23 de julho de 2017

Destaques do Tour mais difícil de Chris Froome

(Fotografia: ASO/Pauline Ballet)
Mais de 86 horas de ciclismo e 3540 quilómetros depois a Volta a França teve o seu final tradicional com os Campos Elísios como cenário. Chris Froome conquistou a quarta vitória, terceira consecutiva e mesmo com o vento a levar-lhe as folhas do discurso, o britânico foi igual a si próprio na hora da vitória. Sempre muito profissional, é quando ganha o Tour que deixa transparecer a emoção, provavelmente ainda mais difícil de esconder quando o seu filho celebra de forma tão efusiva a subida do pai ao pódio. Ouviram-se uns assobios. Pouco importa. Froome ganhou, ganhou bem e justamente. O ciclista da Sky sabe lidar como poucos com as desconfianças e com os que insistem em colocar em causa os seus triunfos. É um gentleman, um vencedor.

Porém, este Tour não se centrou tão exclusivamente em Froome como nas três vitórias anteriores. O próprio admitiu no seu discurso que foi a Volta a França mais difícil, naquilo que foi um elogio a Rigoberto Uran (terminou a 54 segundos) e Romain Bardet (a 2:20). O colombiano teve uma longa troca de palavras com o antigo colega de equipa, já o francês viveu um misto de satisfação, pois um pódio é um pódio, e desilusão por não ter ganho. Quer mais, claramente.

Muito há a dizer, muito ficará por dizer neste texto, mas aqui ficam alguns pontos de destaque deste Tour pela positiva e pela negativa.

As melhores figuras

Chris Froome conquistou o seu quarto Tour e naturalmente que tem de ser a figura maior. Não foi o ciclista dominador de outros tempos, mas continua a ser superior quando chegam os momentos decisivos. Sofreu um pouco mais, teve rivais mais à altura, mas o britânico geriu emoções, esforço e alguns assobios do público como o campeão que é. E até alguma concorrência interna vinda de Landa. Michal Kwiatkowski foi o homem de extrema importância na vitória de Froome. O polaco fez um trabalho de gregário fenomenal.

Marcel Kittel ganhou cinco etapas e foi quem mais venceu. Tornou-se no alemão com mais vitórias no Tour (14). Sem Sagan em prova, parecia que dificilmente perderia a camisola verde. Matthews deu-lhe luta, mas foi uma queda acabou com a corrida do sprinter da Quick-Step Floors.

E Michael Matthews é outra das figuras ao lado de Warren Barguil. Duas etapas cada um, o australiano ficou com a classificação dos pontos e o francês é o rei da montanha. Depois de vencer o Giro com Tom Dumoulin, esta Sunweb está a ter um ano memorável.

Simon Yates e Louis Meintjes disputaram a classificação da juventude, ainda que o britânico tenha acabado por mostrar muito cedo que seria complicado tirar-lhe essa distinção. Yates não foi brilhante, não apareceu muito nas etapas da montanha, mas o top dez e a camisola branca salvam um Tour muito discreto da Orica-Scott. Quanto a Meintjes, estamos perante um ciclista de grande potencial. Já se sabia. Repete top dez, mas fica a sensação que precisa de ter uma equipa para ir mais longe. Será que a encontrará na Dimension Data, que se fala estar no seu futuro?

Rigoberto Uran foi a surpresa com o segundo lugar, Mikel Landa a confirmação. O colombiano está de regresso à boa forma e que grande resultado conquistou. Pedalar a controlar os adversários, tentando ganhar bonificações não é bonito, mas foi eficaz. Ganhou ainda uma etapa. Quanto a Landa, falhar o pódio por um segundo é frustrante, mas para uma equipa que se rodeia tanto em redor de um líder, o desafio que o espanhol lançou a esse domínio vai certamente ser recompensado com um estatuto diferente em 2018, provavelmente noutra equipa. Da última vez que um ciclista desafiou a estrutura hierárquica da Sky... acabou como líder e é agora vencedor de quatro Voltas a França: Chris Froome.

Romain Bardet confirmou que é o melhor francês na esperança de voltar a ver um a conquistar o Tour. A capacidade está lá, mas terá de melhorar no contra-relógio e precisa de um braço direito. A AG2R não esteve muito mal, mas tem de estar bem melhor.

Primoz Roglic e Dylan Groenewegen (vencedor da etapa nos Campos Elísios) demonstraram que são ciclistas com um futuro potencialmente interessante, Edvald Boasson Hagen regressou à melhor forma, Fabio Aru mostrou-se em grande nível até que uma bronquite o afectou na última semana (já a Astana não esteve ao nível do seu líder), Daniel Martin é o eterno animador, ainda que acabe sempre algo por falhar.

As figuras... menos boas

Nairo Quintana nem no top dez acabou. O objectivo Giro/Tour foi demasiado para o colombiano. Cresce a pressão para que de uma vez por todas transforme numa vitória em França a qualidade que se sabe que tem, mas que só de quando em vez a coloca na estrada nas grandes voltas.

Bauke Mollema venceu uma etapa, mas o seu papel principal era ajudar Alberto Contador. Pouco o fez e não pode apenas desculpar-se com a presença no Giro. Mas a Trek-Segafredo também não estará muito satisfeita com John Degenkolb. Lá apareceu na disputa de alguns sprints, mas nunca foi um verdadeiro perigo para os outros sprinters. Quanto a Alberto Contador, o espanhol está mesmo numa fase descendente da carreira. Conseguiu um top dez, algo que sabe a pouco a Contador que queria ganhar e talvez assim "arrumar a bicicleta". Em princípio vai correr mais um ano, mas é possível que este tenha sido o seu último Tour. Ficou o seu carácter de lutador, mas nesta fase já não chega para ter sucesso.

