2 de janeiro de 2017

"O Alberto Contador nunca foi capaz de me dizer nada. Foi isso que mais me magoou"

Sérgio Paulinho esteve muitos anos ao lado de Alberto Contador
Quando Sérgio Paulinho conquistou uma inesperada medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas, a carreira do ciclista português deu o salto mais ambicionado. Paulinho chegava ao World Tour aos 24 anos e encontrava na Liberty Seguros-Würth Team um jovem espanhol de quem muito se esperava: Alberto Contador. Só em 2010 e 2011 estiveram em equipas diferentes. O ciclista tornou-se num dos homens de confiança de Contador e esteve a seu lado em muitas das vitórias de El Pistolero. Porém, na altura em que regressa a Portugal, para a Efapel, Sérgio Paulinho não esconde a mágoa que ficou pelo comportamento de Contador. "Sempre disse que o Alberto não era obrigado a levar-me [para a sua nova equipa]. O Alberto leva quem ele entender. No entanto, depois de ter dito a mim e a outras pessoas para estarmos tranquilos e depois não dizer nada... Foi isso que mais me magoou", admitiu o ciclista português ao Volta ao Ciclismo.

Quando Oleg Tinkov anunciou que iria acabar com a equipa, muito se especulou sobre o futuro de Contador que entretanto tinha recuado na decisão de terminar a carreira. O espanhol pensou em formar uma equipa, mas acabou por assinar pela Trek-Segafredo. "Desde o Dauphiné que o Alberto dizia-me 'está tranquilo' porque queria que eu fosse com ele. Disse que primeiro assinava ele e depois faria um telefonema para me dizer por que equipa assinava, para eu depois falar com o meu representante, para ele entrar em contacto com a equipa. Nunca fez esse telefonema... Nunca me disse nada", referiu. O ciclista contou que os dois chegaram a treinar juntos depois da Volta a Espanha: "Nunca foi capaz de me dizer nada."

Sérgio Paulinho não encontrou equipa para continuar no World Tour e aos 36 anos assumirá o papel de líder na Efapel. Porém, considera que ser gregário não é um papel ingrato. "Talvez o seja por parte da comunicação social, por exemplo, que não reconhece o nosso trabalho. Sempre digo que por trás das vitórias do Alberto está o nosso trabalho. Sem ele, o Alberto nunca conseguiria vencer", realçou.

"O ano não me correu bem. Comecei logo com uma lesão no Paris-Nice e tive de estar um mês parado. Depois quando comecei a preparação para o Tour tive uma semana de cama com febre"

2016 não foi um ano fácil para Sérgio Paulinho. Além de toda a incerteza quanto ao seu futuro, o ciclista também não esteve bem fisicamente. "O ano não me correu bem. Comecei logo com uma lesão no Paris-Nice e tive de estar um mês parado. Depois quando comecei a preparação para o Tour tive uma semana de cama com febre, que me condicionou bastante e acabei por ficar de fora do Tour porque a minha preparação não era a indicada", explicou. Salientou que não saber onde iria estar a competir em 2017 não foi o que mais o afectou: "É claro que afecta um bocado, mas o pior foi mesmo a tal lesão e também de ter ficado doente. A partir daí a minha condição física foi sempre de altos e baixos. Nunca foi aquela condição estável. Fazia dois/três dias bons, um mau..."

Os portugueses no World Tour

Sérgio Paulinho com o seu novo equipamento
Sai Sérgio Paulinho, entram José Mendes (Bora-Hansgrohe), José Gonçalves (Katusha-Alpecin) e os jovens Ruben Guerreiro (Trek-Segafredo) e Nuno Bico (Movistar). Portugal vai tendo cada vez mais ciclistas ao mais alto nível. Paulinho considera que existem muitos corredores com valor no país e "com condições para estarem nas melhores equipas" e dá o exemplo do antigo líder da Efapel: "Acho que o Joni Brandão tem condições para estar numa equipa do World Tour, tal como outros ciclistas. A ida do Ruben Guerreiro e do Nuno Bico acaba por ser um despertar para as outras equipas da qualidade do ciclismo jovem português."

É uma realidade bem diferente de quando em 2005 Sérgio Paulinho chegou ao World Tour, mas não significa que seja mais fácil. "Na altura, quando fui eu, se calhar tinha um impacto maior. Agora como nos últimos anos tem havido um ou dois portugueses a ir - o André [Cardoso], o Tiago [Machado] -, não significa que seja uma coisa normal, mas se calhar não tem um impacto tão grande", afirmou. Acrescentou que é preciso "muitos sacrifícios e muito trabalho" para chegar ao World Tour, mas "estando lá e fazendo um bom trabalho, é complicado sair".

