18 de março de 2018

Luís Mendonça: muito trabalho, ainda mais dedicação e uma aposta ganha do Louletano

"Foram os oito quilómetros da minha vida", dizia Luís Mendonça quando vestiu no sábado a camisola amarela, depois do contra-relógio, em Castelo de Vide. Mas não, foram os 751,9 quilómetros da vida deste ciclista com uma história bem diferente da habitual na modalidade e que hoje, aos 32 anos, teve um episódio que tanto procurou, tanto trabalhou, tanto lutou. Esteve perto umas quantas vezes, já estava a ganhar prática em subidas ao pódio, mas quando finalmente alcançou um primeiro lugar como profissional, não o fez por menos: Luís Mendonça conquistou uma das mais importantes corridas portuguesas, de estatuto internacional (2.2), a Volta ao Alentejo "É nossa! É nossa!", desabafou na chegada a Évora, abraçado ao director desportivo que acreditou nele e lhe deu a oportunidade de entrar na elite nacional, Jorge Piedade.

Nos últimos anos tivemos nomes como Enric Mas (actualmente na Quick-Step Floors) e Jasper Stuyven (Trek-Segafredo) a vencer, dois jovens talentos que entretanto já vão marcando o seu espaço no World Tour. E claro, Carlos Barbero, da Movistar, o único ciclista a vencer duas vezes em 36 edições da Alentejana. É preciso recuar a 2006 para ver um português no primeiro lugar do pódio: Sérgio Ribeiro. E foi há 30 que Joaquim Gomes, com a camisola do  Louletano-Vale do Lobo, venceu esta corrida. Mendonça pode já não ser um jovem talento, mas é um ciclista que quando aos 27 anos decidiu que o ciclismo seria a sua aposta, demonstrou que o que não lhe faltava era qualidade e que este domingo foi recompensada na Alentejana. Foi modelo, barman, competiu quando era mais novo, mas as suas temporadas não demoravam mais de dois/três meses antes de virar a sua atenção para outros planos. Porém, quando se dedicou exclusivamente, a ascensão foi rápida.

O que Luís Mendonça saltou na evolução na evolução de um ciclista, tinha que sobrasse a nível de dedicação. Mostrou-se na Sicasal-Constantinos-UDO depois de uma passagem por Espanha e na Concello de Porriño-Abanca ganhou o Circuito da Curia. Em 2016 a equipa brasileira Funvic convidou-o para fazer a Volta a Portugal com as suas cores. Meses depois, Jorge Piedade abriu-lhe as portas do Louletano, quando se calhar muitas equipas não pensariam em apostar num ciclista que começou tão tarde e que estava à porta do 30º aniversário. Desde que assinou pela formação algarvia que Mendonça, um homem do norte (Paredes), tem sido um exemplo de lealdade, de trabalho e de tremenda ambição.

A sua personalidade tornou-o rapidamente num ciclista muito popular no pelotão e fora dele. Mendonça parece ter uma capacidade inata para sorrir em qualquer momento, não dizendo que não a uma fotografia, a uma curta conversa e muito menos a um desafio. Está sempre pronto para mais um e talvez a única vez que tenha perdido o sorriso foi quando lhe foi tirada a oportunidade de estar novamente na Volta a Portugal com o intento de ganhar uma etapa e de ajudar Vicente Garcia de Mateos.

Durante um treino, a cerca de duas semanas do início da corrida, Mendonça foi agredido por um homem. Fracturou o braço e não escondeu a enorme desilusão por ver uma época ficar quase perdida. Quase porque regressou nos circuitos com uma vontade de rapidamente mostrar-se a bom nível, ainda o braço não estava a 100%, numa altura em que a maioria dos ciclistas já vai começando a reduzir o ímpeto, mais a pensar no que terá de ser feito para preparar a temporada seguinte.

Luís Mendonça apareceu em 2018 em forma logo na Prova de Abertura Região de Aveiro, fechando o pódio. Foi à Volta ao Algarve meter-se entre os sprinters do World Tour, mas o que mais impressionou foi aparecer tão forte tanto na Fóia como no Malhão. Para um homem mais dado a rolar e a tentar acabar rápido, o ciclista da Aviludo-Louletanto-Uli só perdeu um minuto para Michal Kwiatkowski na subida da Serra de Monchique e 2:22 na Serra do Caldeirão.

