24 de março de 2018

Bouhanni a cair do pedestal

(Imagem: Team Cofidis)
Vida difícil para Nacer Bouhanni. A nova visão para sua equipa tirou ao sprinter francês o lugar de total destaque na Cofidis, mas a reestruturação implementada pelo novo director Cédric Vasseur está a ir mais longe. O ciclista não rende vitórias, foi deixado de fora da Milano-Sanremo e nas últimas duas corridas abandonou devido a uma bronquite. Bouhanni foi contratado em 2015 com a única função de trazer vitórias a uma equipa que queria desesperadamente ser vista outra vez como ganhadora, mesmo estando no segundo escalão. O sprinter conseguiu algumas, mas longe do esperado. E falhou no objectivo máximo: Volta a França. Alguns episódios fora de competição e umas cabeçadas em sprints também não ajudaram à reputação de Bouhanni.

"Nos últimos anos, tudo tem estado centrado nele [Bouhanni] e isso significa que os outros ciclistas perderam o seu instinto ganhador. Se se trabalha apenas para um ciclista, então nunca se irá estar nas fugas e isso tem de mudar. Quero ver a equipa ser mais agressiva. Quero ver as camisolas da Cofidis nas fugas e isso irá ajudar a retirar a pressão do Nacer." As palavras de Vasseur, quando chegou à equipa, eram claras quanto ao estatuto de Bouhanni. É o ciclista mais bem pago da Cofidis, pelo que a responsabilidade continua a ser enorme, contudo, Vasseur cortou com a mentalidade anterior do director que trouxe o ciclista para a estrutura, Yves Sanquer. Despedido para dar lugar a Vasseur, Bouhanni evitou fazer comentários à saída de quem o colocou no centro das atenções na Cofidis, como queria quando bateu com a porta à FDJ, equipa do World Tour, mas onde recusou partilhar estatuto com Arnaud Démare.

No entanto, no pouco que disse ficou a ideia de algum mal-estar. Sobre as novas ideias de Vasseur, Bouhanni limitou-se a dizer: "Penso que preciso de algum tempo para me adaptar ao novo método de trabalho." A grande diferença está no comboio que ajudava o sprinter. Foi cortado para metade. Porém, houve mais. Christophe Laporte passou a ser aposta e este ano já tem três vitórias. Bouhanni está a zero. Para alimentar ainda mais uma possível ruptura entre ciclista e director, o sprinter foi excluído da Milano-Sanremo, com Laporte a ser chamado e a fazer 13º. Dias antes, Bouhanni tinha abandonado o Paris-Nice devido a uma bronquite. Ao seu estilo, o ciclista de 27 anos reagiu dizendo que o médico lhe tinha dado alta e que já estava a treinar, pelo que não percebia a decisão. Na equipa a justificação era que o ciclista não estava a 100%. Regressou na Volta à Catalunha e novo abandono por uma bronquite. Passaram as três corridas que Bouhanni tinha colocado como objectivo no início de temporada e as exibições do sprinter acabaram por ser uma nota de rodapé.

Em 2014, Bouhanni venceu três etapas no Giro, duas na Vuelta, mas pelo meio ficou de fora do Tour, com a FDJ a escolher Arnaud Démare como sprinter para essa corrida. Bouhanni assinou então pela Cofidis, onde lhe foi garantido que não haveria dúvidas que seria o líder indiscutível. Mesmo sendo Profissional Continental, é uma equipa cronicamente convidada para o Tour, até porque é um patrocinador que vai além da equipa de ciclismo nesta modalidade. Era o que Bouhanni queria e com o registo que trazia o sprinter na época de 2014, na Cofidis acreditava-se que se regressaria às vitórias na Grande Boucle.

Foi o quebrar com o passado, quando a equipa se mostrava mais na montanha, ou em fugas. O último triunfo no Tour foi por intermédio de Sylvain Chavanel em 2008! Em grandes voltas, Daniel Navarro venceu uma etapa na Vuelta em 2014 e depois o registo fica a zero em corridas de três semanas, precisamente porque tem sido no Tour que tem estado e Bouhanni não rende. Até chegou a ficar de fora numa edição por ter agredido um homem no hotel por alegadamente estar a fazer barulho. Faltava uma semana para o Tour e a lesão na mão acabou por ser impeditiva para competir e viu a prova em casa.

Em três temporadas na Cofidis, Bouhanni somou 28 vitórias. Muitos são os ciclistas que gostariam de ter registo idêntico. O problema é que apenas sete são do nível World Tour e duas HC. Sabe a pouco para uma equipa que apostou tanto (para não dizer tudo) neste ciclista de tanto potencial, mas que começa a dar indicações que poderá passar ao lado de uma grande carreira. E pode continuar a ganhar, mas sem aparecer no Tour, na Cofidis será sempre difícil, senão impossível, pensar que a aposta em Bouhanni foi algo perdida.

É um sprinter que se espera ter lugar no World Tour, mas no ano passado renovou por dois na Cofidis, pois Bouhanni não queria perder o seu estatuto. As suas pretensões acabaram por esbarrar na ambição da equipa que quer mais e percebeu que só com Bouhanni não iria lá. Quando Vasseur chegou os Herrada já tinham sido contratados, numa clara ideia de voltar a discutir mais do que sprints, sempre com o Tour em mente. Quando Vasseur chegou, não só se percebeu que os espanhóis teriam ainda mais destaque, como outros ganharam outro espaço, caso de Laporte (25 anos).

Não se sabe quando Bouhanni irá regressar à competição, apesar de estarem previstas participações em corridas francesas no final deste mês e início de Abril. A paciência com o sprinter poderá estar a atingir os limites. O corredor disse uma vez que não conhecia Vasseur, só de o ver na televisão a fazer comentários ou de quando era ciclista (representou precisamente a Cofidis entre 2002 e 2005). Agora já o conhece o suficiente para perceber que tem todo o poder para colocar em risco o estatuto de intocável da estrela da equipa. Em 2017, Bouhanni sofreu uma grave queda no Tour de Yorkshire, que lhe provocou problemas na visão que o perturbaram durante seis meses, segundo explicou o próprio. Porém, a bronquite de agora não irá servir de desculpa para continuar com um grande zero a nível de vitórias.

Com contrato até 2019, não seria de surpreender que a Cofidis esteja disposta a deixar sair Bouhanni. Talvez mais do que disposta, esteja mesmo com vontade de se livrar de um enorme peso salarial que poderá permitir a contratação de ciclistas que reequilibrem a equipa em todos os sectores, tornando-a mais competitiva em qualquer tipo de corrida, como quer Vasseur. Lá está, vida difícil para Nacer Bouhanni, que talvez esteja a precisar de uma dose do mundo real para recuperar a sua melhor versão, pois ao ser colocado num pedestal tão cedo na sua carreira, no seu caso, acabou por não ser o que precisava para continuar a senda de grandes vitórias que se pensava que estava apenas a começar em 2014.


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