7 de agosto de 2016

As conversas dos "entendidos" até à superação final de Rui Vinhas

A festa dos campeões: Rui Vinhas e a W52-FC Porto (Fotografia: Volta a Portugal)
Contra-relógio em Lisboa. Mudança no tipo de etapa e no cenário no final da Volta a Portugal. Deixámos as árvores da Avenida da Liberdade para o descampado do Terreiro do Paço. Sim, o Arco da Rua Augusta dá uma imponência diferente à meta, mas o calor testou a resistência de muitos adeptos, que lá dividiram o seu tempo entre a caça ao brinde (pois claro) e a passagem dos ciclistas.

Antes de irmos à vitória, perdão, à brilhante vitória de Rui Vinhas, apenas uns pequenos pormenores do que é assistir in loco a um contra-relógio, muito diferente de uma etapa em linha. Dá-se uma volta ao recinto e escolhe-se um ponto para ver. Lá nos agarramos às grades e pensamos: aqui é bom. Chega um polícia e diz: "Cuidado, eles aqui podem cair e ir contra essas grades." Com tanto sítio para ficar... boa escolha, portanto... Não há-de ser nada! É que é um bom local para tirar fotografias!

"Nunca mais passa nenhum", ouve-se. "Calma, ainda nem partiram!" O tempo passa e nada. E o calor aperta e de que maneira! "Estarão atrasados?" Pouco importa. A discussão seguinte foi bem mais interessante. Os "entendidos" existem em todas as modalidades!

"Vêm de Vila Franca? Vão demorar hora e meia!", diz convictamente um senhor com alguma idade. " Só se for a pé", ouve-se alguém dizer. Pronta resposta de outro senhor: "Nem pense, eles andam rápido, em 30 e tal minutos estão aí." Ai o que foi este senhor dizer. "O QUÊ? É muito longe, têm subidas, vão demorar muito. Eu conheço", diz indignado. O outro senhor tenta não perder a compostura: "Não, são só 32 quilómetros e não há subidas. É rápido." O senhor mais idoso ainda insistiu mais um pouco, mas acabou por desistir, mais por ter perdido a atenção de quem por ali andava, do que propriamente por perceber que não tinha razão.

Entretanto, lá começam a aparecer os primeiros ciclistas. Alguns aos pares, até em trio! Claques do Sporting, do Porto? Lá se ouve um "vai Sporting" ou "vai Porto", mas o que mais se ouve é o nome dos ciclistas e quem estava naquela curva podia estar descansado, sabia-se sempre quando um português se aproximava. Não havia óculos ou capacete que iludisse um fervoroso adepto. "Olha o Bruno Pires" e todos batem ainda com mais força nos cartazes presos nas grades. "Olha o Gonçalves" e repete-se o gesto. Ninguém se pode queixar. Não se perdeu um ciclista importante! Curiosamente parece ter sido a Efapel a ter a maior claque.

"Vão dizer ao Vinhas para abrandar", lá sai mais um comentário do público. "Não, no contra-relógio é cada um por si", ouviu-se a resposta. E quem lá vem?

Vinhas após finalizar o contra-relógio (Fotografia: Volta a Portugal)
Lá vem Rui Vinhas. Esqueçam que é do FC Porto. É português. Ali não se falou de clubismos. Ganhou? Daquele local não se percebia. Alguns correram para o centro do Terreiro do Paço. As imagens no ecrã gigante parecia indicar que sim. Surge a classificação da etapa. Incrível! Rui Vinhas fez mesmo o contra-relógio da sua vida. Gustavo Veloso pode ser admirado e respeitado em Portugal, mas Vinhas é português. Fez-se a festa em tons nacionais, cinco anos depois de Ricardo Mestre.

Uma parte do público vai dispersando ("sombra, onde está uma sombra"), outra resiste para saudar o campeão.

Vamos então falar de Rui Vinhas. Não lhe chamemos o herói do dia. Rui Vinhas superou-se durante uma semana. Há que recordar que vestiu a amarela na terceira etapa, quando integrou uma fuga que ninguém quis perseguir. A partir de então foi a superação física e principalmente psicológica. Vinhas teve de viver com o "fantasma" Gustavo Veloso, o líder incontestável, que comprovou que estava mais uma vez numa forma vencedora. A W52-FC Porto começou a pensar no tri do galego e começou a ver que teria uma estreia improvável.

Mas seria mesmo? Iria Rui Vinhas sobreviver à Senhora da Graça, a Serra da Estrela (a dobrar)? Afinal, aos 29 anos, o seu ritmo sempre foi de gregário. E eis a prova como um trabalhador de equipa pode transformar-se num vencedor. Aguentou-se na Senhora da Graça e na Serra da Estrela. Foi perdendo segundos para Veloso que atacava as metas volantes e as vitórias de etapas (e foram três).

Vinhas manteve sempre o discurso de que o líder era Veloso, enquanto o galego admitiu após a penúltima etapa e voltou a repetir após a confirmação da derrota, que ao perder, ficaria com a sensação que o melhor homem não ganhou. Será justo Veloso dizer isso?

O ciclismo faz-se mais do que estar mais forte. Faz-se de persistência, faz-se de estar no momento certo na altura certa, faz-se de superação pessoal e, inevitavelmente, faz-se de sorte e de azar. Vinhas esteve na fuga certa. Vinhas superou-se nas etapas mais difíceis, não ficando para trás do grupo principal e ajudado pelos colegas, sem problemas em proteger o inesperado líder, sem nunca perder o respeito a Veloso. Vinhas superou-se no contra-relógio, o da vida dele. Pode nunca mais fazer um igual. Mas isso importa? Venceu a Volta a Portugal. Um gregário por excelência, venceu a Volta a Portugal?

“A certa altura não acreditava nas indicações de tempo que me chegavam do carro. O meu pensamento foi dar o máximo. Vim sempre no limite e cheguei sem forças nenhumas.” Era assim que tinha de ser Rui. No máximo. Era o momento único da carreira.

Veloso podia ser o homem em melhor forma na sua procura pelo tri, mas Vinhas foi o melhor no final, foi ele quem geriu a pressão de saber que estava a tirar uma vitória muito trabalhada para o galego, que geriu a sua condição física preparada a pensar em trabalhar para terceiros e não para defender uma camisola amarela.

Vinhas e o troféu que nunca pensou vencer (Fotografia: Volta a Portugal)
E agora Rui Vinhas? Parece que finalmente o discurso de subserviência ao seu líder poderá mudar um pouco de tom, pois o próprio admitiu que irá encarar as próximas provas de forma diferente. Assim o deve fazer. Afinal é o vencedor da Volta a Portugal. Começou ao contrário: ganhou a principal competição e agora é altura de se mostrar em outras corridas.

Só para terminar. Vinhas partiu com 2:25 minutos de vantagem e perdeu apenas 54 segundos no contra-relógio ganho por Veloso. O que dizer? Sensacional! No pódio, o galego ficou em segundo (a 1:31 minutos) e um muito feliz Daniel Silva, Rádio Popular-Boavista, em terceiro (a 2:49). Joni Brandão, da Efapel, tinha 18 segundos a separá-lo do pódio, mas até acabou ultrapassado por Raul Alarcon (W52-FC Porto). 

Gustavo Veloso venceu a classificação por pontos (certamente não servirá de consolação), o colombiano Wilson Diaz (Funvic Soul Cycles-Carrefour) foi o rei da montanha, o russo Alexander Vdovin (Lokosphinx) foi o melhor jovem e quase nem é preciso dizer quem terminou no topo das melhores equipas: a W52-FC Porto, pois claro.


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