(Fotografia: © ASO/Pauline Ballet) |
Muito se especulou durante a Volta a França como seria o ambiente na Sky. Seria Geraint Thomas de facto o número um depois de ganhar vantagem e até vestir a camisola amarela? Ou a equipa manter-se-ia mais focada em proteger o quatro vezes vencedor do Tour, Chris Froome? Ajudaria este Thomas, ou iria tentar atacar a liderança do companheiro? Quando o galês subiu ao primeiro lugar do pódio nos Campos Elísios parecia que tudo tinha decorrido como o esperado, uma perspectiva de Froome não estar a 100% e ser Thomas a assumir a responsabilidade máxima. No entanto, o vencedor da mais recente edição do Tour veio agora a público admitir como chegou a ficar zangado e frustrado por ver como afinal não era também ele protegido pela Sky, como acontecia com Froome. O britânico chegou mesmo a avisar Thomas que ia atacar, mesmo sabendo que isso poderia significar ambos ficarem em maus lençóis.
Geraint Thomas queria muito apostar no Tour em 2018 e desde cedo começou a dizer que estava a prepará-lo para lutar por uma vitória. A incerteza quanto à presença de Froome devido ao caso do salbutamol - resolvido a poucos dias da corrida começar - e da forma física do britânico, já que tinha feito o Giro e ganho, fez com que Thomas parecesse ser mais do que um plano B. O próprio ciclista pensou isso, mas logo na terceira etapa percebeu que não era bem assim. Apesar de ter 52 segundos de vantagem sobre Froome, devido à queda deste na primeira tirada, Thomas foi avisado que ninguém esperaria por ele caso furasse ou caísse durante o contra-relógio colectivo.
O galês, que anda a promover o livro no qual fala sobre a sua inesquecível Volta a França, recordou a sua estupefacção sobre aquela decisão, tendo reagido com uma linguagem "colorida", questionando se o iriam mesmo deixar para trás. "Estava frustrado porque pensava que também era um ciclista protegido. Não foi uma decisão de tenham tomado de ânimo leve. Terão ponderado e debatido. Eu disse o que pensava [se não esperariam por ele se furasse ou caísse] e eles disseram: 'Não. Por isso tens de aceitar.' A possibilidade [de furar ou cair] é baixa, mas, ao mesmo tempo, pensei que era uma situação merdosa", explicou numa entrevista ao jornal The Guardian. Thomas admitiu que ficou um pouco abatido, mas salientou que tinha de reagir e foi o que fez.
O contra-relógio decorreu sem problemas para Thomas e Froome, mas após a nona etapa, houve mais um claro exemplo de como a Sky continuava a proteger Froome em detrimento do ciclista que naquela altura tinha 1:01 minutos de vantagem sobre o companheiro e já tinha a amarela na mira, tendo em conta que Greg van Avermaet (BMC) não seria corredor para a manter com a chegada da alta montanha.
A tirada de Roubaix foi caótica para muitos ciclistas, mas Thomas e Froome lá chegaram juntos à meta. Era um dia de muito calor e nem no hotel os ciclistas estavam confortáveis. A equipa colocou ar condicionado para todos os ciclistas, mas tantos aparelhos foi demasiado para o sistema eléctrico. A decisão foi simples: "Só uma pessoa pode ter, Froomey." Thomas contou que acabou por levar uma unidade para o seu quarto, ligou-a e esperou que não houvesse mais problemas com a electricidade.
Foram situações que Geraint Thomas não esconde o terem deixado zangado e também não foi fácil gerir a opção de Froome em atacar, quando não era o ciclista da equipa com melhor colocação na geral e tendo em conta que Thomas demonstrava estar bem fisicamente. O ciclista afirmou que em dois dias Froome avisou da sua intenção, mesmo sabendo que uma das consequências poderia ser a perda de tempo não só para ele, como também para Thomas. De recordar que o galês vestiu a camisola amarela na 11ª etapa, depois de a ganhar, repetindo a vitória na tirada seguinte, no Alpe d'Huez.
Thomas não especificou em quais etapas Froome avisou que iria atacar, mas acabou por ser uma decisão que não o deixa irritado. Pelo contrário, até vê um lado positivo. "Se ele tivesse sido obrigado a trabalhar para mim, as pessoas teriam dito: 'O Froomey poderia ter atacado naquele dia. Talvez pudesse ter ganho.' Mas assim, ficou demonstrado que eu estava mais forte. No final, até foi bom", explicou.
Thomas provou várias vezes durante a Volta a França que era de facto o mais forte, deixando Froome a 2:24 minutos, que ficou num terceiro lugar, garantido após um pequeno susto provocado por Primoz Roglic (Lotto-Jumbo). Sendo compreensível a desilusão por não ter conquistado o seu quinto Tour e a sua quarta grande volta consecutiva (tinha ganho em França e Espanha em 2017 e em Itália em Maio deste ano), Thomas acredita que as palavras de felicitação por parte do companheiro foram sinceras.
Apesar destas situações, Thomas acabou por aceitar a proposta de renovação da Sky até 2021, mais um ano do que o actual contrato de Froome. Para o ciclista foi preferível ficar com quem já conhece bem e não aventurar-se em novas equipas. Thomas considera que, aos 32 anos, terá mais uns três de alto nível, pelo que prefere aproveitar o momento que está a viver, do que experimentar algo novo que possa não correr bem. E Thomas avisa que sente que está mesmo num grande momento, agora que se prepara para começar os treinos a pensar em 2019.
Com esta renovação, o que mais se quer saber é se Thomas e Froome vão ambos ao Tour e se sim, qual será o papel do galês. "Ainda não tenho a certeza [se vai ao Tour]. Quero ver o percurso e partir daí. Mas sendo o campeão ao título, não vou para nada que não seja a 100%. Mas ao mesmo tempo o Giro entusiasma-me. Sinto como se fosse um assunto inacabado", referiu. A sua primeira experiência como líder da Sky foi na Volta a Itália em 2017, num estatuto então partilhado com Mikel Landa. Ambos ficaram envolvidos num incidente com uma moto da polícia que parou num sítio péssimo, provocando a queda de alguns ciclistas, incluindo os dois homens da Sky. Thomas acabaria por abandonar, depois de muito preparar a corrida. Muitos desses treinos foram feitos com Froome, tendo até viajado para a África do Sul com o companheiro, país onde o vencedor de seis grandes voltas gosta muito de treinar.
O percurso do Giro será conhecido esta quarta-feira e Thomas não exclui a possibilidade de fazer a corrida italiana e depois ir ao Tour, dando como exemplo que é possível estar bem nas duas provas não só Froome, mas também Tom Dumoulin (Sunweb), que foi segundo nas duas competições este ano.
Para já é tempo de regressar ao Mónaco, onde vive, e começar os treinos, não deixando de aproveitar a fama e merecido reconhecimento desportivo que conquistou com o triunfo no Tour. Thomas, natural de Cardiff, contou como adora estar na sua terra, mas que é impossível ter uma vida normal: "Vais ao supermercado buscar leite e 75% das pessoas congratulam-te. É espantoso. Mas ao mesmo tempo, se tu só queres leite, pode ser intenso. É bom ir lá, sentir o carinho e regressar ao Mónaco." Thomas considera mesmo que não teria ganho o Tour se não se tivesse mudado para o Principado, onde a Sky tem uma base e onde vivem dez dos ciclistas da equipa: "No Mónaco tu apenas concentras-te e treinas."
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