Orlando Rodrigues, José Azevedo, Américo Silva ou Rui Costa (e o próprio Sérgio Paulinho) - nomes apontados pelo ciclista - deram uma preciosa ajuda para o reconhecimento do ciclismo nacional. "O que eles fizeram ajuda a que os jovens de agora possam ter também oportunidades a nível internacional."

As duas faces de Oleg Tinkov

"Ele vai voltar. Ele disse que dois anos e volta. O ciclismo está no sangue dele." Sérgio Paulinho não é o primeiro ciclista da extinta Tinkoff que afirma que ainda vamos ter de novo o magnata russo no ciclismo. Mas então porque teve esta decisão tão radical de acabar com a equipa? "Ele estava no ciclismo com uma ideia. Ele queria mudar o ciclismo, queria fazer algo como a Liga dos Campeões, uma liga a que pertenceriam as equipas e as corridas e o dinheiro das transmissões televisivas seria dividido pelas formações para que elas pudessem ter uma ajuda financeira. Não conseguiu, foi criticado e acabou por dizer: chega", explicou.

"Depois da Lombardia ele disse-nos que o fazia [criticava publicamente] para que nós déssemos conta que tínhamos de fazer melhor, que não era uma crítica, mas um incentivo"

Trabalhar com Tinkov nem sempre foi fácil. Porém, Sérgio Paulinho referiu que o pior era quando criticava os seus ciclistas publicamente: "Depois da Lombardia ele disse-nos que o fazia para que nós déssemos conta que tínhamos de fazer melhor, que não era uma crítica, mas um incentivo. Não era [uma situação] fácil..."

Apesar de extravagante e polémico, Sérgio Paulinho disse que Oleg Tinkov "passa uma imagem para fora e poucos conhecem a sua outra face". "Esse outro lado era aquele em que ele se sentava connosco à mesa, ouvia o que tínhamos para dizer e dava também a sua opinião. Se considerasse que a nossa era correcta, aceitava e tentava conjugar as coisas", afirmou.

A facilidade de trabalhar com Peter Sagan

Que não fiquem dúvidas: Peter Sagan é aquilo que se vê. "Leva a maior parte do tempo na brincadeira", contou Sérgio Paulinho. Estamos perante um talento puro do ciclismo: "Quando leva as coisas a sério ganha e quando leva na brincadeira... Ganha!" O ciclista português frisou que trabalhar com o eslovaco é muito fácil e que o ambiente do grupo na presença de Sagan é completamente diferente daquele, por exemplo, criado por Alberto Contador. "O Alberto é um ciclista mais sério, mais rigoroso e que se não ganha fica chateado. Esse espírito acaba por afectar o grupo, num bom sentido. Já com o Peter não é assim. Se não ganha diz: 'Não se preocupem, amanhã há outra corrida, tentamos amanhã.' São duas pessoas diferentes e com o Peter nunca ninguém está chateado", realçou.

Os momentos mais marcantes

Agora que está de volta a Portugal e que já veste as cores da Efapel, Sérgio Paulinho recordou alguns momentos que marcaram a sua carreira. Inevitavelmente a medalha de prata olímpica é um deles, mas o ciclista recorda também a primeira vez que fez a Volta a França, em 2007. "É o sonho de qualquer ciclista e para mim aquele primeiro Tour foi marcante", recordou. Então representava a Discovery Channel,, naquela que foi a primeira vitória numa grande volta de Alberto Contador, com Sérgio Paulinho a seu lado.

No entanto, foi também nesta Volta a França que o português viveu um dos momentos mais difíceis. "O dia em que estive quase para desistir... Se não tivesse o carro de apoio atrás de mim teria desistido", admitiu. Mas terminou, na 63ª posição a mais de duas horas de Contador e subiu ao pódio, pois a equipa conquistou a classificação colectiva.

Continuando no Tour, mas agora de 2010. Em Gap, Sérgio Paulinho conquistava a 10ª etapa e claro que afirma recordar todos aqueles quilómetros até cortar a meta. Nesse ano vestia a camisola da RadioShack.

Paulinho a ser tratado após uma moto o ter atirado ao chão
Depois houve um momento marcante e que deixou muitas marcas (17 pontos na perna esquerda). Na 11ª etapa da Vuelta de 2015, Sérgio Paulinho foi abalroado por uma moto, naquilo que descreve como um "acidente caricato". E essa experiência é mais uma prova que "há demasiadas motos no pelotão", como referiu o ciclista. "Há motos de televisão, há motos dos fotógrafos, há motos para os convidados... Acaba por ser um mar de carros e motos. Há mais carros e motos que ciclistas! E deveria ser ao contrário."

Momentos inesquecíveis. Bons e maus. Porém, Sérgio Paulinho quer viver mais uns bons ao serviço da Efapel. Agora no papel de líder irá lutar pela conquista da Volta a Portugal.

»»Sérgio Paulinho (primeira parte da conversa): "Acho que 2017 vai ser um ano espectacular. Acho que vou ser bastante feliz"««

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