(Fotografia: Facebook Strade Bianche) |
"Sabia que um dia ganharia algo grande e foi hoje. Sabia que a Strade Bianche era uma grande oportunidade para o fazer", afirmou o ciclista após a corrida que deixou todos os que nela participaram irreconhecíveis, debaixo de uma camada de lama que certamente precisou de um longo duche para sair! Para Benoot esta pode significar mais do que a primeira grande conquista. Para o belga é uma pressão que se liberta - pelo menos um pouco - depois de ter vivido os últimos três anos sob muita. Um quinto lugar na Volta a Flandres quando se tem apenas 21 anos, é uma boa razão para criar essa pressão, principalmente mediática. "É realmente agradável obter o meu primeiro triunfo como profissional. Havia muitas expectativas em meu redor depois do quinto ligar na Volta a Flandres, há três anos. Os jornalistas belgas pressionaram-me muito", desabafou.
Daqui a uma semana Benoot celebrará o 24º aniversário e uma coisa é certa, já é mais do que apenas um dos vários ciclistas que têm vindo a ser apresentados como o próximo Tom Boonen. Benoot está já a trilhar o seu caminho e a deixar uma marca com o seu nome, longe das comparações com a referência belga nas clássicas. A maior semelhança neste momento é o facto de darem espectáculo, contudo, há muito que os separa. Boonen destacou-se como sprinter, além das clássicas, enquanto Benoot já demonstrou características de trepador. O primeiro nasceu para atacar as clássicas do norte, o segundo encaixa bem em algumas destas - logo a começar pela Volta a Flandres -, mas terá nas Ardenas aquelas provas que lhe parecerão perfeitas.
Curiosamente, ou talvez não, a primeira vitória de Benoot chega pouco tempo depois de Tom Boonen ter sido anunciado como conselheiro da equipa belga, depois de falhadas as conversas para assumir um cargo idêntico na formação que representou durante praticamente toda a carreira, a Quick-Step Floors. Mesmo já tendo deixado a competição, Boonen arrisca-se a ser a melhor contratação da Lotto Soudal para as clássicas!
Em 2017 estreou-se numa grande volta, no Tour, e logo com um 20º lugar, quarto na juventude. Se continuar a evoluir como voltista, também poderá haver a tentação de não seguir a senda das clássicas de Boonen e as Ardenas serão certamente a principal aposta, longe dos pavés do norte. Já a Strade Bianche vai encaixando em cada vez mais ciclistas de diferentes características. Romain Bardet (pasme-se!) foi segundo e o homem da AG2R regressa a casa muito feliz, não só pelo resultado, mas por toda a experiência, que incluiu levar os vinhos da região!
Mas o dia é de Benoot. Eis um ciclista que nasceu no coração da Flandres e que tem este tipo de corridas no sangue, como não poderia deixar de ser. É um produto da equipa de desenvolvimento da Lotto Soudal. Em 2014, depois do quarto lugar nos Mundiais, em sub-23, foi chamado para estagiar na estrutura principal. Um oitavo posto na Binche-Chimay-Binche/Memorial Frank Vandenbroucke e dias depois um 16º no Paris-Tours (prova 1.HC) não deixou margem para dúvidas: os responsáveis ofereceram-lhe um contrato profissional.
Em 2015, o brilharete na Volta a Flandres não foi único. Foi também quinto no Grande Prémio de Montreal, quarto no Paris-Tours e deixou logo indicações que poderia ser muito mais do que um homem de clássicas, com o segundo lugar na Volta à Bélgica, atrás de Greg van Avermaet, a apenas 41 segundos. Porém, foi no Critérium du Dauphiné que deixou muitos a olhar para ele, quando se viu ao lado de Chris Froome e Alberto Contador na etapa rainha dessa edição.
