6 de janeiro de 2019

Sair da sombra do irmão

(Fotografia: © Bettiniphoto.net/Movistar Team)
Foram cinco anos a ser o irmão de Nairo Quintana. O peso do apelido faz com que muitas vezes um ciclista tenha dificuldade em ser conhecido pelo seu nome próprio e não apenas de quem é familiar. Dayer Quintana tem estado na sombra do irmão desde que decidiu seguir as pisadas de Nairo, dois anos mais velho. Nunca se conseguiu afirmar na Movistar, nem como gregário e ainda menos como potencial líder. Agora enfrentará um teste à sua carreira, assinando por uma nova equipa, longe da protecção do irmão, chegando o momento de mostrar que o apelido tem peso, mas o seu lugar no ciclismo também foi alcançado com mérito.

Somou três vitórias na Movistar, com destaque para a conquista à Volta a San Luís, em 2016, com Nairo a ser terceiro, a 35 segundos. Venceu ainda uma etapa na Colombia Oro y Paz, no ano passado, e outra na Volta à Áustria, em 2014. Alguns top dez, uma ou outra exibição onde se mostrou mais, mas Dayer nunca se conseguiu livrar das desconfianças de estar na Movistar apenas por ser irmão de Nairo. Não é caso único ver ciclistas a tentarem manter a família por perto, como acontece com Peter Sagan e Vincenzo Nibali. Dayer foi garantindo renovações de contratos, enquanto Nairo se afirmou como um dos melhores voltistas da actualidade. Venceu o Giro e a Vuelta e por esta altura, aos 28 anos, até já se esperaria que também o Tour estivesse no seu currículo. Esse sonho ainda continua por concretizar, mas sejam qual for os de Dayer não já passam por estar ao lado de Nairo.

Ao fim de cinco temporadas as portas da Movistar fecharam-se, numa altura em que muito se discute o estatuto de Nairo na equipa espanhola. O colombiano está numa posição mais fragilizada dados os resultados aquém do desejado nas últimas duas temporadas e uma eventual saída vai ser um dos assuntos de 2019, pois está em final de contrato.

Mas é de Dayer de quem se fala aqui, pois após uma carreira marcada pela protecção de Nairo, irá para a Neri Sottoli-Selle Italia-KTM, novo nome da equipa italiana Wilier Triestina-Selle Italia, do escalão Profissional Continental, e assim enfrentar aos 26 anos um novo desafio.

Com o sucesso de Nairo, Dayer decidiu ser também ele ciclista. Foi o irmão que num acordo com a polícia de Boyacá, onde cresceram, criou uma equipa de sub-23. Os ciclistas poderiam assim receber um ordenado e ter algumas condições para realizar estágios em altitude, além da participação em corridas. A parte curiosa da história é que os corredores tinham de fazer parte da polícia para ganhar o seu salário, ainda que não fosse agentes no terreno. Isto até a política se meter no caminho e os atletas serem obrigados a fazer o trabalho devido de um polícia para receber o dinheiro. Ou seja, Dayer e os outros ciclistas acabaram a ser polícias à força. Dayer vestiu o uniforme durante 18 meses, sem que durante esse tempo tivesse competido, segundo contou o próprio Nairo Quintana.

Nairo ajudou o irmão a viajar para Espanha, onde representou uma equipa amadora, a Lizarte, em 2013. No ano seguinte assinou pela Movistar, chegando ao World Tour rodeado de alguma expectativa e desconfiança, sem resultados de nota. Era irmão de um Nairo Quintana que entusiasmava e muito e que nessa temporada venceu a sua primeira grande volta. Dayer não esteve nesse Giro, ainda que tenha sido em Itália que fez as suas únicas corridas de três semanas, em 2015 e 2018.

Pequeno trepador como Nairo, Dayer nunca conseguiu atingir, ou sequer aproximar-se do nível do irmão. Ficou na sua sombra, ficou sempre como o irmão de Nairo Quintana. Agora talvez consiga ser finalmente o Dayer.

Outros exemplos

Se Nairo não conseguiu manter o irmão por perto, já Peter Sagan não abre mão de Juraj e não tem problemas em garantir que isso aconteça. Neste caso, a estrela é dois anos mais nova, mas desde que chegou à então Liquigas-Doimo, em 2010, que Juraj se tornou parte do pacote, por assim dizer. Entrou como estagiário em Julho e desde essa altura que qualquer renovação ou mudança de equipa (Tinkoff e Bora-Hansgrohe) inclui sempre um contrato pela mesma extensão de tempo daquele que é oferecido a Peter. Os valores monetários já variam um pouco.

