assegurando que toda a equipa tem potencial para talvez provocar alguma surpresa ao conseguir conquistar alguma vitória. Para já, vai tentando ganhar regularidade com bons resultados.

Micael Isidoro comentou ainda como foi espectacular o ambiente que rodeou a Volta ao Ruanda - terminou na 28ª posição -, confirmando o que muito se ouve outros ciclistas estrangeiros dizerem sobre a corrida e os seus adeptos. Por cá, ambiciona viver novamente o ambiente da Volta a Portugal, mas agora num papel diferente. Muito preso a trabalhar para líderes no passado, chegou a vez de Isidoro se mostrar: "Isso entusiasma-me! Sem grande pressão, às vezes, sendo-se humilde e trabalhando, as coisas acabam por acontecer."

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