18 de janeiro de 2018

A edição do Giro que se queria histórica está a tornar-se num pesadelo

(Fotografia: Giro d'Italia)
Mauro Vegni queria superar um Giro100 memorável com uma edição 101 histórica. O director da Volta a Itália pensava que estava a concretizar e, se calhar, até a superar as expectativas. Primeiro começou por anunciar que pela primeira vez uma grande volta iria começar fora da Europa, tendo escolhido Jerusalém como cidade de partida, com o pelotão a ficar em Israel mais dois dias. O desejo de ter Chris Froome como cabeça de cartaz não era segredo e depois de várias declarações públicas para aliciar o britânico, o líder da Sky "cedeu" e confirmou que estaria mesmo no Giro, contra as previsões que apontavam para primeiro garantir o quinto Tour, antes de tentar ganhar em Itália, a grande volta que lhe falta. Porém, os sorrisos rasgados de missão cumprida deram lugar a umas valentes dores de cabeça. A desejada edição histórica está a tornar-se num pesadelo.

Era impossível o conflito entre Israel e a Palestina ficar de parte. A decisão de realizar três etapas naquele território gerou contestação oriunda de vários pontos do mundo e, para agravar a situação, a opção do presidente dos EUA, Donald Trump, em mudar a embaixada para Jerusalém, considerando aquela cidade como capital de Israel, elevou ainda mais os níveis de protesto e de insegurança no local, com a violência a resultar nem mais derramamento de sangue. Resultado, existe um plano B que poderá ser accionado e, se assim for, o Giro será 100% em estradas italianas. No plano desportivo, o caso de suspeita de utilização acima dos limites da substância salbutamol, deixa Froome no limbo e Vegni nem quer pensar em ver na sua corrida uma situação idêntica à de Alberto Contador, em 2011.

Começando pela vertente puramente desportiva. Chris Froome não foi suspenso provisoriamente por ser uma substância legal, utilizada por asmáticos. O britânico está a tentar provar que não excedeu o limite permitido (o resultado do teste feito na Vuelta revelou o dobro) e, enquanto decorre o processo, poderá competir. A Sky também optou por não afastar o seu ciclista, mantendo-se o plano de estar na Volta a Itália, ainda que se desconheça o calendário de Froome até à prova, apesar de já se estar a mais de meio do mês do Janeiro.

De recordar que Vegni tinha desafiado Froome a estar presente para não só ganhar a grande volta que lhe ficou a faltar depois de conquistar a Vuelta, em Setembro, além dos quatro Tours, mas também para alcançar um feito raro: ganhar as três grandes voltas de forma consecutiva. Froome e a Sky querem ir mais longe e vencer também o quinto Tour, ou seja, o ciclista fazer a dobradinha que ninguém alcança desde 1998. Marco Pantani foi o último a ganhar em Itália e França no mesmo ano.

Agora Vegni já não está tão satisfeito por ter Chris Froome previsto para o Giro. "Estávamos mesmo felizes por Froome vir à nossa corrida. Agora esperamos que tudo seja rapidamente clarificado, pelo Froome, pelos interesses do Giro e do ciclismo em geral", afirmou recentemente ao L'Equipe. O director foi mais longe: "Não podemos aceitar uma solução de compromisso como a de Alberto Contador, em 2011, quando a sua vitória foi riscada pelo teste positivo que tinha acontecido noutra corrida." Mauro Vegni refere-se ao caso de doping na Volta a França de 2010. Então, Contador também pôde continuar a competir enquanto apresentava a sua defesa. Ganhou a Volta a Itália, mas acabou por ser castigado. Michele Scarponi foi declarado o vencedor, mas nunca foi um momento que tenha agradado a ninguém, a começar pelo ciclista italiano.

Mas estará Vegni disposto a impedir a presença de Chris Froome no Giro? "Espero que não chegue a isso. Não me compete decidir e aplicar as regras. Os organizadores não têm esse estatuto em casos como este. É o Froome que tem de provar as coisas. Está tudo nas mãos da UCI. Eles têm de garantir que estará tudo esclarecido até lá [ao Giro]", respondeu Vegni. Há um precedente: depois do escândalo de doping Festina, no final dos anos 90, Richard Virenque foi impedido pela ASO, organizador do Tour, de participar na corrida em 1999. A UCI defendeu o direito do francês em competir e deu ordens à ASO para aceitar o ciclista.

Muitas tem sido as vozes para que o processo seja célere, contudo, ameaça ser o contrário. Chris Froome está a preparar a sua defesa alegando problemas no funcionamento dos rins, segundo o L'Equipe, e mesmo que consiga ser ilibado, a Agência Mundial Antidopagem poderá agir e levar o caso até ao Tribunal Arbitral do Desporto. Ou seja, pode arrastar-se por vários meses.

Quanto ao caso Froome, Vegni nada pode fazer. Já sobre a situação em Jerusalém, o director da RCS Sport, que organiza o Giro, afirmou já há umas semanas que o plano B existia. Não se alongou sobre o assunto, mas com os protestos violentos a marcarem as semanas seguintes à decisão de Donald Trump, começou a ganhar força que o arranque histórico em Israel, poderá mesmo estar em causa.

O sul de Itália foi apontado como o provável plano B se os três primeiros dias tivessem de ser realizados "em casa". A Sicília poderá ser uma hipótese para arranque da corrida. Com mais países a, entretanto, seguirem o exemplo de Trump, a situação começa a ser de nervos para Mauro Vegni e a restante organização da Volta a Itália. Para já mantém-se o plano inicial, mas a incerteza instalou-se, além de subir de tom o apelo de, por exemplo, organizações de defesa dos direitos humanos, que pedem para que o Giro não comece em Israel.

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