Nacer Bouhanni. O sprinter francês ainda tentou, mas foi uma sombra de si próprio. Tanto potencial que no Tour não é transformado em triunfos. É dos melhores do mundo, mas em França foi algo banal. O mesmo para Alexander Kristoff. Muito trabalhou a Katusha-Alpecin, contudo, o norueguês continuou a demonstrar que frente aos melhores não tem hipótese. Tem sido assim a sua temporada. A equipa de José Azevedo também não deve estar satisfeita com Tony Martin. Não ganhou nenhum dos contra-relógios, falhando por isso a amarela na primeira etapa. Teve um Tour muito apagado.

A estrutura da FDJ tem de ter muita confiança no seu patrocinador para terminar a corrida com apenas três ciclistas. Valeu a vitória de etapa de Arnaud Démare e de ter andado de camisola verde, mas tanto o sprinter como três outros colegas chegaram fora do tempo limite na etapa nove. Thibaut Pinot andou por lá. Nem se notou e ainda menos se notou quando abandonou.

O português

Tiago Machado foi o único ciclista português na Volta a França. Não o vimos tanto como se gostaria a tentar uma vitória de etapa, mas o ciclista foi o melhor da Katusha-Alpecin numa perspectiva que foi incansável no trabalho para Kristoff. Muito puxou ele pelo pelotão, muito se sacrificou para que a equipa alcançasse um triunfo de etapa. Machado terminou na 74ª posição, a 2:43.36 horas e o prémio para todo o seus esforço e dedicação chegou na sexta-feira quando a Katusha-Alpecin anunciou a renovação de contrato por mais um ano. Mais do que merecido.

O adeus

Já não deu para mostrar uma pequena amostra daquele Thomas Voeckler atacante, de língua de fora a dar tudo o que tem e um pouco do que não tem para ganhar. Aos 38 anos o francês coloca um ponto final na carreira na corrida que tanto adora e que tanta notabilidade lhe deu. Durante muitos anos foi um daqueles ciclistas que se sabia que ia sempre dar espectáculo. As pernas não deram para mais na hora da despedida. Ainda tentou, mas soube a pouco. Ainda assim, teve o aplauso que mereceu quando se deixou ficar para trás nos Campos Elísios. Na frente celebrava Chris Froome e Dylan Groenewegen, cá mais atrás foi o momento de dizer adeus. Voeckler pode ter sido por vezes controverso, mas teve também algum brilhantismo. Ajuda ser francês, claro, para que Voeckler tenha o seu lugar na história do Tour: quatro vitórias de etapas e ainda tem umas camisolas amarelas para mostrar.

Pontos negativos

Decisões da organização: A exclusão de Peter Sagan do Tour foi a polémica desta edição. Não se colocava muito em causa uma sanção em tempo e uma multa, mas os organizadores foram mais longe, longe de mais até. O eslovaco foi expulso porque consideraram que colocou em perigo a integridade física de Mark Cavendish. O levantar de cotovelo de Sagan era evitável, de facto, ainda que o britânico também não esteja completamente inocente, por ter tentado passar por um local apertado, demasiado junto às barreiras, tendo ficado sem espaço. Não foi um sprint bonito, mas a decisão radical só contribuiu para estragar um pouco do espectáculo, pois Sagan é sempre uma das figuras no Tour. Abriu-se um precedente, mas apesar de outras atitudes pouco bonitas em sprints ou depois deles (como a cotovelada de Degenkolb a Matthews) não houve qualquer tipo de sanção além da de Sagan.

Outra decisão que gerou muito sururu foi a penalização em 20 segundos inicial a Rigoberto Uran por ter recebido abastecimento numa altura em que já não seria permitido. Na internet surgiram imagens de Romain Bardet a receber uma garrafa de água. A organização dizia que o francês não tinha bebido, apenas refrescado a cabeça, mas as imagens deixavam entender que tinha mesmo ingerido. Resultado? A sanção foi retirada a Uran! Afinal o fim do abastecimento era num quilómetro diferente ao inicialmente previsto...

Percurso: Poucas chegadas em alto, aposta em metas antecedidas por descidas, algumas alucinantes, etapas de mais de 200 quilómetros, algumas praticamente todas planas... A ASO tentou dar um entusiasmo diferente ao percurso do Tour, mas não resultou muito bem. Aquelas longas etapas planas foram de um enorme aborrecimento até ao sprint final, as de montanha tiveram animação, às vezes nem sempre a melhor (que o diga Richie Porte, Geraint Thomas e Rafal Majka, por exemplo). Se é interessante que nem todas as tiradas de montanha terminem em alto, mais um ou duas etapas com chegada no topo talvez tivesse ajudado o espectáculo. Só a nona etapa cumpriu com as expectativas criadas, ainda que tenha sido marcada pelos abandonos acima referidos. Além desta tirada, a emoção aconteceu um pouco ali, mais um bocado ali, no geral o percurso teve poucos pontos de interesse.

É certo que as diferenças foram curtas, mas tal não se deveu tanto ao percurso. Foram mais os ciclistas que apareceram muito mais bem preparados para lutar contra um Froome que não foi a máquina de anos anteriores. Este Tour precisa urgentemente de uma injecção de emoção no formato das etapas, à imagem do acontece na Vuelta, por exemplo.

Chega assim ao fim a 104ª edição do Tour. Chris Froome vai consolidando o seu lugar na história do ciclismo. Agora é recuperar forças para a Volta a Espanha que arranca a 19 de Agosto. Para terminar aqui ficam as classificações finais do Tour e o resultado da última etapa.


Résumé - Étape 21 - Tour de France 2017 por tourdefrance


»»Chris Froome perfeito quando teve de ser, já começa a pensar na Vuelta««

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