E a sua forma física nestas dificuldades fizeram a diferença quando enfrentou a única etapa de montanha da Alentejana e claro que o facto de ter sido dos poucos ciclistas de equipas portuguesas a não ficarem nos cortes na primeira tirada - muito marcada pelo vento - colocou-o numa posição privilegiada que soube muito bem aproveitar.

Em 2016, depois da Volta a Portugal, Luís Mendonça conversou com o Volta ao Ciclismo e disse então que tinha "de aproveitar cada dia, aprender tudo muito rápido". E a verdade é que ao mais alto nível, rapidamente se habituou ao ritmo que precisava de ter para estar constantemente ao lado dos favoritos, até que ele próprio foi entrando nessa lista de candidatos.

Com a fantástica conquista da Volta ao Alentejo - é o quinto ciclista a vencer a geral, sem juntar pelo menos uma etapa -, Mendonça ganha outro respeito e outro estatuto no pelotão, pois na equipa já o tinha, principalmente no arranque desta época. Com tudo o que tem demonstrado nos poucos anos que está a sério no ciclismo, será de prever que também rapidamente se adapte a esse novo estatuto e vontade não lhe deverá faltar para ir mais longe.

Destaque também para Edgar Pinto

O dia é de Luís Mendonça, mas há que referir Edgar Pinto. Tal como Luís Mendonça teve um 2017 que acabou de forma frustrante. No seu caso foi uma queda logo na terceira etapa da Volta a Portugal que acabou com a época e o objectivo de lutar pela vitória. Foi grave e as cicatrizes na perna não o deixam esquecer o que sofreu. O ciclista da Vito-Feirense-BlackJack admitiu recentemente que ainda estava em recuperação e que, por isso mesmo, seria um ano em que se concentraria muito na Volta.

Porém, é um lutador, um homem que sempre gosta de andar bem toda a temporada e se aqui e ali já se o ia vendo, na chegada a Portalegre conquistou uma vitória que lhe valerá ouro para a sua motivação e para acreditar que pode deixar para trás a sequência de azares que o têm perseguido na carreira. Pensou em colocar um ponto final, mas eis que Edgar Pinto comprova que ainda tem algo a mostrar. Para o Feirense foi dia de festa. Se o futebol vai passando por dificuldades em dar alegrias em ano de centenário, o ciclismo está a cumprir a sua parte.

Domínio estrangeiro, sucesso máximo português

A Volta ao Alentejo, como já aqui foi escrito, começou com uma etapa que acabou com as aspirações de grande parte do pelotão nacional. A Team Wiggins e a Lokosphinx foram dominando os primeiros dias. O britânico Gabriel Cullaigh começou por ganhar a tirada e a amarela, mas no dia seguinte perdeu para o colega irlandês Mark Downey, enquanto Dmitry Strakhov venceu duas etapas, para juntar à vitória na Clássica da Arrábida. Este russo de 22 anos tão cedo não esquece Portugal!

No entanto, quando as grandes decisões chegaram no sábado com a dupla jornada e os ciclistas portugueses mostraram-se, juntamente com um espanhol já com muitos anos de pelotão nacional. Gustavo Veloso (W52-FC Porto) juntou mais um contra-relógio à colecção. A Alentejana terminou mais uma vez em Évora com Cullaigh a dar mais um triunfo à Team Wiggins.

No pódio ao lado de Luís Mendonça esteve mais um português, Ricardo Mestre (W52-FC Porto). Desde 1994 que não havia dois lusos no primeiro e segundo posto e nesse ano até foi um trio: Carlos Carneiro, Joaquim Sampaio e Joaquim Gomes. Mark Downey teve o terceiro lugar como consolação e a classificação da juventude. A classificação da montanha foi ganha por Alexander Evtushenko e o companheiro da Lokosphinx, Dmitry Strakhov venceu a dos pontos. Por equipas, a W52-FC Porto manteve um domínio já habitual, mesmo quando não vence individualmente.

Pode ver aqui as classificações completas da 36ª edição da Volta ao Alentejo, que contou com seis etapas, duas no sábado.

O pelotão segue agora mais para norte, com a Clássica Aldeias do Xisto a fechar um mês de Março de muito ciclismo em Portugal. A corrida será a última do Troféu Liberty Seguros que tem a Aviludo-Louletano-Uli na liderança por intermédio de Óscar Hernández.


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