26 de agosto de 2019

Uma Vuelta muito irlandesa

(Fotografia: © BORA - hansgrohe / Bettiniphoto)
A Irlanda nunca esteve tanto no mapa no ciclismo como na era de Stephen Roche e Sean Kelly. Não deixou de ter ciclistas de elevado valor nas gerações que se seguiram, mas a herança deixada por aqueles dois corredores nunca conseguiu ser igualada, pelo que não se estranha que se fale da era dourada da modalidade na Irlanda na década de 80 e início de 90.

Dan Martin ainda alimentou alguma esperança e alcançou grandes vitórias e outros bons resultados (tem dois monumentos e duas etapas no Tour, por exemplo). Contudo, o sobrinho de Roche nunca se aproximou de uma possibilidade de ganhar uma grande volta. Mas Martin fez e faz com que se fale da Irlanda, tendo nos últimos três anos a companhia de um sprinter que despontou tarde, mas que não pára de ganhar: Sam Bennett. Este, juntamente com Nicolas Roche (o apelido não é coincidência, pois é filho de Stephen), faz com que a Irlanda esteja a ser muito falada numa grande volta. Afinal, não é todos os dias que um lidera a Vuelta e o outro ganha a primeira etapa para os sprinters, na sua estreia na corrida espanhola. Irlanda e Colômbia, as duas nações em destaque em três dias de corridas.

Bennett foge aos laços da família Roche, mas tem os genes de um vencedor. Só quem está numa equipa, Bora-Hansgrohe, que tem Peter Sagan e Pascal Ackermann como os outros sprinters é que poderia encontrar tantas dificuldades em estar nas grandes voltas, apesar das 12 vitórias em 2019. Foram sete em 2018 e 10 no ano antes. Até esta afirmação, o melhor que tinha alcançado havia sido cinco triunfos em 2015.

Sam Bennett tem 28 anos. Pode não ter sido um jovem prodígio, como um Fernando Gaviria ou Peter Sagan, por exemplo, mas comprovou ser um sprinter do melhor que o pelotão tem actualmente. Como equipa alemã, a Bora-Hansgrohe quis apostar em Ackermann no Giro, numa escolha que se revelou acertada, apesar de Bennett ser na altura o ciclista que mais ganhava. Sagan não dá espaço a mais sprinters no Tour. Sobrou a Vuelta para Bennett. A sua primeira. Mas sabe-lhe a pouco e percebe-se porquê. Há um ano, na Volta a Itália, ganhou quatro etapas. Na primeira oportunidade que teve em Espanha - na terceira etapa - Bennett abriu a contagem e deixou todos os rivais a vê-lo pelas costas e a alguma distância.

Quase que pareceu fácil! E nem foi a primeira vez que se viu Bennett ganhar assim e até já o fez frente a alguns dos principais nomes do sprint. Porém, é um ciclista em final de contrato e sem o futuro resolvido, o que não deixa de ser uma surpresa. O próprio já assumiu que esperaria ter a sua situação resolvida nesta altura do ano, mas é difícil não ver Bennett encontrar uma equipa que lhe ofereça boas condições para ser o sprinter número um. A Deceuninck-QuickStep foi já dada como possibilidade, com a saída de Elia Viviani para a Cofidis a deixar aberta uma vaga em 2020. Álvaro Hodeg e Fabio Jakobsen (este último também está na Vuelta) são os sprinters em ascensão, mas o director Patrick Lefevere não se importará de contar com alguém com a experiência de Bennett (já esteve nas três grandes e noutras das principais corridas do calendário ao longo da carreira) e até deixou uns elogios ao irlandês há umas semanas.

Bennett está na Vuelta também a pensar no seu futuro. Já Nicolas Roche pensa mais no presente. Aos 35 anos, espera ainda por uma renovação ou uma mudança de equipa. No entanto, Roche só pensa em aproveitar uma inesperada liderança na Vuelta. Vestiu a camisola vermelha por um dia há seis anos. Agora vai para o segundo em 2019 e quer tentar manter o máximo possível, sem prejudicar o seu principal papel: ajudar o líder da Sunweb, Wilco Kelderman.

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Como aconteceu com outros corredores ou até atletas de outras modalidades, ter um apelido de alguém que marcou uma era num país com poucos heróis no ciclismo, não foi fácil para Nicolas. Tem duas vitórias de etapas, precisamente na Vuelta. Passou por equipas como a AG2R, Tinkoff, Sky, BMC, antes de chegar à Sunweb. Porém, destacou-se mais no trabalho de gregário do que como líder. Com a carreira numa recta final, percebe-se como Roche esteja mais concentrado em viver um dia de cada vez, num momento que não sendo único, poderá não repetir-se. Como curiosidade, a família Roche tem mais um ciclista em acção, ainda a tentar singrar. Alexis Roche tem 21 anos e corre na equipa francesa da Côtes d'Armor-Marie Morin-Vé.

O pai, Stephen, venceu um Giro e um Tour em 1987, ano em que foi campeão do mundo. Sean Kelly conquistou uma Vuelta em 1988, tendo um palmarés recheado de clássicas. Houve uma natural rivalidade entre ambos, mas foram dois irlandeses que elevaram a Irlanda a uma referência naquela década de 80 e início de 90. Os tempos são agora outros, mas os irlandeses sempre foram marcando presença no pelotão de uma forma de outra. Se Bennett é a imagem de sucesso no presente, Eddie Dunbar (Ineos) e Ryan Mullen (Trek-Segafredo), por exemplo, são candidatos a sê-lo num futuro próximo (nenhum dos dois está na Vuelta).

Classificações completas, via ProCyclingStats.

4ª etapa: Culera - El Puig (175,5 quilómetros)



Depois de 188 quilómetros entre Ciudad del Juguete e Alicante muito pouco planos, mas ainda assim uma etapa para sprinters, para terça-feira quase se pode dizer que será uma etapa bem mais simples. Quase... porque dificilmente será. Além da terceira categoria de quase seis quilómetros a uma média de 4,5%, as previsões meteorológicas não são as mais simpáticas. Se de facto chover na fase final dos 175,5 quilómetros entre Culera e El Puig, poderá ser um dia de muito nervosismo no pelotão.




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