26 de novembro de 2017

"Gostaria de pensar que a medalha irá mudar alguma coisa"

Luís Costa é um dos atletas que este ano trouxe medalhas internacionais para Portugal. O paraciclismo esteve em destaque e a medalha de bronze no Campeonato do Mundo dá ainda mais motivação a um paraciclista que apenas em 2013 começou a competir e que agora aponta alto para os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Luís Costa tem até uma história de sacrifício para conseguir estar ao mais alto nível, ao que se junta o acidente de moto que levou à amputação da perna. Mas não é neste discurso que este atleta se centra. A vontade, o trabalho, a ambição de querer mais e melhor marcam as palavras de um atleta que quer acreditar que a modalidade está a desenvolver-se, ainda que a um ritmo mais lento do que esperava.

Em Agosto, Luís Costa teve o culminar de uma época estruturada a pensar no Campeonato do Mundo, na África do Sul. A 31 desse mês, no percurso de 23,3 quilómetros de Pietermaritzburg, o paraciclista português conquistou a medalha de bronze no contra-relógio na classe H5, ficando a 47 segundos do vencedor, Alessandro Zanardi, antigo piloto de automóveis, a quem as pernas foram amputadas após um grave acidente durante uma corrida em 2001. Dois dias depois, foram uns centímetros que o separaram de subir novamente ao pódio na prova de fundo. A medalha foi um resultado histórico, já que foi o melhor de sempre do paraciclismo português a nível internacional.

"Gostaria de pensar que a medalha irá mudar alguma coisa, mas se calhar a única coisa que irá mudar é que a Federação Portuguesa de Ciclismo vai ter mais um trunfo para apresentar ao responsável pelo fornecimento das verbas", salientou Luís Costa ao Volta ao Ciclismo. O paraciclista considera que "a população tem memória curta", ainda que muitos jovens que seguem a sua carreira não esqueçam a sua conquista. "Poucos adultos sabem, dos empresários ligados ao ciclismo ninguém sabe e até os clubes de ciclismo pouco me ligam. Se calhar, nesse aspecto, nada mudou", lamentou.

"Tinha muita confiança em chegar às medalhas, pois foram meses de trabalho muito sério e profissional"

Mas Luís Costa não é de se lamentar. Opta por apelar às equipas Continentais portuguesas para investirem no paraciclismo, como aconteceu em 2017 com o Sporting-Tavira (a formação que representa) e LA Alumínios-Metalusa-BlackJack, por exemplo. "Nós somos cerca de 30. Acho que haveria lugar para dar apoio a todos. Seria giro as equipas pegarem na modalidade. Pelo menos divulgavam mais e se calhar surgiriam mais apoios dirigidos ao paraciclismo", afirmou.

(Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo)
Recua-se aquele final de mês de Agosto na África do Sul. "Tive uma semana atribulada. Quando cheguei e montei a bicicleta, as mudanças não funcionavam. Tive uma avaria eléctrica e só metia algumas. A 48 horas do contra-relógio... Fiquei muito stressado!", contou Luís Costa. E como um azar nunca vem só: "Ainda assim fui fazer o reconhecimento do percurso na esperança de resolver o problema mais tarde. Meia hora depois de começar, atropelo um atleta americano, andei às cambalhotas e fiquei com os cromados riscados. O nível de stress subiu ainda mais." Perante isto: "Pensei que se conseguisse resolver o problema, só podia mesmo ganhar uma medalha... Isto estava a correr tão mal!" Hoje sorri quando recorda, mas só a 24 horas do contra-relógio é que conseguiu fazer o mesmo, pois foi quando a bicicleta ficou em condições.

"Cheguei com a convicção de mostrar que a aposta que a Federação fez em mim este ano valeria a pena. Sentia-me em condições. Treinámos para aquele percurso, que era muito acidentado. Tinha muita confiança em chegar às medalhas, pois foram meses de trabalho muito sério e profissional", realçou. Não hesita, portanto, em considerar 2017 "um ano excelente a todos os níveis". "Foi espectacular! Foi uma grande realização pessoal!"

O acidente de moto foi há 14 anos, mas só uma década depois Luís Costa optou pelo paraciclismo. Até então, apesar de gostar de ciclismo, nunca tinha praticado. Preferia o atletismo. O ginásio foi a escolha inicial, mas para "um rapaz do campo", como se descreve, estar fechado entre paredes não era para ele. "Agora sou viciado nisto [no paraciclismo]. Não faço apenas pelas medalhas. Faço isto porque gosto. Mesmo que não ganhasse nada, faria na mesma", garantiu.

Recordou as palavras da esposa que acabaram por ser uma premonição. "Ela disse-me: 'Isto é para levar a sério. Estamos em 2013 e em 2016 tens os Jogos no Rio de Janeiro e tu vais lá. Faz o favor de treinar a sério.' E ela tinha razão. Um ano depois estava qualificado." Agora está concentrado em Tóquio2020: "Depois do bronze no Campeonato do Mundo é natural pensar que vou lá chegar em condições de lutar por medalhas."


"Tenho fé que nos próximos cinco talvez cheguemos a um nível comparável ao do resto do mundo"

Até lá, e apesar de ter já ter conseguido um estatuto como atleta que lhe permite ter uma maior flexibilidade de horários, de forma a poder treinar durante o dia e não de madrugada, Luís Costa irá continuar a conciliar o desporto com a profissão. É inspector da Polícia Judiciária e fala do sacrifício dos primeiros tempos em que se aventurou pelo paraciclismo. "Antes só conseguia treinar de madrugada, ainda de noite, ao frio e à chuva. Agora só tenho o frio e chuva!" Dormia uma ou duas horas, mas o esforço acabou por ser recompensado quando começou a obter bons resultados.

No entanto, a realidade é que não se vive do paraciclismo, mas Luís Costa considera que, apesar de todas as dificuldades e da falta de visibilidade por a modalidade não aparecer nos meios de comunicação social, o desporto está a desenvolver. "Confesso que tinha esperança que fosse mais rápida. Não há divulgação", afirmou. A nível competitivo, Luís Costa referiu como os prémios das medalhas já são os mesmo e como os valores das bolsas vão começar a aproximar-se em 2018. "Vai levar algum tempo, mas tenho fé que nos próximos cinco talvez cheguemos a um nível comparável ao do resto do mundo."

Luís Costa é desde já uma referência do paraciclismo nacional e já trabalha para em 2018 somar mais sucessos internacionais, rumo aos Jogos de Tóquio. Afinal, foi precisamente uns Jogos Paralímpicos que o inspiraram a experimentar a modalidade. "O que me atraiu foram os Jogos de Londres. Eu seguia o Alessandro Zanardi, que por coincidência destacou-se na minha classe. Vi-o correr em Londres e lembrei-me do acidente dele. Pensei: 'Ele é amputado como eu... Se calhar está aqui algo que eu posso fazer.' Fiz uma pesquisa na internet e seis meses depois estava a competir contra ele", lembrou. E em Agosto último, Luís Costa ficou ao lado do italiano no pódio.

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