Ao contrário de Dayer, Juraj tornou-se um membro do bloco de Peter, principalmente nas clássicas. Vai começando a perder influência, ainda mais quando a Bora-Hansgrohe está a  reforçar e bem esse bloco. Juraj, 30 anos, é dos primeiros a trabalhar, saindo de cena bem mais cedo do que acontecia há poucas épocas. Mas Peter quer o irmão ao seu lado. Juntos, nos Nacionais, não têm dado hipótese, com Juraj a ficar com dois títulos, enquanto o irmão vestiu a camisola de campeão do mundo. Em 2017, Peter voltou a ser campeão nacional. Peter renovou no final do ano passado até 2021. Juraj também.

Outro caso é o dos Nibali. Quando foi para a Bahrain-Merida, como o líder indiscutível e com poder para escolher quem queria a seu lado, Vincenzo quis o irmão Antonio. De resultados pouco tem a apresentar, ainda que, com apenas 26 anos, possa tornar-se num gregário. Venceu uma etapa na Volta à Áustria e como que justificou uma renovação de contrato para 2019. Antonio ainda não convenceu. Tem recebido algumas oportunidades, com presenças em corridas importantes, quase sempre como homem de trabalho. Vincenzo, 34 anos, tentou assim dar um empurrão à carreira do irmão, que antes representava a Nippo Vini-Fantini. Antonio terá de subir um pouco mais o nível, até porque Nibali vai perdendo influência numa Bahrain-Merida que já começa a alargar as suas apostas além italiano.

Tanto Juraj como Antonio vivem o estigma de serem mais tratados por irmãos de quem são, do que pelos nomes próprios. Mas também há casos de irmãos que conseguem ter o seu espaço quase por igual. Ion e Gorka Izagirre, por exemplo. Ainda que Ion tenha tido mais destaque nas últimas duas temporadas, ambos têm bons resultados, boas exibições, parecendo que também trabalham melhor quando estão juntos. Estiveram separados apenas um ano, com Ion na Bahrain-Merida e Gorka a ficar mais um ano na Movistar. Lá se reuniram em 2018 e agora foram juntos para a Astana.

Há ainda Danny e Boy van Poppel. Tiveram um processo de formação idêntico, na então estrutura jovem da Rabobank, estiveram juntos na Vacansoleil, com Boy a ter antes uma passagem pelos Estados Unidos. Foi para lá que seguiram também juntos, para a Trek-Segafredo, mas em 2016 Danny (25 anos), o mais novo, com uma diferença de cinco anos a separá-los, foi para a Sky. Duas épocas depois foi para a Lotto-Jumbo, enquanto Boy vai em 2019 descer de escalão para a Roompot-Charles, depois de não ter renovado com a Trek-Segafredo. Ambos são sprinters, com Danny a ser o mais ganhador.

Outros exemplo colombiano é o de Johan Esteban Chaves e Brayan Chaves. Brayan assinou pela equipa Continental da Mitchelton em 2018 e em Agosto até foi estagiar na formação principal. Brayan não ficou ao lado do irmão, não havendo notícia onde irá competir.

Já quando se fala de gémeos, os Yates são um exemplo de sucesso. Neste momento Simon está com vantagem, visto ter ganho a Vuelta, mas de Adam espera-se que também ele possa vir a discutir uma grande volta, depois de entre eles terem andado a dividir classificações da juventude.

Em Portugal

Por cá, os gémeos também são destaque. Os Oliveira, Ivo e Rui, têm andado juntos na pista, na fase de formação na estrada, depois na Hagens Berman Axeon e agora na UAE Team Emirates. Têm como curiosidade que, quando um ganha, o outro não fica muito tempo sem somar um triunfo. Que continuem assim!

Depois há os Gonçalves. Neste caso José tem sido o ciclista de maior sucesso. Domingos seguiu o irmão quando este foi para França, na La Pomme Marseille. José esteve lá um ano, Domingos juntou-se na temporada seguinte. Aconteceu o mesmo na Caja Rural. José subiu ao World Tour em 2017, na Katusha-Alpecin. Domingos regressou a Portugal e na Rádio Popular-Boavista demonstrou finalmente um potencial que lhe era reconhecido, mas visto poucas vezes. Regressou à Caja Rural por mérito próprio e como campeão nacional de estrada e de contra-relógio.

Com dez anos de diferença, Pedro Paulinho sempre teve o peso de um apelido que deu a primeira e única medalha olímpica portuguesa no ciclismo. Sérgio foi um gregário de luxo no World Tour, ao lado de alguns dos grandes nomes da modalidade, sendo um dos homens de confiança de Alberto Contador. Pedro não se libertou do estigma do nome, ele que tem características bem diferentes de Sérgio. Continua à procura daquela vitória que marque a sua carreira, toda feita em Portugal. Está desde 2018 ao lado do irmão numa Efapel onde Pedro acredita poder concretizar algumas das expectativas que criou ainda como amador e nos primeiros anos como profissional.

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