Ao contrário do que era quase "exigido" nos meios de comunicação social, a Lotto Soudal não teve pressa em ver Benoot começar a ganhar ou, quanto muito, a andar na frente. A postura foi de deixar a evolução acontecer naturalmente, sem saltar etapas. Foi chamando-o para as clássicas, dando-lhe muitas vezes um papel de joker, ou seja, com liberdade para fazer o seu resultado, testando as suas capacidades. Aos poucos foi também colocando o belga em provas por etapas mais importantes, até que no ano passado levou-o à Volta a França. Antes, tinha passado pela Volta ao Algarve, onde ficou com a camisola branca da juventude.
Benoot é a próxima geração belga que já não é futuro. É o presente. A pressão não irá desaparecer. Agora irá enfrentar a responsabilidade de ter de conseguir mais e melhor... Um monumento, claro está. Porém, será de esperar que a Lotto Soudal se mantenha serena com Benoot. Afinal o caminho tem sido caminhado da forma mais correcta e os resultados estão a aparecer quando o belga demonstra estar mais preparado para os alcançar.
A dúvida será se irá apostar em força nas três semanas. O 20ª lugar no Tour abriu esta porta. É preciso recuar aos anos 70 para encontrar um belga a ganhar uma grande volta. Johan De Muynck venceu o Giro em 1978 e Lucien Van Impe o Tour dois anos antes. Antes claro, que houve o "Canibal" Eddy Merckx. Não deverá ser para já. Agora é altura de se afirmar nas clássicas e ir ganhando experiência nas três semanas, estando prevista nova presença no Tour.
Benoot seguirá agora para o Tirreno-Adriatico, antes de regressar às clássicas. Fará E3 Harelbeke a pensar na Volta a Flandres. Irá depois para a tripla das Ardenas e será muito interessante vê-lo lado a lado com o veterano Alejandro Valverde e outro jovem talento, mas francês, Julian Alaphilippe, isto para dar apenas dois nomes da lista de fortes candidatos, mas que em 2018 são três figuras dos primeiros dois meses de competições.
A corrida
A corrida
Para já é altura de aproveitar este momento épico da Strade Bianche. Foram 184 quilómetros nas estradas de terra batida - o famoso sterrato - da zona da Toscânia. O mau tempo que está a afectar a Europa, principalmente a zona centro, mas a apanhar também Itália, criou um cenário que tanto pode ser visto como um inferno, ou então levado com alguma boa disposição, como muitos ciclistas o fizeram... antes da corrida, claro!
Romain Bardet estava a ser uma das figuras. O francês surpreendeu quando se chegou ao grupo da frente, onde estavam, entre outros, Valverde (Movistar), Peter Sagan (Bora-Hansgrohe), Zdenek Stybar (Quick-Step Floors) e Michal Kwiatkowski (Sky) - todos homens que já fizeram pódio, ou ganharam a corrida - e não demorou a atacar. Afastou-se juntamente com outro jovem belga de quem muito se irá falar, Wout Van Aert. O campeão do mundo de ciclocrosse está a fazer um início espectacular de época na estrada, pela Vérandas Willems-Crelan. Destacou-se na Omloop Het Nieuwsblad e agora fez pódio numa Strade Bianche com condições parecidas às da sua especialidade.
Benoot percebeu que no grupo ninguém se estava a entender e levou o compatriota Pieter Serry com ele. O ciclista da Quick-Step Floors foi uma ajuda durante alguns quilómetros, mas com os sectores de sterrato a chegarem ao fim, Benoot acelerou e acabou sozinho na perseguição. Chegou-se à frente, respirou um pouco e novo ataque. Perfeito! Grande corrida de Benoot. Grande corrida no geral.
Quanto a portugueses, José Gonçalves (Katusha-Alpecin), que há um ano ficou à porta do top dez, foi o melhor na 27ª posição, a 9:46 de Benoot. Nelson Oliveira foi 46º a 19:27 e o companheiro da Movistar, Nuno Bico, abandonou.
De referir que a Strade Bianche abriu o calendário World Tour feminino, com Anna van der Breggen (Boels-Dolmans) a vencer isolada (pode ver aqui a classificação).
Aqui fica a classificação da corrida masculina, via ProCyclingStats.
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