4 de julho de 2017

O negócio dos russos

por Vítor Sequeira Martins

Entre 5 e 9 de Julho realiza-se a 40ª edição do Troféu Joaquim Agostinho
(Fotografia: Direitos Reservados)
Os cabelos loiros e os olhos azuis não deixavam ninguém indiferente à sua passagem. Falavam uma língua que poucos – praticamente ninguém... – entendiam. Tinham pedalada rija, cadenciada, disciplinada; quase que se diria que eram uma equipa à parte, embora integrada no pelotão internacional, que por aqueles dias de Julho, de um dos primeiros anos da década de 90 do século passado animava as estradas da região de Torres Vedras. Era uma equipa russa, uma novidade numa prova velocipédica nacional.

Negócios de um empresário local com a Rússia tinham permitido trazer até à região torrejana uma equipa de um país habitualmente discreto e fechado ao mundo. Mas a queda do Muro de Berlim e a abertura política verificada nos países do Leste europeu que se seguiu, tornaram fácil – e mais tarde até banal – a presença em provas nacionais de atletas daquela região europeia. 

Simpáticos, risonhos, mas com o travão linguístico a cortar o caminho a contactos mais profundos com os portugueses, os ciclistas russos não se destacaram por aí além naquela que é a prova que há mais tempo se realiza ininterruptamente em Portugal – entre 5 e 9 de Julho cumpre-se a 40.ª edição do Grande Prémio Internacional de Torres Vedras-Troféu Joaquim Agostinho.
         
Provavelmente deslumbrados com o que de diferente viam, poucos deveriam saber que aquela prova em que participavam estava ligada à figura do maior ciclista português de todos os tempos – Joaquim Agostinho – um filho da terra (Bejenjas) – tragicamente desaparecido em 1984, após uma queda, em Quarteira, no final de uma etapa da Volta ao Algarve. E se por mais de uma vez passaram – à pressa e concentrados com os olhos na estrada, é certo - à porta da casa do antigo ciclista português, o único a ter um busto em bronze, instalado num imponente pedestal de três metros de altura, na 14.ª curva do Alpe D'Huez – a mais difícil e mítica etapa do Tour -, não devem ter dado por isso. 

Mas se os magníficos e pouco discretos visitantes surpreenderam à chegada e durante a competição, o que dizer então do último dia, quando já se fechara para balanço e se projetava a prova do ano seguinte? Estupefação geral. Os russos «armaram a tenda» - qual Feira da Ladra - e puseram tudo à venda? Tudo! Sim, literalmente tudo o que traziam. E mais houvesse. Ávidos de divisas, os atletas venderam peça a peça do equipamento e ainda mais alguns produtos tradicionais – gorros e bonecas - que trouxeram. As bicicletas foram o último produto a ser transacionado. Houve quem fizesse bom negócio, comprando barato e os russos, devido à diferença cambial, mesmo deixando as máquinas a um preço muito abaixo do real não se sentiram defraudados e partiram felizes. Olá se partiram felizes!

Jornalista que acompanhou e reportou praticamente todas as grandes provas nacionais durante duas décadas.

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