Quase 17 meses depois a UCI finaliza o caso de André Cardoso. Entre um resultado anómalo, outro "atípico" e uma luta pela sua inocência - que o ciclista percebeu que seria desigual - o veredicto é de quatro anos de suspensão por, segundo o organismo, ter recorrido a EPO, ou Eritropoetina, a substância que marcou uma era negra da modalidade nos anos 90 (e não só). O tempo da sanção é o esperado, mas todo o processo levantou muitas dúvidas sobre a justiça, ou talvez a falta dela, das regras.
Uma rápida retrospectiva: André Cardoso é sujeito a um teste anti-doping a 18 de Junho de 2017, fora de competição, uma semana depois de ter terminado o Critérium du Daupuhiné na 19ª posição. Preparava-se para fazer a sua primeira Volta a França, no apoio a Alberto Contador, ao serviço da Trek-Segafredo, quando, quatro dias antes, a 27 de Junho, foi notificado do positivo por EPO, ou, mais concretamente, do resultado anómalo. Foi suspenso provisoriamente.
O ciclista defendeu desde logo a sua inocência, pedindo que fosse feita rapidamente a contra-análise para que o processo não se arrastasse. Mas o processo arrastou-se mesmo, já que o resultado dessa contra-análise não confirmou o da amostra A, mas também não o ilibou. O contrato com a equipa americana terminou no final de 2017, pelo que o ciclista ficou sem equipa. Agora, aos 34 anos, Cardoso terá de esperar até 27 de Junho de 2021 para regressar à competição, quando tiver quase 38 anos.
"O momento em que vi a UCI lutar contra mim com cinco especialistas e um grande advogado, foi o momento em que pensei: ok, se calhar isto é um mau sinal", disse Cardoso ao VeloNews, a 5 de Julho. Nesse dia, ao partilhar a entrevista no Facebook, escreveu: "No desporto não há uma luta justa contra o doping. Acima disso há sim, uma luta de conflito de interesses."
Apesar da contra-análise não ter confirmado o resultado do primeiro teste, ou seja, ter sido considerado um resultado "atípico", as regras da Agência Mundial Anti-Doping permitem que a UCI, no caso do ciclismo, possa prosseguir o processo contra o atleta. Para ficar impedida de o fazer, o resultado teria de sido classificado como negativo.
As regras abrem a porta para que o organismo possa socorrer-se do resultado do primeiro teste e eventualmente até pode nem precisar de nenhuma análise para sancionar um ciclista, se tiver testemunhas ou por admissão de culpa do atleta. O que não é o caso de Cardoso, nestas duas últimas hipóteses.
A UCI defendeu, segundo documentos citados pelo VeloNews, que entre a primeira análise e a contra-análise a presença de EPO dissipou-se nas amostras de André Cardoso. O ciclista de Gondomar fez-se representar por um advogado neste longo processo, mas a demora na resolução do caso e perante o resultado da contra-análise, o que aconteceu com o português acabou por se tornar em mais um exemplo da diferença de tratamentos entre ciclistas que são apanhados nas malhas da suspeita de doping. Principalmente na diferença de estatuto e poderio monetário.
À cabeça virá durante muito tempo o recente caso de Chris Froome. A batalha legal que se seguiu ao positivo por salbutamol foi feroz, numa equipa com poder económico para o fazer. Apesar de acusar muito mais do que outros ciclistas, como Diego Ulissi, por exemplo, Froome conseguiu que com a sua defesa, com a ajuda de estudos sobre a substância e da forma como é tratada neste tipo de testes, o seu caso fosse arquivado sem que recebesse qualquer sanção.
"Acho que isto já não é sobre doping. Agora sinto que é mais política. A UCI sabe que não sou uma estrela, que não sou milionário. Não tenho muito dinheiro para lutar. Eles não querem dizer que 'talvez o laboratório tenha cometido um erro' porque é mais fácil colocar-me fora do desporto", disse na citada entrevista.
E o dinheiro é um factor de diferenciação, pois logo naquela entrevista o ciclista disse que não teria capacidade financeira para recorrer ao Tribunal Arbitral do Desporto.
André Cardoso não deixou as bicicletas. É guia e até ao dia em que foi suspenso provisoriamente, era um trepador de respeito no pelotão World Tour. Tinha sete grandes voltas no currículo, todas pela equipa da Cannondale. Faltava-lhe a Volta a França e a Trek-Segafredo contratou o português como potencial gregário para Alberto Contador. O sonho estava prestes a concretizar-se.
Tudo termina com quatro anos de suspensão - tem sido o normal em casos que envolvem EPO -, conhecida 17 meses depois do anúncio da primeira análise.
(Pode ler aqui o curto comunicado da UCI, em inglês.)
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